Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Aritméticas eleitorais (É a Política, estúpido)

Na passada edição do Diário do Alentejo foi publicado um trabalho com o título “O fim dos “beringeleiros de Mombeja” (1), na sequência da aprovação de um decreto-lei em que é entregue a Beringel uma parte do território que pertencia à extinta freguesia vizinha.
Desde já, gostaria de referir que, à partida, quer esse projeto, quer um outro (de que falarei adiante e que foi igualmente aprovado), poderiam ter sido consensuais (e não o foram), dado que se limitam a corrigir situações que poderemos considerar de aberrantes e que vigoravam há muitos anos. Por outro lado, as opiniões que irei partilhar não são uma crítica a ninguém, nem aos autarcas de ambas as freguesias, nem aos deputados envolvidos no processo e que são citados no artigo, já que a sua ação teve como objetivo a defesa dos direitos dos cidadãos que os elegeram e isso não deve ser criticado. O processo que ocorreu não é único no País e basta uma consulta à página web da Assembleia da República, para encontrarmos outros idênticos.
Por exemplo, em dezembro de 2014 foi aprovada a “alteração os limites territoriais” de duas freguesias de Cantanhede e de outras duas de Vila Nova de Famalicão, em processos formalmente iguais aos que foram seguidos nas alterações verificadas em Beringel e Mombeja.
Só que as semelhanças ficam por aqui, já que, talvez no aspeto mais importantes, as duas iniciativas citadas foram bem diferentes das duas que ocorreram no concelho de Beja. Em ambas, todos os órgãos autárquicos envolvidos – juntas e assembleias de freguesia, câmaras e assembleias municipais – deram o seu parecer favorável, condição essencial até aqui para que a aprovação no parlamento se verificasse. Pelo contrário, por cá isso não aconteceu, e daí a “originalidade” e até o “pioneirismo” das propostas apresentadas pelos deputados do PS e aprovadas sem que tal consenso se verificasse (segundo o autarca de Beringel entrevistado, resultado da ação do deputado do PSD do distrito).
Assim, se analisarmos a documentação referente às duas iniciativas do concelho de Beja, o que verificamos? No projeto (420/XII) que retira território ao concelho de Ferreira do Alentejo e o integra no de Beja (cerca de cinco hectares, junto à aldeia de Mombeja, integrando, nomeadamente o campo de futebol desta localidade), todos os órgãos autárquicos do concelho “doador” se pronunciaram favoravelmente, nas duas consultas verificadas (antes e após as eleições locais de 2013, com freguesias separadas e mais tarde agregadas), aceitando a retirada de uma pequena parte da sua área.
No projeto (421/XII) que retira território a Mombeja e o integra em Beringel (cerca de cem hectares à volta da localidade, passou-se uma situação verdadeiramente insólita (tal como o problema que lhe deu origem). Sendo a proposta apresentada em maio de 2013, da freguesia “doadora” de território, apenas a respetiva assembleia se pronunciou (desfavoravelmente), já que a então Junta de Freguesia de Mombeja não emitiu qualquer parecer. Esta omissão verificou-se igualmente nos órgãos municipais – câmara e assembleia. Após as eleições de setembro de 2013, com as alterações verificadas (quer na composição dos órgãos, quer nas agregações de freguesias verificadas), o que aconteceu?  Se houve unanimidade no voto contra, da Junta e da Assembleia da União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja (o que pouco importou aos deputados da AR), continuou a verificar-se a omissão dos órgãos do Município de Beja, levando mesmo o deputado autor do parecer sobre este processo a escrever no mesmo: “ Apesar de plenamente cumprido o dever de consulta aos órgãos representativos do município de Beja, não foram recebidos até à data do presente parecer [ 9 de maio de 2014 ] , quaisquer pronúncias”. Quem quiser que tire as suas conclusões sobre esta omissão.
Analisando melhor este processo – e comparando-o com os outros dois atrás citados – podemos tirar também outras conclusões.
