Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Museu Jorge Vieira


   



Há um ano foi reabriu o Museu Jorge Vieira, depois de muitos meses fechado, devido às condições precárias em que se encontrava, na Rua do Touro. Uns meses antes, sem saber que isso iria acontecer, escrevi nas páginas do Diário do Alentejo um artigo cujo título era apenas “Jorge Vieira” (29 de março de 2019). Nele, para além de uma pequena resenha histórica, vincava a necessidade da reabertura do museu, apontando, inclusivamente, alguns dos possíveis locais.

Dias depois, tive conhecimento da reabertura (provisória, foi-me dito) na Casa do Governador, no castelo. No dia 1 de setembro estive presente nessa reabertura, noticiada na imprensa local como tendo esse caráter provisório. O que se justificava, de resto, tendo em conta a exiguidade do espaço que apenas permite apresentar uma pequena parte do espólio doado ao município pelo consagrado artista.

Todavia, com o decorrer do tempo, algumas declarações do Presidente da Câmara, realçando o número de visitantes ao novo espaço e a sinalética implantada na entrada principal do castelo, prenunciam, em minha opinião (que até poderá não estar certa), que o atual executivo municipal estará satisfeito com a solução encontrada, que poderá passar de provisória a definitiva.

Isto poderá apenas ser uma conjetura e, ao invés, o museu será mesmo instalado num espaço mais amplo (Centro de Arqueologia e Artes, na Praça da República ?), que permita, não só a exposição de um maior número de obras do seu acervo, mas também a realização de um conjunto de atividades que referi no meu artigo de março de 2019:  “… para a realização de exposições temporárias, para o acolhimento de criadores (não só desta área) para residências artísticas, para a promoção de oficinas e ateliers e para a criação de um espaço para a exposição de obras de artistas locais…“ Este último aspeto, cada vez mais importante, foi, de resto, realçado por Jorge Serafim na última edição do Diário do Alentejo : “ Temos belíssimos artistas plásticos e fotógrafos, nascidos nesta terra, que não têm, aqui, um sítio para expor, perdendo-se assim a possibilidade de fortalecerem a relação umbilical com a cidade que os viu nascer “.

Reduzir este museu (como qualquer outro) à simples apresentação de uma coleção de obras de arte, por muito importante que seja, é redutor e não expressa de forma correta o que deve ser “…um bom projeto museográfico [que recupere] a memória e a obra de Jorge Vieira… “, tal como aconteceu durante muitos anos, desde a sua abertura em maio de 1995 (um ano depois da inauguração do Monumento ao Prisioneiro Político).




Parte do trabalho realizado desde essa altura encontra-se, aliás, bem retratado na excelente publicação da autarquia bejense publicada por ocasião do décimo aniversário do museu (1995-2005 Arte Contemporânea na Cidade de Beja). Nela encontram-se, não só as muitas exposições individuais e coletivas de artistas nacionais e locais, como as diversas atividades paralelas realizadas no âmbito do trabalho realizado pelo museu: conferências, apresentação de livros, sessões de poesia, ateliers, workshops, parcerias com instituições regionais e nacionais, para além do merecido destaque dado à Galeria Aberta (concurso iniciado no final da década de 90 do século, incluído no projeto artístico desenvolvido por Jorge Castanho, inexplicavelmente extinto após dezoito edições).

Esta é a real discussão que deverá existir acerca do futuro deste emblemático equipamento, que tem um importante lugar no chamado turismo cultural que se quer cada vez mais pujante na cidade e no concelho: criar as condições para que se afirme como um verdadeiro museu, com todas as valências associadas, com uma importante componente formativa e educativa que promova a chamada literacia em artes, integrado em redes de museus locais e regionais, que seja referenciado a nível nacional, ou manter os atuais figurino e local, com base numa base meramente quantitativa (o número de visitantes, que resulta, sobretudo do local onde está instalado)?

Não sei se esta discussão terá ou não lugar. Por outro lado, como escrevi há um ano e meio, desconheço as intenções do executivo municipal mas, se a decisão passar por transformar o alegadamente provisório em irreversível definitivo, então faço desde já uma sugestão : que, em vez de Museu Jorge Vieira, se use Mostra das Obras ou Exposição Permanente das Obras de Jorge Vieira, na verdade o que neste momento existe.


