Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Uma PPP para o Museu Regional de Beja?

Não, não estamos a falar naquelas PPPs de tão má memória, de Scuts e quejandas, em que os lucros vão para o privados e os prejuízos ( que nós e as gerações futuras teremos de pagar) caem sobre o público. Até porque, infelizmente, no sector cultural não é muito habitual o investimento ou o apoio mecenático das empresas privadas.
Quando falo de uma PPP para o Museu Regional de Beja, refiro-me a uma “parceria público-pública” que, enquanto proposta, visa apenas a resolução dos problemas que têm assolado este equipamento cultural ao longo dos anos. E que, na minha opinião, corrigirá uma situação de injustiça que se tem mantido e que poucas vezes tem sido aflorada.
Antes de mais, importa esclarecer que esta proposta assenta em duas premissas : a primeira é que, ao contrário do que por vezes alguns responsáveis políticos regionais afirmavam (embora esta tese hoje esteja praticamente posta de lado), o Museu Regional, não deverá ser transformado em museu nacional ; a segunda é que, ainda que a regionalização esteja (por agora) na gaveta, penso que este museu, bem como outros equipamentos culturais deverão integrar uma futura entidade política regional, a exemplo do que acontece bem aqui ao lado, na Extremadura ou na Andaluzia.
Até porque, tal como está previsto na Constituição, o fim dos distritos (e das assembleias distritais), que está a decorrer, deveria acontecer na sequência da criação das Regiões Administrativas. Ora, além desta criação estar nas calendas gregas, não são as NUTs nem as CIMs que vão substituir esta importante reforma na organização política do nosso País.
Voltando atrás, a situação de injustiça a que me referia tem a ver com o facto de, contrariamente aos museus nacionais (onde se incluem os da maioria das capitais de distrito), financiados pelo orçamento do estado, o Museu de Beja, tem sido suportdo exclusivamente pelos orçamentos dos municípios do distrito (nomeadamente por Beja, o que é compreensível, mas que o anterior executivo municipal parece não ter compreendido, agravando os problemas existentes, quer ao nível do pagamento de salários, quer na manutenção do próprio edifício, o que está bem à vista de todos).
Esse financiamento nacional, para além do normal funcionamento, também se verifica nas grandes obras de recuperação (financiadas por fundos comunitários com alguns milhões de euros) que foram levadas a cabo, nomeadamente no Grão Vasco, em Viseu, no Machado de Castro, em Coimbra, ou no de Évora, todos eles intervencionados com projectos  de grandes arquitectos nacionais (Souto de Moura, Gonçalo Byrne e Raul Hestnes Ferreira, respectivamente). Para não falarmos, é claro, na faraónica e dispensável construção do novo edifício para o Museu dos Coches, em Lisboa (cerca de 31 milhões de euros).  Ora, todos sabemos que a contrapartida nacional de um projecto desse tipo no Museu de Beja teria, mais uma vez de ser suportada pelos parcos cofres municipais, o que, à partida, inviabiliza qualquer grande investimento que aí se pense realizar (e que bem necessário seria).
É por tudo isto que, na minha opinião, de modo a reparar a injustiça atrás referida, se justifica uma parceria entre entidades públicas que, com base num contrato-programa, viabilize o futuro do Museu Regional de Beja. Um contrato a médio-longo prazo (10/20 anos), que contemple o financiamento tripartido deste equipamento, pelo Estado, pelo Município de Beja e pelos restantes municípios que constituem a Assembleia Distrital, estes, obviamente, em valores percentualmente mais reduzidos que os dos outros dois parceiros. Esta solução implicaria a gestão pela autarquia bejense, através de um contrato de comodato estabelecido com os restantes municípios e, naturalmente, a passagem para os seus quadros do pessoal do museu, por meio de um mecanismo legal que ultrapasse os condicionalismos legais actualmente em vigor e que vão em sentido contrário, ou seja, a redução de pessoal.
Esta PPP deverá contemplar, igualmente, outros dois pontos: por um lado, a inclusão no contrato-programa da realização regular de obras de manutenção e de melhoria das condições expositivas das coleções do museu (em eventuais candidaturas a fundos comunitários, também) e, por outro, a garantia de que, no momento de uma eventual regionalização, este equipamento e respectivo pessoal passam para a gestão da futura entidade política a criar.
Este é apenas um contributo de um cidadão interessado em ver solucionado os problemas que têm afectado sistematicamente um importante monumento do nosso património regional e nacional, as suas magníficas coleções de pintura, o espólio dos trabalhos de Abel Viana ou de Fernando Nunes Ribeiro, o raro núcleo visigótico, bem como a estabilidade profissional dos seus funcionários. Em nome, também, da memória viva de Mariana Alcoforado, a Freira de Beja, que tantas páginas tem inspirado, divulgando a cidade e a região.
Têm a palavra, então, a Assembleia Distrital, a Câmara Municipal de Beja, a Direção Regional da Cultura do Alentejo, a Direção Geral do Património Cultural, a Secretaria de Estado da Cultura. Que se sentem à mesa e discutam esta ou outras propostas, em nome da Cultura, em nome da justiça, da não discriminação de cidades ou regiões, e da solidariedade nacional.
Duas notas finais. A primeira é a de que se elabore uma parceria idêntica para “salvar” Pisões, incluindo, por motivos óbvios, a EDIA no lugar da Assembleia Distrital. Para que, também nas estações arqueológicas, essa importante villa romana não continue a ser o parente pobre, ao lado de São Cucufate ou de Miróbriga, já para não falar de Conímbriga, todas elas sob a tutela do poder central.

