Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Histórias de Abril (4) A cadeira que protege o general.

Beja, Junho de 1976. Aquele podia ter sido um domingo igual a tantos outros, para os quatro amigos que tinham vindo à cidade ver o futebol : no fim do jogo do Desportivo, no Flávio Santos, passariam pela Girafa, onde beberiam umas imperiais, antes de regressarem à sua aldeia.
Só que, nesse dia, estava marcado um comício de Ramalho Eanes, candidato a ser o primeiro Presidente da República eleito após a conquista da democracia, dois anos antes. Numa época em que a política era vivida com muita paixão, a curiosidade levaria os quatro amigos de Santa Vitória a regressar à sua terra umas horas mais tarde. Pelo sim, pelo não, deixaram o carro junto ao liceu, a uma distância considerável do local do comício, não fosse a coisa dar (como deu) para o torto.
Ao passarem pelas Portas de Mértola, encontram um conhecido, militante do PCP, que lhes diz que, por indicação do partido, e para que não houvesse problemas com os seus militantes, estes tinham sido “aconselhados” a ir para o centro de trabalho na Rua Ancha. Desse modo, estaria também defendido de eventuais ataques que poderiam acontecer numa tarde que se previa atribulada.
O local do comício era, logo à partida, propício a confrontos, já que o palco se encontrava no Largo dos Duques, onde se concentravam os apoiantes de Eanes, enquanto que num local superior, junto ao Largo do Museu se encontravam os contestatários. Estes eram, na sua maioria, apoiantes da candidatura de Otelo, enquanto que, entre os apoiantes de Eanes  se encontravam militantes e simpatizantes do CDS ao MRPP e à AOC, passando pelo PS e PSD (numa panóplia de ideologias bem estranha).
Os confrontos começaram por ser apenas verbais, até que, de um lado e de outro começam a voar pedras, que ameaçavam a integridade física dos presentes e até realização do comício. O próprio Eanes, numa calma verdadeiramente olímpica, segura na cadeira onde estava sentado e, para se proteger, coloca-a sobre a cabeça, numa posição muito pouco ortodoxa.
Entre palavras de ordem, insultos e pedradas, eis que, de repente, se ouve aquilo que parece ser um tiro, vindo não se sabe bem de onde e muito menos disparado por quem. Só que, na sequência desse som, surgem (talvez do Largo de Santa Maria), dezenas de polícias, equipados com capacetes, escudos e bastões que desatam a subir a rua, dispersando, quer os opositores do comício, quer os simples mirones. Todos se espalham por tudo quanto é sítio, procurando fugir a umas dolorosas bastonadas: Rua dos Infantes, Rua do Touro, Rua Conde da Boavista, Largo de São João.
No meio desta confusão encontravam-se os quatro amigos que, não estando em nenhum dos campos em confronto, já que apenas estavam lá para assistir aos acontecimentos, também se viram obrigados a correr à frente da polícia. Quis o destino que, ao passarem em frente às portas do Cine-Teatro Pax Júlia (onde estava a decorrer a sessão da tarde do cinema), um deles ter sido reconhecido pelo porteiro (na altura, contínuo no Liceu de Beja) que se encontrava no interior. Num gesto que deve ter misturado a solidariedade e a pena, abriu as portas, por onde se precipitaram os quatro, mais alguns dos que fugiam à polícia. Salvos pela Cultura, podemos, sem quaisquer dúvidas, salientar.
Só após um longo período de tempo (entretanto acabara a matiné), é que conseguiram sair do Pax Julia e voltar para a sua aldeia. Desta história, felizmente sem vítimas mortais (como acontecera em Abril desse ano, em Beja, e também nessa mesma campanha eleitoral, em Évora), ficam também os processos judiciais abertos a 14 dos contestatários, os quais viriam a ser absolvidos apenas em 1981.
E um general de poucas falas e menos sorrisos, que os portugueses conheceram apenas no dia 25 de Novembro de 1975 e que viriam a eleger como seu Presidente por duas vezes, exercendo a máxima magistratura política entre 1976 e 1986.
27 de Abril



Eleições 1976

Eleições 1976 

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