4 setembro 2020


 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Estátuas (2) : O que fazer com estas estátuas?


                                                                        O Bandeirante - Praça António Tavares - Beja
                                                                                        Foto : blogue Beja Hoje
Voltando a Raposo Tavares, o Diário do Alentejo abordou, na sua última edição, a questão da destruição de estátuas em vários países, na sequência do brutal assassinato de George Floyd. Não adiantarei nada, quer ao artigo de Carlos Pereira, que narrou alguns dos acontecimentos que têm ocorrido em vários países, quer à análise de Santiago Macias, com a qual estou, globalmente, de acordo.
Ninguém pode negar as políticas colonialistas dos “vencedores”, às quais estão associadas violentas práticas esclavagistas e racistas. Mas não se pense que agora, em pleno século XXI, são os “ajustes de contas” com estátuas de confederados ou de bandeirantes que podem mudar mentalidades. Pelo contrário, no limite, alguns desses atos dão argumentos a personagens que cultivam o racismo, como Trump ou Bolsonaro.
Por exemplo, ainda que Raposo Tavares seja responsável por práticas de extrema violência sobre os índios brasileiros, seria difícil para muitas gerações de habitantes de Beja (e da região) assistir à retirada da sua estátua, não só pela sua imponência, mas porque se habituaram à sua presença naquele local há mais de 50 anos. Eu próprio, quando vim estudar para Beja aos 10 anos, habituei-me a conviver diariamente com aquela estátua, já que por aí passava quando ia para a gare rodoviária apanhar o autocarro para a aldeia.


António Raposo Tavares - 1922 - Regimento Raposo Tavares (Osasco - São Paulo)

                                                                António Raposo Tavares - 1922 
                                                        Museu do Ipiranga (Museu Paulista da Universidade de São Paulo).


Refira-se, por sinal, o aceso debate que tem ocorrido no Brasil, acerca de um abaixo-assinado que visa a remoção da estátua de outro bandeirante, Borba Gato, num bairro de São Paulo. De resto, já em 2016 essa estátua e um outro gigantesco conjunto escultórico dedicado aos bandeirantes, também nessa cidade, foram alvo de pichagens. 

                                                              Bandeirante Borba Gato - Santo Amaro (São Paulo) - 1963
Santiago Macias tem razão quando escreve que “… é preferível a contextualização à destruição, a pedagogia à negação. Porque a outra tentação, a do apagamento, é claramente perigosa “. Só que, para que essa pedagogia tenha lugar, não é possível continuar a desvalorizar-se o ensino da História, nomeadamente no 3º Ciclo do Ensino Básico, diminuindo as horas atribuídas a essa disciplina, num programa que vai da Pré-História à atualidade. Comparando com o que acontecia há cerca de 20 anos, são muitas horas a menos em cada um dos três anos desse ciclo, levando os professores a terem de optar por “sacrificar” algumas matérias ou chegar ao fim do 9º Ano na 2ª Guerra Mundial. Escolha sempre difícil, diga-se. Como explicar, assim, aos alunos, problemáticas como aquelas que rodeiam o bandeirante, em cuja estátua alguns vão festejar as vitórias dos seus clubes? Ou comparar a ditadura com a democracia trazida pelo 25 de Abril?
No Ensino Secundário, então, nem se fala. Apenas para os alunos de Humanidades e alguns (poucos) de Economia, onde a História é obrigatória ou opção, respetivamente. Há três anos, num debate onde estava o secretário de estado João Costa, coloquei-lhe a questão do conhecimento histórico para todos os alunos do Secundário (tema de que se falou algum tempo depois, mas que rapidamente se esqueceu). A resposta do governante foi que essa questão fora colocada por razões corporativas, que visava a atribuição de mais horas à disciplina, criando mais lugares para os respetivos docentes. Sem comentários.
Por coincidência, na véspera da saída do Diário do Alentejo que abordou o tema, a revista Sábado trazia um interessante artigo intitulado “O museu que guarda estátuas incómodas”. Nela, Urte Evert, a diretora desse museu afirma: “Os problemas da História que moldaram o presente não desaparecem com a remoção dos símbolos. Por vezes retiram-se os símbolos para não se lidar com os problemas reais, racismo, misoginia, antissemitismo (…) fazer do terrível passado objeto de discussão e criarmos um presente e futuro melhores”.

