Na
passada edição do Diário do Alentejo foi publicado um trabalho com o título “O
fim dos “beringeleiros de Mombeja” (1), na sequência da aprovação de um decreto-lei
em que é entregue a Beringel uma parte do território que pertencia à extinta
freguesia vizinha.
Desde
já, gostaria de referir que, à partida, quer esse projeto, quer um outro (de
que falarei adiante e que foi igualmente aprovado), poderiam ter sido
consensuais (e não o foram), dado que se limitam a corrigir situações que
poderemos considerar de aberrantes e que vigoravam há muitos anos. Por outro
lado, as opiniões que irei partilhar não são uma crítica a ninguém, nem aos
autarcas de ambas as freguesias, nem aos deputados envolvidos no processo e que
são citados no artigo, já que a sua ação teve como objetivo a defesa dos
direitos dos cidadãos que os elegeram e isso não deve ser criticado. O processo
que ocorreu não é único no País e basta uma consulta à página web da Assembleia
da República, para encontrarmos outros idênticos.
Por
exemplo, em dezembro de 2014 foi aprovada a “alteração os limites territoriais”
de duas freguesias de Cantanhede e de outras duas de Vila Nova de Famalicão, em
processos formalmente iguais aos que foram seguidos nas alterações verificadas
em Beringel e Mombeja.
Só
que as semelhanças ficam por aqui, já que, talvez no aspeto mais importantes,
as duas iniciativas citadas foram bem diferentes das duas que ocorreram no
concelho de Beja. Em ambas, todos os órgãos autárquicos envolvidos –
juntas e assembleias de freguesia, câmaras e assembleias municipais – deram o
seu parecer favorável, condição essencial até aqui para que a aprovação no
parlamento se verificasse. Pelo contrário, por cá isso não aconteceu, e daí a
“originalidade” e até o “pioneirismo” das propostas apresentadas pelos
deputados do PS e aprovadas sem que tal consenso se verificasse (segundo o
autarca de Beringel entrevistado, resultado da ação do deputado do PSD do
distrito).
Assim,
se analisarmos a documentação referente às duas iniciativas do concelho de
Beja, o que verificamos? No projeto (420/XII) que retira território ao concelho
de Ferreira do Alentejo e o integra no de Beja (cerca de cinco hectares, junto
à aldeia de Mombeja, integrando, nomeadamente o campo de futebol desta
localidade), todos os órgãos autárquicos do concelho “doador” se pronunciaram
favoravelmente, nas duas consultas verificadas (antes e após as eleições locais
de 2013, com freguesias separadas e mais tarde agregadas), aceitando a retirada
de uma pequena parte da sua área.
No
projeto (421/XII) que retira território a Mombeja e o integra em Beringel
(cerca de cem hectares à volta da localidade, passou-se uma situação
verdadeiramente insólita (tal como o problema que lhe deu origem). Sendo a
proposta apresentada em maio de 2013, da freguesia “doadora” de território,
apenas a respetiva assembleia se pronunciou (desfavoravelmente), já que a então
Junta de Freguesia de Mombeja não emitiu qualquer parecer. Esta omissão
verificou-se igualmente nos órgãos municipais – câmara e assembleia. Após as
eleições de setembro de 2013, com as alterações verificadas (quer na composição
dos órgãos, quer nas agregações de freguesias verificadas), o que aconteceu? Se houve unanimidade no voto contra, da Junta
e da Assembleia da União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja (o que pouco
importou aos deputados da AR), continuou a verificar-se a omissão dos órgãos do
Município de Beja, levando mesmo o deputado autor do parecer sobre este
processo a escrever no mesmo: “ Apesar de plenamente cumprido o dever de
consulta aos órgãos representativos do município de Beja, não foram recebidos
até à data do presente parecer [ 9 de maio de 2014 ] , quaisquer pronúncias”.
Quem quiser que tire as suas conclusões sobre esta omissão.
Analisando
melhor este processo – e comparando-o com os outros dois atrás citados –
podemos tirar também outras conclusões.