A segunda nota é a de que, sem quaisquer fundamentalismos provincianos anti-Évora (que não tenho, antes pelo contrário), registo a recente notícia de se estar a preparar um novo projecto cultural para o Convento de São Bento de Cástris, onde esteve prevista a instalação do Museu da Música, projecto esse que resultará da parceria entre a CM Évora, a DR Cultura, a SEC e a CCDR Alentejo. Positivo, sem dúvida, e que reforça ainda mais o sentido da proposta desta parceria para “salvar” o Museu de Beja. Vamos a isto?
18 Abril    





Foto : http://www.museuregionaldebeja.pt/

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Confesso que vivi (3) - os primeiros comícios e sessões de esclarecimento

PCP - 1 de junho de 1974 :


"AO POVO DA REGIÃO DE BEJA... na Praça de Touros... o primeiro comício do Partido na cidade... que seja uma afirmação de força e da unidade combativa da classe operária e de todos os trabalhadores, na luta pela consolidação das liberdades democráticas, pelo reforço da aliança do movimento popular de massas com o Movimento das Forças Armadas, pelo fim da guerra e independência dos Povos das Colónias, pelo aprofundamento das conquistas populares."

PSP - 13 de junho de 1974 :


"Tendo em vista a necessidade de politização da população do Baixo-Alentejo... realiza-se... no Estádio Municipal, uma sessão de esclarecimento, para a qual se deslocam expressamente a Beja os socialistas... e outros valiosos elementos do Partido Socialista Português... POR UM PORTUGAL MELHOR... POR UM PORTUGAL SOCIALISTA"

PCP - 2 de agosto de 1974


"Aproveitar-se-á também esta sessão para vitoriar o fim da guerra colonial, e para discutir os problemas dos trabalhadores agrícolas e dos pequenos agricultores"



quarta-feira, 9 de abril de 2014

Confesso que vivi (2) - O 1º de Maio do nosso contentamento

O Diário de Notícias está a publicar, em papel e online, depoimentos de pessoas de várias áreas, inspirando-se nas entrevistas que Baptista-Bastos fez há uns anos, sob o tema "Onde é que você estava no 25 de Abril?
"Moço do meu tempo" (nascemos ambos em 1958), o cineasta e professor universitário João Mário Grilo também respondeu às questões do jornal ( http://25abril40anos.dn.pt/2014/03/29/viver-uma-revolucao-na-adolescencia-foi-um-luxo/#more-257 ) onde afirmou, nomeadamente, que "viver uma revolução foi um luxo".
Pode ser apenas uma questão semântica mas, para mim, que também vivi essa mesma revolução na adolescência, acho que, mais do que um luxo foi acima de tudo, um privilégio, ter assistido, vivido, participado nesses dias, meses e anos que mudaram a vida do nosso País, "orgulhosamente só", por acção de uma ditadura que já durara tempo demais.
E, se o dia 25 de Abril e os seguintes foram apenas o início, o primeiro 1º de Maio em democracia foi a explosão, a festa, a luta, o grito até então preso nas gargantas, mas não nas vontades.

