“ Conta-se que,
a uma pessoa que o felicitava pelo seu triunfo [contra os romanos], Pirro [séc.
IV/III a.C] respondeu: ‘Se
alcançarmos outra vitória semelhante a esta, estaremos irremediavelmente
perdidos. “
Estas palavras
são de Plutarco (séc. I/II), no volume da sua obra Vidas Paralelas, dedicado ao
rei do Épiro e da Macedónia e a
Caio Mário (séc. II/I a.C), general e político romano.
Ao lermos, nas
últimas semanas, alguns comentários sobre os concursos para a recuperação do
IP8, lembramo-nos
desta vitória militar, com uma significativa diferença: enquanto Pirro evoca a
sua vitória prenunciando
derrotas, esses comentários, ainda que se refiram à “… maior obra de estradas
do PRR…”, não fazem esquecer
derrotas passadas, no que às acessibilidades diz respeito.
Começando pelo
IC27, que se inicia em Castro Marim e que deveria terminar no IP2, perto da
Trindade, numa distância de
cerca de cem quilómetros, servindo, não só esse concelho algarvio, como também
os de Alcoutim, Mértola e Beja,
melhorando as ligações para Lisboa e para o Norte, podemos afirmar que se trata
de uma obra que foi deixada
para as calendas gregas. Em agosto de 2005, ano em que foi concluída a primeira
fase (33 quilómetros),
foi apresentado o estudo de impacto ambiental, que incluía várias hipóteses do
troço a construir até ao IP2
(esse estudo fora encomendado em 2001 pelo valor de 83 mil contos, 610 mil
euros em 2023). Em
2012, sete anos
depois, sem qualquer obra efetuada, uma fonte do governo de então anunciava no
Expresso que o
troço que faltava “encontra-se assegurado pela EN 122” e que “face à reduzida
procura (…) considera-se que a
infraestrutura rodoviária existente responde às necessidades existentes (sic)”.
Ou seja,
revertia-se uma decisão há muito tomada e assim continua até aos dias de hoje,
tornando-se mesmo num
não-assunto, face à ausência de debate sobre o tema. Entretanto, continuam os acidentes
na EN 122.
A segunda
derrota tem a ver com o fim das ligações ferroviárias diretas entre Beja e
Lisboa. Desde 1864 (data da chegada do
caminho-de-ferro a Beja) até 2004, a ligação era feita de forma indireta, já
que a linha ia até ao Barreiro, onde
se fazia, por barco, o transbordo para Lisboa. Em 2004, após a entrada em
funcionamento da linha
ferroviária na Ponte 25 de Abril (em 1999), iniciaram-se as ligações diretas
entre Beja e Lisboa, em comboios
intercidades rápidos e confortáveis. Em pouco mais de duas horas chegava-se à
capital, fugindo ao desagradável transbordo. Diga-se que este benefício, além dos habitantes de Beja,
abrangia os de Cuba, Alvito e Viana do
Alentejo, bem como dos concelhos limítrofes.
Pois bem,
quando pensávamos que o progresso tinha finalmente chegado, eis que, em
maio de 2010, com o início de obras
de modernização (incluindo a eletrificação) do trecho entre Bombel e
Évora, essa ligação é suspensa, para
não mais voltar. Em seu lugar, a automotora até Casa Branca, onde se faz
(novamente) um transbordo,
este para o comboio que vem de Évora. Ou seja, Beja, de estação central na
ligação Algarve-Barreiro/Lisboa,
deu lugar à estação inicial de um novo ramal, para uma ligação regional
eufemisticamente designada por
“intercidades”.
Para além desta
desvalorização da ferrovia, já no final de 1989 tinha sido encerrado o Ramal de
Moura e, no final de 2011
encerrada a ligação Beja-Funcheira, terminando assim com a ligação ferroviária
ao Algarve, inaugurada em 1
de julho de 1889.
Não cabe neste
artigo a descrição de tudo o que se passou desde o dia 7 de janeiro de 2011,
quando a CP anunciou, em
comunicado para a LUSA, o fim da ligação direta Beja-Lisboa e o novo
transbordo, a realizar em Casa Branca. A
partir de uma reunião pública realizada no dia 18 desse mês, na Biblioteca
Municipal, deu-se início a um
movimento cívico ímpar em Beja, que mobilizou, sob as mais diversas formas,
milhares de cidadãos, para
a defesa da continuação ligação ferroviária direta.
As mais
recentes notícias não auguram melhorias tão cedo. Deixando de lado o surreal
anúncio de uma linha de alta
velocidade que passará por Beja… em 2050 (sic), a eletrificação do troço
Beja-Casa Branca já vai na sua segunda versão,
com a conclusão das obras, inicialmente prevista para finais de 2027,
“atrasada” em mais um ano. Mas, como
recentemente foi título no jornal Público, “Ferrovia 2020 com menos de metade
do investimento
executado”, significando isto que, dos 24 troços com obras previstas neste
plano, apenas 6 estão concretizados,
num atraso de… quase 27 mil dias (“… equivalente a 76 anos …”). Isto significa
que eletrificação lá para finais
de 2028 poderá não passar de mais um sonho adiado.
Terceira
derrota: a A26, Sines-Beja, com ligação, em Grândola Sul, à A2, Lisboa-Algarve.
Tal como aconteceu com a conclusão
do IC27, também a A26 irá para o caixote do lixo, não faltando também nesta
história o seu momento
surreal, hilariante e criativo, quando um alto responsável político regional
afirmou, no rescaldo de uma reunião com o ministro Pedro Nuno Santos, que não
teremos para já a A26, mas sim “… uma semi-autoestrada (…)
o que é ótimo para nós …” (sic). Tal como no
anúncio da eletrificação, também da requalificação do IP8 (a que o autarca
atrás se referia) nãocomeçou da
melhor maneira: o concurso do troço da EN 259, entre a rotunda da Malhada Velha
e Ferreira do Alentejo já vai
na segunda versão, enquanto o concurso do troço da EN 121, entre Ferreira e
Beja ainda não foi lançado. Com o
primeiro a prever obras com a duração de 540 dias, talvez o “novo” IP8 (que,
abono da verdade, devia
rebatizado como IC) consiga estar concluído até final de 2026, quando terminar
o prazo do PRR, onde se
integra (se, por milagre, não houver derrapagens dos prazos). Entretanto, ao
lado desta “semi-autoestrada”, ficarão campos esventrados e uma verdadeira
“arqueologia rodoviária”,
onde não faltam obras de arte (no seu duplo significado), algumas delas
decoradas com ninhos de cegonha. Uma
verdadeira “arte na planície”, com milhões de euros deitados fora
(aproveitam-se as variantes de Figueira dos
Cavaleiros e Beringel, há muito aguardadas), em expropriações e obras
inacabadas ad aeternum. Para concluir,
como corolário destas “vitórias de Pirro”, fica a história fica a tragédia (ou
comédia?) dos 14 quilómetros da
A26 construídos entre a A2 e a nova rotunda com a EN 121, que estiveram mais de
dois anos por abrir, por
falta de portagens, perante o ensurdecedor silêncio de responsáveis políticos
regionais e, onde, mais uma vez,
tiveram de ser algumas iniciativas de cidadãos a pôr o dedo na ferida e a
denunciar tão absurdo atraso.
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14 de julho de 2013 |