Só
que, nesse dia, estava marcado um comício de Ramalho Eanes, candidato a ser o
primeiro Presidente da República eleito após a conquista da democracia, dois
anos antes. Numa época em que a política era vivida com muita paixão, a
curiosidade levaria os quatro amigos de Santa Vitória a regressar à sua terra
umas horas mais tarde. Pelo sim, pelo não, deixaram o carro junto ao liceu, a
uma distância considerável do local do comício, não fosse a coisa dar (como
deu) para o torto.
Ao
passarem pelas Portas de Mértola, encontram um conhecido, militante do PCP, que
lhes diz que, por indicação do partido, e para que não houvesse problemas com
os seus militantes, estes tinham sido “aconselhados” a ir para o centro de
trabalho na Rua Ancha. Desse modo, estaria também defendido de eventuais ataques
que poderiam acontecer numa tarde que se previa atribulada.
O
local do comício era, logo à partida, propício a confrontos, já que o palco se
encontrava no Largo dos Duques, onde se concentravam os apoiantes de Eanes,
enquanto que num local superior, junto ao Largo do Museu se encontravam os
contestatários. Estes eram, na sua maioria, apoiantes da candidatura de Otelo,
enquanto que, entre os apoiantes de Eanes
se encontravam militantes e simpatizantes do CDS ao MRPP e à AOC,
passando pelo PS e PSD (numa panóplia de ideologias bem estranha).
Os
confrontos começaram por ser apenas verbais, até que, de um lado e de outro
começam a voar pedras, que ameaçavam a integridade física dos presentes e até
realização do comício. O próprio Eanes, numa calma verdadeiramente olímpica,
segura na cadeira onde estava sentado e, para se proteger, coloca-a sobre a
cabeça, numa posição muito pouco ortodoxa.
Entre palavras de ordem, insultos
e pedradas, eis que, de repente, se ouve aquilo que parece ser um tiro, vindo não
se sabe bem de onde e muito menos disparado por quem. Só que, na sequência
desse som, surgem (talvez do Largo de Santa Maria), dezenas de polícias,
equipados com capacetes, escudos e bastões que desatam a subir a rua,
dispersando, quer os opositores do comício, quer os simples mirones. Todos se
espalham por tudo quanto é sítio, procurando fugir a umas dolorosas bastonadas:
Rua dos Infantes, Rua do Touro, Rua Conde da Boavista, Largo de São João.
No meio desta confusão
encontravam-se os quatro amigos que, não estando em nenhum dos campos em
confronto, já que apenas estavam lá para assistir aos acontecimentos, também se
viram obrigados a correr à frente da polícia. Quis o destino que, ao passarem
em frente às portas do Cine-Teatro Pax Júlia (onde estava a decorrer a sessão
da tarde do cinema), um deles ter sido reconhecido pelo porteiro (na altura,
contínuo no Liceu de Beja) que se encontrava no interior. Num gesto que deve
ter misturado a solidariedade e a pena, abriu as portas, por onde se
precipitaram os quatro, mais alguns dos que fugiam à polícia. Salvos pela
Cultura, podemos, sem quaisquer dúvidas, salientar.
Só após um longo período de tempo
(entretanto acabara a matiné), é que conseguiram sair do Pax Julia e voltar
para a sua aldeia. Desta história, felizmente sem vítimas mortais (como acontecera
em Abril desse ano, em Beja, e também nessa mesma campanha eleitoral, em Évora),
ficam também os processos judiciais abertos a 14 dos contestatários, os quais
viriam a ser absolvidos apenas em 1981.
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