17 junho 2020 (2ª parte)









Estátuas (1) : Que es esto?

Foto : http://bejayarrabaldes.blogspot.com/
Foto : https://www.vhils.com/map/beja-portugal/






A pergunta foi feita há cerca de um ano, no largo da Pousada, por um casal de turistas espanhóis. Referiam-se ao Monumento ao Preso Político, de Jorge Vieira, que se encontra nesse local. Expliquei-lhes um pouco da história da escultura, bem como do seu autor. Pessoas interessadas, ficaram com pena de não poder aceder ao museu, na altura encerrado, prometendo voltar um dia.
Situações idênticas já tinham ocorrido outras vezes. Ao atravessar o Jardim Público, um casal de franceses com uma filha pequena pediu-me para lhes tirar uma foto junto à estátua do Lidador, aproveitando para me questionar quem era esse “guerrier”, tendo eu narrado um pouco da lenda de Gonçalo Mendes da Maia. Noutra altura foi um casal de brasileiros, paulistas, que não percebia o porquê de uma estátua e praça com o nome de Raposo Tavares (nome de uma importante rodovia que se inicia em São Paulo), para além da Avenida do Brasil. Para aumentar a “confusão” indiquei-lhes a rua com o nome da sua cidade e falei-lhes ainda do senador do seu estado (José Hermínio de Moraes) que presidiu à comissão que em 1966 ofereceu a estátua a Beja e que também tem uma rua com o seu nome ali bem perto. Pessoas cultas e informadas, não sabiam que Raposo Tavares era natural do distrito (e não da cidade) de Beja, mas tinham uma opinião bem formada e consistente sobre o papel desse e de outros bandeirantes na história do Brasil (para bem e para o mal).
Estas três pequenas histórias vêm a propósito de uma situação que há muito tempo existe e que poderia ser resolvida (ou atenuada) com algum investimento municipal. Trata-se da identificação da arte pública existente em Beja, das mais diversas épocas e géneros, como as atrás referidas, ou outras: esculturas de João Cutileiro no jardim do tribunal e de Noémia Cruz no Largo de São João, painéis de azulejos do Jardim Público (recentemente restaurado) e no Núcleo Museológico do Sembrano (de Rogério Ribeiro), obras de Vhils e de Bordalo II. Ou ainda identificar as obras de arte que se situam nas rotundas das entradas da cidade, a exemplo do que existe em outras localidades, como em Tavira. E assim, muitos dos visitantes ficariam a saber que numa dessas rotundas existe uma escultura do citado (e consagrado) Jorge Vieira.
Esta informação completaria a que há pouco tempo foi implantada, com a colocação de 23 totens em locais públicos da cidade, mesmo que não seguisse os mesmos estilo, design e materiais. Hoje, para um visitante, nacional ou estrangeiro, praticante do chamado “turismo cultural”, bastaria uma referência à obra e ao autor, em painéis adequados, com a indicação do site (eventualmente da própria autarquia), onde se poderia pesquisar informação mais detalhada, para poder completar os elementos biográficos e artísticos constantes nesses painéis.
Deste modo, os turistas brasileiros de que atrás falei poderiam, quando regressassem ao seu país, pesquisar a razão da existência em Beja de uma estátua de Raposo Tavares, nascido em São Miguel do Pinheiro e falecido em São Paulo, cidade onde viviam.
Foto : https://www.allaboutportugal.pt/en/



  
17 julho (1ª parte)


sexta-feira, 3 de abril de 2020

Cultura

As Troianas

Eurípedes.
Em 1998 a Escola da Noite, companhia de Coimbra, apresentou na Casa da Cultura a peça As Troianas, um clássico do teatro grego do século V a.C. Nela, Eurípedes narra o destino trágico das mulheres de Tróia, após a derrota na guerra com os gregos. Uma peça muito dura, pesada, quer para o público que assistiu (e que encheu o auditório interior), quer para os atores que lhe deram corpo. De tal forma, que a própria companhia escrevia na folha de sala: “É tal a extensão do drama de Eurípides, uma das tragédias mais lancinantes do teatro grego, que o nosso trabalho durante os ensaios se tornou, por vezes, quase insuportável“.
Pois bem, mesmo com este “desabafo”, no final da peça, atores e restantes membros da companhia estavam radiantes com a forma como a mesma tinha corrido: um público silencioso, atento, concentrado, que no final brindou os intervenientes com uma prolongada salva de palmas. Qual a razão para esta satisfação da companhia? Estavam numa digressão patrocinada pela Secretaria de Estado da Cultura e, em vários locais, tinha havido um perturbador corrupio de entradas e saídas nas salas, prejudicando o trabalho dos atores e a atenção do público realmente interessado.
Em Beja isso não aconteceu, por dois motivos (para além do interesse de quem se deslocou para assistir) : porque se respeitou a indicação de fechar a porta logo que a peça teve início e porque o BEJARTE assentava na política da entrada paga (algo raro nessa altura, em iniciativas autárquicas) o que, de certa maneira, garantia que quem pagava o seu bilhete (na altura 500 escudos) era com a finalidade de assistir a algo que desejava.
Essa peça integrava-se num programa criado um ano antes pela Câmara Municipal, designado BEJARTE e que tinha dois objetivos essenciais, preparar os trabalhadores da autarquia para a futura reabertura do Pax Julia e criar e formar públicos nas várias áreas (música, teatro e dança), através da apresentação regular de espetáculos em locais tão diversos como a Casa da Cultura, o auditório do Instituto Politécnico, a Pousada de São Francisco ou o Museu Regional. Vários foram os artistas e companhias que se apresentaram entre 1997 e 2005: Cristina Branco, Companhia Paulo Ribeiro (dança) ou Companhia de Teatro de Braga, só para citar alguns. O último espetáculo deste programa teve como protagonista Aldina Duarte, na Casa da Cultura, no dia 17 de Março de 2005, três meses antes do Pax Julia reabrir.
Músicas de Sol e Lua
Sol e Lua.
No dia 17 de junho de 2005, no meio de algumas peripécias de última hora (que, quem sabe, prenunciavam o excelente trabalho viria a ter lugar nos anos futuros), o PAX JULIA Teatro Municipal iniciou a terceira fase da sua já longa vida. Sérgio Godinho, Vitorino, Rão Kyao, Janita Salomé e Filipa Pais, acompanhados por alguns músicos, interpretavam, a solo, duo, trio ou em quinteto, alguns dos mais importantes temas da música popular portuguesa. Sendo todos eles virtuosos artistas, difícil foi destacar algumas das várias interpretações, mas uma das que mais cativou o público que enchia a sala foi o “Brilhozinho nos Olhos”, cantado a solo por Sérgio Godinho. O mesmo que, em contrapartida, na última canção, interpretada pelos cinco, que homenageava José Afonso, teve alguns lapsos, enganando-se na letra da mesma.
No final do espetáculo, num hábito que mantive ao longo dos anos em que dirigi o Pax Julia, fui ter com os artistas aos bastidores e encontrei um ambiente que misturava um certo constrangimento do grupo com uma irritação bem audível, do Vitorino para com o Sérgio, pelo que acontecera momentos antes. Embora tentasse pôr um pouco de água na fervura, não me foi difícil perceber a razão dos lapsos ocorridos, que estava bem à vista.
Volver
Almodovar.
Uma das vertentes da programação do Pax Julia nesta “terceira vida” foi (e continua a ser) o cinema, não na sua vertente comercial (ainda que esta seja muito limitada em Beja), mas procurando apresentar filmes de qualidade, muitos deles fora dos circuitos habituais, logo dificilmente aqui apresentados. Assim, foram programados, por exemplo, ciclos temáticos ou de autor (à terça-feira), complementados com filmes mais comerciais à sexta (quando possível).
Dezembro de 2006 foi dedicado a Pedro Almodovar, com a apresentação dos seus três últimos filmes, Fala com Ela (2002), Má Educação (2004) e Volver (2006). Foi quando estava a preparar este ciclo que tive uma ideia (que, à partida, estaria condenada ao fracasso): convidar o realizador para se deslocar a Beja aquando desta iniciativa. Uma carta algo romantizada, sobre Beja e o Pax Julia, lá seguiu para El Deseo, a produtora dos filmes de Almodovar, sem qualquer expetativa de a mesma ter sequer resposta.
Eis senão quando, passados alguns dias, é recebida uma simpática missiva, assinada por Agustin, irmão de Pedro e produtor dos seus filmes, na qual agradecia o convite, que deixou o realizador sensibilizado, mas que não poderia aceitar, dado que nessa altura estaria no estrangeiro devido a compromissos anteriormente assumidos.
Uma coisa em forma de assim
Bernardo e os coreógrafos
Bernardo.
De entre os muitos artistas que conheci no Pax Julia, um dos que mais me marcou foi Bernardo Sasseti. Aqui atuou três vezes : em maio de 2008, a solo, no âmbito do InJazz, um festival descentralizado por várias localidades; em fevereiro de 2011 com o trio que tinha o seu nome, onde era acompanhado por outros dois excelentes músicos, o Carlos Barreto e o Alexandre Frazão; finalmente, em junho de 2011, interpretando as músicas que compusera para o espetáculo “Uma coisa em forma de assim”, da Companhia Nacional de Bailado (por sinal, o último que programei para o Pax Julia).
No final do espetáculo, embora já não trabalhasse aqui, fui ter com ele e estivemos a conversar no palco durante algum tempo. Foi aí que o Bernardo disse algo que me deixou atónito e satisfeito (e aos técnicos do teatro que assistiam à conversa): que gostava muito de atuar no Pax Julia, onde era sempre bem acolhido, pelos profissionais e pelo público, tendo este uma postura de atenção, respeito e afeto que lhe agradava, e que, graças a isso e às excelentes condições acústicas do espaço, talvez um dia viesse aqui gravar um disco a solo.
Não sei se, com tantos projetos em que estava sempre envolvido, o Bernardo se iria lembrar dessas palavras e se o tal disco não passaria apenas de mais um momento de entusiasmo tão próprio dele. Mas, quase um ano depois desta nossa conversa, chegaria pela tv a notícia, cruel e estúpida da sua morte. O Bernardo não gravaria mais, nem esse nem outros discos, não viria uma quarta vez ao Pax, não encantaria os bejenses com os acordes que saíam, qual passe de magia, das suas mãos únicas.
     
Todas as Vidas num Palco - Uma placa para a História
Estas foram apenas quatro das histórias que marcaram quase quinze anos de trabalho na área da Cultura na CM Beja e, em particular, dos cinco anos e meio no Pax Julia. Em tempos conturbados como os que estamos a viver, achei que o seu relato seria a melhor homenagem que poderia fazer aos excelentes e dedicados profissionais com quem trabalhei e aos muitos artistas (locais e nacionais) que resistiram ao longo dos anos e que estão hoje em dia numa fase delicada, do ponto de vista profissional e pessoal.


3 abril 2020

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Teruel

Automotora Beja-Casa Branca

Comboio Madrid-Galiza (Alvia Série 730/Híbrido)
Seja porque são os nossos únicos “vizinhos”, pelas afinidades linguísticas, por uma História que, ao longo de séculos, se cruzou com a nossa, pelo flamengo, por Garcia Lorca ou Patxi Andion, ou pelo acesso aos inúmeros canais de tv, nacionais e regionais, interessamo-nos por aquilo que se passa aqui ao lado, pelas aventuras e desventuras dos “nuestros hermanos”.
Entre outros temas, os últimos meses foram marcados, a nível político, pelas dificuldades em formar governo, que levaram, mais uma vez, a eleições, no dia 10 de novembro (ou 10N, como são batizadas pelos media).
Em dois aspetos principais se diferenciam das que se realizam no nosso país: porque é um sistema bicameral – o Congresso e o Senado – e pelo largo espetro de partidos nacionalistas/independentistas, fruto da própria natureza no estado espanhol e das suas idiossincrasias.
No entanto, ao analisar o 10N, um facto me chamou a atenção: os resultados obtidos por um movimento de cidadãos (autorizados em Espanha, ao contrário de Portugal) designado por Teruel Existe.
A curiosidade (e a novidade) levou-me a pesquisar um pouco mais sobre o tema. Em Teruel, município com cerca de 36 mil habitantes, capital da província com o mesmo nome (133 mil hab.), uma das três que formam a comunidade autónoma de Aragão (1300 mil hab.), nasceu em 1999 “… un movimiento ciudadano que ha aglutinado a todos los sectores, desde la CNT hasta asociaciones vinculadas al Opus Dei …”, que visava lutar contra “… la situación de abandono histórico …" (El País, 20 dez 1999) a que os teruelenses se sentiam votados. Lutavam, entre outros motivos, por “ Un transporte ferroviario de calidad, seguro y rápido; unas comunicaciones por carretera propias del s. XXI; una asistencia eficaz a la emergencia y al transporte sanitario; planes que mantengan el empleo en la provincia y que impidan su despoblación progresiva por falta de futuro “.
Foram vinte anos de uma intensa mobilização cidadã, relatados página web do movimento ( https://teruelexiste.info/teruel-existe/ )e que culminaram na decisão de concorrer às eleições gerais de novembro do ano passado, para levar essas reivindicações ao poder político nacional.
E a resposta dos eleitores da província não podia ter sido mais clara: um dos três deputados (primeiro lugar com 26,7% dos votos) e dois dos quatro senadores; no município o resultado para o Congresso foi ainda mais expressivo: 42,57% dos 20 mil votantes (74% dos eleitores inscritos). Uma resposta clara dos cidadãos, não obstante os obstáculos colocados, como afirmava o seu porta-voz: “Os partidos tradicionais reagiram com animosidade, ‘mesmo com ataques pessoais’ (Expresso, 15 de dezembro).
Não é objetivo deste texto fazer comparações entre esse movimento e o que nasceu em Beja, em 2011, nomeadamente pela inexistência de quaisquer pretensões político-eleitorais deste último. Há, no entanto, semelhanças evidentes, como a luta por melhores acessibilidades rodoviárias e ferroviárias e, como já escrevi aqui (12.7.2019), a desconfiança e até a hostilidade, por parte de partidos e agentes políticos locais e regionais, manifestadas ao longo dos anos.