A primeira é a de que, como vem referido no trabalho do Diário do Alentejo, alguns dos pressupostos invocados no projeto 421/XII  não se verificavam, já que (como se pode inferir das opiniões dos habitantes de Beringel entrevistados), os residentes nas habitações situadas na freguesia vizinha há muito que tratavam os seus assuntos na freguesia onde efetivamente residiam e onde estavam recenseados e votavam. Logo, a aprovação desse projeto não foi mais do que a legalização de factos há muito consumados (e que levam até esses habitantes a desvalorizar a decisão parlamentar).
A segunda conclusão é a de que, neste processo, não se percebe bem a razão que levou a que esta regularização territorial (que incluía algumas habitações e o campo de futebol, entre outros), fosse muito além de uma área razoável ( 15, 20 hectares ?) e abrangesse (como se pode ver no mapa incluído no processo) cem hectares . Nem no projeto dos dois deputados, nem nas declarações do autarca de Beringel, se consegue perceber o porquê de tão vasta área retirada a Mombeja e incluída em Beringel. Ainda que o este último até reconheça que essa alteração poderá trazer “um acréscimo de 1500 a 2000 euros” à sua freguesia, penso que não terá sido esse o verdadeiro motivo.
Na alteração verificada no concelho de Famalicão, uma das freguesias ficou com cerca de 17 hectares que pertencia à outra e, na do concelho de Cantanhede, ainda que pela análise do processo não se consiga saber a área em causa (mas que mereceu a unanimidade de todos os envolvidos), há uma afirmação curiosa, que eventualmente até se poderia aplicar (caso fosse possível verificar esse aspeto) no caso de Beringel e de Mombeja : “Dado que se tratam de duas freguesias muito antigas, a freguesia de Murtede datada de 1836 e a freguesia de Ourentã de meados do séc. XIV, é de todo impossível encontrar cartografia que defina com precisão os limites entre as duas freguesias…”
Em terceiro lugar, julgo que só por lapso o Vítor Besugo terá proferido a frase “Santa Vitória sabia que bastava votar contra que isto não avançava…”.  Porque, se antes das eleições de 2013, Santa Vitória não era tida nem achada neste processo (quem tinha de se pronunciar eram os órgãos de Mombeja), após essas eleições (já com as duas freguesias agregadas), qualquer ação contrária da Junta e da Assembleia na nova União de Freguesias, não foi em nome de uma ou de outra localidade, ainda que, sejamos honestos, neste processo todo, quem fica a perder é mesmo Mombeja, já que o território de Santa Vitória não é minimamente beliscado. E, se em toda esta história rocambolesca, alguém deve ser elogiado, pela sua coerência e pela defesa dos direitos da freguesia a que preside, é Julieta Romão, a Presidente da União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja (e anterior presidente da primeira) que, de uma forma desassombrada (e até politicamente incorreta), descreve o processo e põe o dedo na ferida do mesmo, ao colocar as questões com que termina o trabalho do Diário do Alentejo.
A estas questões da Julieta, acrescento, para finalizar, duas outras : nas eleições de 2013, a freguesia de Beringel tinha 1264 eleitores inscritos, a União de Santa Vitória e Mombeja tinha 891 (dos quais cerca de 300 serão da anterior freguesia de Mombeja e os restantes de Santa Vitória); será que este processo se teria desenvolvido da mesma maneira, se Beringel tivesse 300 eleitores e Mombeja 1264? Ainda que a situação dos “beringeleiros” que viviam na freguesia de Mombeja tivesse mesmo de ser resolvida, será que, com estes números opostos  de eleitores, seriam retirados cem hectares a uma freguesia para serem entregues a outra, ou essa área seria bem menor?
Perguntas que ficam no ar, com duas certezas. A primeira é a de que, se casos como estes se passassem na terra das “Marias da Fonte”, talvez o seu desfecho não fosse tão pacífico como este é; a segunda é a de que, acima de tudo, vingaram neste processo as aritméticas eleitorais, que levam à inevitável conclusão : É a política, estúpido!
15 maio 2015







Beringel (foto Junta de Freguesia)
Mombeja (foto outeirodocirco.blogspot)