A
primeira é a de que, como vem referido no trabalho do Diário do Alentejo,
alguns dos pressupostos invocados no projeto 421/XII não se verificavam, já que (como se pode
inferir das opiniões dos habitantes de Beringel entrevistados), os residentes
nas habitações situadas na freguesia vizinha há muito que tratavam os seus
assuntos na freguesia onde efetivamente residiam e onde estavam recenseados e
votavam. Logo, a aprovação desse projeto não foi mais do que a legalização de
factos há muito consumados (e que levam até esses habitantes a desvalorizar a
decisão parlamentar).
A
segunda conclusão é a de que, neste processo, não se percebe bem a razão que
levou a que esta regularização territorial (que incluía algumas habitações e o
campo de futebol, entre outros), fosse muito além de uma área razoável ( 15, 20
hectares ?) e abrangesse (como se pode ver no mapa incluído no processo) cem
hectares . Nem no projeto dos dois deputados, nem nas declarações do
autarca de Beringel, se consegue perceber o porquê de tão vasta área retirada a
Mombeja e incluída em Beringel. Ainda que o este último até reconheça que essa
alteração poderá trazer “um acréscimo de 1500 a 2000 euros” à sua freguesia,
penso que não terá sido esse o verdadeiro motivo.
Na
alteração verificada no concelho de Famalicão, uma das freguesias ficou com
cerca de 17 hectares que pertencia à outra e, na do concelho de Cantanhede,
ainda que pela análise do processo não se consiga saber a área em causa (mas
que mereceu a unanimidade de todos os envolvidos), há uma afirmação curiosa,
que eventualmente até se poderia aplicar (caso fosse possível verificar esse
aspeto) no caso de Beringel e de Mombeja : “Dado que se tratam de duas
freguesias muito antigas, a freguesia de Murtede datada de 1836 e a freguesia
de Ourentã de meados do séc. XIV, é de todo impossível encontrar cartografia
que defina com precisão os limites entre as duas freguesias…”
Em
terceiro lugar, julgo que só por lapso o Vítor Besugo terá proferido a frase
“Santa Vitória sabia que bastava votar contra que isto não avançava…”. Porque, se antes das eleições de 2013, Santa
Vitória não era tida nem achada neste processo (quem tinha de se pronunciar
eram os órgãos de Mombeja), após essas eleições (já com as duas freguesias
agregadas), qualquer ação contrária da Junta e da Assembleia na nova União de
Freguesias, não foi em nome de uma ou de outra localidade, ainda que, sejamos
honestos, neste processo todo, quem fica a perder é mesmo Mombeja, já que o
território de Santa Vitória não é minimamente beliscado. E, se em toda esta
história rocambolesca, alguém deve ser elogiado, pela sua coerência e pela
defesa dos direitos da freguesia a que preside, é Julieta Romão, a Presidente
da União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja (e anterior presidente da
primeira) que, de uma forma desassombrada (e até politicamente incorreta),
descreve o processo e põe o dedo na ferida do mesmo, ao colocar as questões com
que termina o trabalho do Diário do Alentejo.
A
estas questões da Julieta, acrescento, para finalizar, duas outras : nas
eleições de 2013, a freguesia de Beringel tinha 1264 eleitores inscritos, a
União de Santa Vitória e Mombeja tinha 891 (dos quais cerca de 300 serão da
anterior freguesia de Mombeja e os restantes de Santa Vitória); será que este
processo se teria desenvolvido da mesma maneira, se Beringel tivesse 300
eleitores e Mombeja 1264? Ainda que a situação dos “beringeleiros” que viviam
na freguesia de Mombeja tivesse mesmo de ser resolvida, será que, com estes números
opostos de eleitores, seriam retirados
cem hectares a uma freguesia para serem entregues a outra, ou essa área seria
bem menor?
Perguntas
que ficam no ar, com duas certezas. A primeira é a de que, se casos como estes
se passassem na terra das “Marias da Fonte”, talvez o seu desfecho não fosse
tão pacífico como este é; a segunda é a de que, acima de tudo, vingaram neste
processo as aritméticas eleitorais, que levam à inevitável conclusão : É a
política, estúpido!
15 maio 2015 |
Beringel (foto Junta de Freguesia) |
Mombeja (foto outeirodocirco.blogspot) |