Estas posições são, acima de tudo, injustas, perante a disponibilidade de um conjunto de cidadãos para reverter decisões que penalizam quem vive na sua terra e na sua região. Não fora a mobilização verificada logo em janeiro de 2011 e o fim das ligações ferroviárias diretas a Lisboa teria sido um facto consumado e esquecido e, pior que isso, estaria em risco a própria existência da ferrovia em Beja, face à degradação contínua dos serviços da CP.
Por isso, só por puro sectarismo político-partidário é que define essa mobilização como “alarido”, “gritaria” ou “contestação fácil e populista”, ignorando quem profere tais afirmações as inúmeras reuniões, ao longo das últimas cinco legislaturas, com deputados e comissões parlamentares, administração da CP e governantes, além das petições e dos documentos entregues ao Presidente da Assembleia da República, Presidente da República e Primeiro-Ministro.
Esta era (é) uma luta de todos que deveria unir e não dividir. Apelos neste sentido foram feitos em artigos de jornais locais, quer dirigidos aos autarcas locais cujos concelhos são atravessados pela ligação Beja-Casa Branca, pelo IC27 ou pela (futura) A26 (8.6.2012), quer aos três deputados eleitos em outubro de 2015 (9 de outubro). Esses apelos caíram em saco roto e a desejada unidade entre agentes políticos, movimento de cidadãos e outras entidades locais e regionais não se tem verificado, o que leva ao constante adiamento das medidas tão necessárias à vida dos que vivem na região.
Uma nota final, que não deixa de ser irónica, perante o que se tem passado e que é demonstrativo da falta da vontade política dos vários governos para resolver o principal problema que deu origem ao movimento dos cidadãos, em janeiro de 2011: o fim do Intercidades Beja-Lisboa, sem transbordos, como acontecia desde 2004.
Numa reunião realizada com o Secretário de Estado Correia da Fonseca, no dia 25 de março de 2011, os membros do grupo de cidadãos presentes propuseram a manutenção da ligação direta, pelo menos duas vezes por dia em cada sentido, se possível em comboios mistos (diesel até Casa Branca e elétrico até Lisboa). A resposta a esta última proposta foi negativa pois, segundo o governante, a CP não dispunha deste tipo de comboios (híbridos ou bimodos). Numa altura em que se já se alugavam composições à RENFE, poder-se-ia ter equacionado essa hipótese para tal tipo de comboios, que há vários anos executam, por exemplo, a ligação entre Madrid e a Galiza, mas isso não aconteceu e, em seu lugar, vieram as desconfortáveis automotoras.
Ainda na edição do DA de 7 de fevereiro passado, o especialista Francisco Furtado, se referia aos comboios híbridos, não só para a ligação Beja-Lisboa, como até para uma futura ligação Beja-Évora-Elvas-Badajoz. Pois bem, foi preciso chegar a 2019, para a CP lançar um concurso para esse tipo de comboios (até porque a eletrificação da linha continua a ser uma miragem) que, na melhor das hipóteses começarão a chegar em 2023 (TSF, 7.1.2019).
Oito anos depois, por linhas tortas, o governo reconheceu a justeza da proposta, feita pelo tal grupo de bejenses, cuja ação, alguns dos que nada têm feito nesse sentido não têm pejo em classificar de “maledicências” ou de “síndrome de desgraçadinho”, apenas porque, conjunturalmente, quem governa neste momento é o partido em que militam. É caso para dizer, para terminar que, assim, não vamos lá. É preciso despir as camisolas partidárias e abraçar de vez, sem quaisquer complexos, uma luta que é (ou devia ser) de todos. Beja e a região merecem.
21 fevereiro



sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Cooperação.



Na Assembleia Municipal realizada no passado dia 25 de novembro coloquei, no período reservado ao público, duas questões ao Presidente da Câmara: uma sobre a passagem da gestão do Museu Regional para a Direção Regional da Cultura do Alentejo e outra sobre a situação da villa romana de Pisões. Fi-lo, face à ausência de notícias sobre ambos e, nomeadamente em relação ao museu, porque o Decreto-Lei n.º 78/2019, de 5 de junho, que o passou para a dependência da DRCA estabelecia que “Os autos de transferência [com a CIMBAL] devem ser celebrados no prazo de 60 dias após a data de entrada em vigor [desse diploma]“, ou seja até 5 de agosto. Ora, quase quatro meses depois, tal ainda não se tinha verificado.

Isto mesmo foi confirmado por Paulo Arsénio, que adiantou que tal se devia à falta de acordo entre as duas entidades sobre um aspeto em particular, o que atrasava a elaboração do documento. Sobre Pisões, referiu que se aguardava a resposta a uma candidatura a fundos comunitários, apresentada em conjunto pela Universidade de Évora e pela Câmara Municipal de Beja, com vista à recuperação e dinamização desse espaço.

Sem querer voltar à polémica que se instalou aquando da passagem da gestão do museu e de Pisões para as duas entidades, volto ao assunto, para apresentar uma proposta para a gestão partilhada de dois dos mais importantes elementos da História e do Património de Beja e do seu Concelho. Faço-o, tão somente, por uma questão de cidadania, que implica, entre outros aspetos, a partilha de ideias e de opiniões, quando as mesmas podem contribuir para o progresso e para o desenvolvimento das comunidades onde vivemos (ainda que, na maior parte das vezes, sejam olimpicamente ignoradas por quem apregoa a participação popular como uma das marcas dos seus mandatos políticos).

Começo por recuperar um artigo de Santiago Macias, neste mesmo jornal, no dia 5 de abril do ano passado, sobre Pisões: http://avenidadasaluquia34.blogspot.com/2019/04/quinta-coluna-n-2-pisoes.html .
Das cinco ideias/propostas que apresenta, destaco a terceira : “Como potenciar o sítio? (…) A solução mais lógica é a da ligação de Pisões ao Museu Regional. Que, estranhamente, sempre esteve à margem do que em Pisões se foi passando. A duplicação de custos (dois equipamentos, duas equipas de funcionários) parece-me, no mínimo, utópica”.
Concordo, no essencial, com esta proposta. Há ainda outros aspetos que a justificam e que SM não referiu. Em minha opinião, essa ligação poderia/deveria passar por um modelo que, agregando as três entidades – Direção Regional, Universidade e Câmara Municipal – desse origem a uma única entidade responsável pela gestão conjunta do museu (incluído naturalmente o seu Núcleo Visigótico), de Pisões e, eventualmente, do Núcleo Museológico da Rua do Sembrano. Deixo de fora o Centro de Arqueologia e Artes e o sítio arqueológico anexo, que aguardam, por parte da autarquia, uma decisão sobre o seu futuro e modelo de funcionamento.
Essa nova entidade deveria ter uma administração tripartida, coadjuvada por um conselho consultivo alargado e, tal como prevê o citado decreto-lei, um diretor recrutado “…através de concurso público (…) a quem são delegadas competências para uma gestão responsável, que prime pela transparência e pelo cumprimento do quadro legal vigente e que se adeque às características do equipamento em causa, permitindo agilizar a operacionalização do seu plano de atividades do setor”.
É claro que esta proposta não será fácil de implementar, por duas razões de fundo : pelo conservadorismo que perpassa por toda a nossa Administração Pública, que dificulta/impede inovadoras e mais ágeis formas de gestão da “coisa pública” e pelo chamado “establishment administrativo”, designação há dias usada por Luís Raposo num artigo no Público (edição online de 3 de janeiro), precisamente intitulado “O desafio dos museus em 2020”, onde coloca uma série de questões acerca dos problemas que afetam os museus nacionais e o novo modelo de autonomia de gestão definido pelo decreto-lei de junho de 2019, que “…poderá contribuir de alguma forma para atenuar o mal indicado [a rarefacção dramática das equipas dos museus], ainda que se avolumem “…as dúvidas quanto à lisura da sua aplicação e até quanto à sua efectiva utilidade.”
Para concluir, refiro que, se houver interesse em estudar algo de semelhante, basta percorrer cerca de 250 quilómetros e contatar o “Consorcio de la Ciudad Monumental, Histórico-Artística y Arqueológica de Mérida”, uma entidade de direito público, formada pela Junta da Extremadura, Ministério da Educação, Diputación Provincial de Badajoz, Assembleia da Extremadura e Ayuntamiento de Mérida , que “… tem como objeto a cooperação económica, técnica e administrativa entre essas entidades, para a gestão, organização e intensificação das atuações relativas à conservação, restauração, acrescentamento e revalorização da riqueza arqueológica e monumental de Mérida”: https://www.consorciomerida.org/ .
Descontando o número e a monumentalidade do legado da Augusta Emerita (Património da Humanidade desde 1993), muito superior ao da nossa Pax Julia, bem como as caraterísticas específicas de ordem político-administrativa (existência de um poder regional – assembleia, junta e diputatión), uma solução parecida poderia igualmente potenciar o desenvolvimento/modernização das duas “jóias da coroa” do nosso património. Assim se queira aplicar algo cada vez mais necessário : a cooperação.
Concluo, voltando ao artigo de Santiago Macias porque, quer para as propostas nele contidas, quer para a que apresento, há algo que é decisivo e que ele resume nesta frase: “ O problema está em Beja e é em Beja que a solução tem de estar. Falta, enfim, como em tantas coisas nesta vida, “quem se chegue à frente”. Sem um protagonista não haverá solução, ou não fossemos nós uma sociedade de homens providenciais… Também se pode, claro está, continuar a dizer que a culpa “é de Évora”. É sempre mais fácil. E, localmente, rende mais “.
10.01.2020