Beja :


"O regime salazarista morreu ... Somos Livres ... A PIDE-DGS está presa ...  Acabou-se o MEDO...
Vamos para a rua UNIDOS, festejar o 1º de Maio (Dia Mundial do Trabalhador)

Este documento era assinado por Os jovens do Movimento Democrático (CDE) de Beja


Lisboa : 

     

" Unidade dos trabalhadores. Unidade do povo. Unidade de comunistas, socialistas, católicos, liberais ( a frente unitária que vem do tempo da ditadura ), unidade de todos sem excepção que, nesta hora decisiva para o futuro de Portugal, querem lutar para consolidar os resultados históricos alcançados com o movimento do 25 de Abril e nos seis dias então decorridos. "

Confesso que vivi (1) - O dia inicial, inteiro e limpo

PCP - 25 de Abril de 1974 ( este documento ainda foi impresso no suave papel que dava vida ao Avante clandestino) :

"Às massas populares, ao Povo Português, cabe tomar bem nas suas mãos o seu destino e libertando-se para sempre dos seus inimigos - o fascismo, o colonialismo, o imperialismo - abrir caminho para uma vida diferente"

PRP  - 25 de Abril de 1974 : 

  

"Mas [o povo] terá de compreender que a exploração continua, que a burguesia se mantêm no poder e que os trabalhadores nada têm a ver com a revolta nem com o novo regime"

Movimento CDE de Lisboa - 26 de Abril de 1974 


" Manifestemos e exprimamos por todas as formas nas ruas a nossa alegria por esta primeira grande vitória. O caminho da liberdade é hoje o caminho da rua"




Confesso que vivi


Não, não vou falar do livro autobiográfico de Neruda, o poeta-mártir, morto pela doença e pelo desgosto, que partiu pouco depois de Allende, o presidente-mártir, que caíu no seu posto em La Moneda, ambos acompanhados por Jara, o cantor-mártir, torturado e assassinado no estádio. Por todos eles, heróis da minha juventude, me emocionei ao ver poucos anos após o golpe traidor, o filme Chove em Santiago ( http://www.imdb.com/title/tt0073149/ ) .
Falarei sim, dos dias, dos meses e dos anos que vivi e que abalaram o meu mundo de tal forma, que os seus sons ainda hoje ecoam na minha vida. Confesso, sim, que vivi uma revolução que me apanhou pouco depois de fazer dezasseis anos e cuja memória não quero, não devo, não ouso apagar e, muito menos, renegar.
Foram dias em que a velocidade dos acontecimentos superou a vontade dos homens, em que a vertigem da mudança ultrapassava qualquer razão. Eram os dias do PREC (processo revolucionário em curso), expressão tão amada e tão odiada, e  mais tarde deturpada, sobretudo por aqueles que a renegaram, trocando os slogans e impulsos revolucionários pelas "zonas de conforto" dos gabinetes do poder.
Ficaram os episódios, desde a primeira hora, como a prisão dos pides ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=1658 ) ou "o regresso do herói" ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=1631 ), até ao encontro com pessoas que me marcaram, como o João ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=5220 ) . Ficou o sonho da vitória próxima ( http://expresso.sapo.pt/16-de-novembro-de-1975-o-terreiro-do-paco-ao-rubro=f615564 ) rapidamente transformado no pesadelo de uma triste madrugada ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=1746 ).
Mas acima de tudo, ficou a vontade de transformar uma realidade que nos rodeava e que a nossa consciência começara a interiorizar : uma guerra injusta que nos devolvia amigos amputados, uma emigração que nos levava os companheiros da rua, uma sociedade desigual que não deixava colegas da escola prosseguir os seus estudos , um regime político castrador da liberdade e da criatividade.
Não éramos ambiciosos como os protagonistas do maio de 68 que exigiam o "impossível", queríamos apenas um outro amanhã, porventura aquele que era cantado em outras latitudes e que nos chegava em livros, em filmes, em canções ( https://www.youtube.com/watch?v=-Nldfb43_Q0 ). E que esteve perto, trazendo consigo a promessa da mudança para novos dias ( http://www.25deabril.lusa.sapo.pt/santa-vitoria-na-vanguarda-da-reforma-agraria-2/ ).
De todos esses sonhos, de todos esses dias, guardo a memória, mas também as palavras, deixadas no papel que inundava as nossas ruas e praças. O "bichinho" da História fez nascer um pequeno arquivo documental, que guardo desde esses dias e que, a partir de hoje irei partilhar aqui diariamente, como forma também de comemorar estes quarenta anos de Liberdade. 
Um dia destes entregarei esse arquivo a quem dele melhor cuide e até para ser utilizado como ferramenta para o estudo e divulgação destas quatro décadas: ao Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra.