Perto de Santa Vitória - Fevereiro 2020 |
No passado mês de julho teve lugar, na Guarda, o lançamento
da rota Da Serra à Planície, visando a divulgação e a promoção da Estrada
Nacional 18, que começa nessa cidade beirã e termina em Ervidel, onde se
encontra com a tão falada EN2. Entre as duas encontram-se algumas semelhanças e
diferenças. A sua extensão (as duas maiores do País), embora a EN2 tenha quase
o dobro da EN18 (740 e 388 quilómetros, respetivamente); a sua localização no
interior, ligando cidades, vilas e aldeias, algumas destas perdidas e
esquecidas nas serras e planícies; a sua integração em novas vias (IP3 ou IP2),
requalificando e alterando significativamente vários troços; o seu potencial
turístico-cultural, como refere o Clube Escape Livre, o mentor dessa rota : “São 388 quilómetros de aventura,
cultura, história e sabores tradicionais que ligam 14
municípios, 5 Aldeias Históricas e 2 regiões vitivinícolas”.
Como atrás referimos, muitos quilómetros da EN2 estão integrados em IP,
o que faz com, por exemplo, entre Évora e Ervidel, apenas dois pequenos troços,
incluindo o de Beja a esta localidade, correspondam realmente à antiga estrada.
Só que, este último (tal como outras estradas, nacionais ou municipais) sofreu,
nos últimos anos, profundas alterações nas paisagens circundantes, face às
transformações verificadas na agricultura da região, após a construção da
Barragem do Alqueva.
Sem entrarmos em outros temas, alguns polémicos e cujas consequências
não é possível ainda aferir, fiquem-nos apenas pelas alterações atrás
referidas. Para tal, nada melhor que uma viagem nos últimos vinte e um
quilómetros da EN18, entre Beja e Ervidel.
Se, entre Beja e o Penedo Gordo, a paisagem é diversificada, vislumbrando-se
dois dos novos olivais e milheirais, mas também culturas tradicionais e alguns
montes espalhados pelo território, passado o Monte da Almocreva (que
desolação!) inicia-se a nova paisagem, onde predomina o amendoal, uma parte já em
plena exploração, outra mais recente e outra ainda por plantar. Daqui a alguns
meses, será essa a única visão, a partir da estrada, ladeada por amendoeiras ao
longo de vários quilómetros, em que toda a paisagem circundante desaparece da
vista, nomeadamente o Monte da Chaminé do Passarinho e a Estação de Santa
Vitória e mesmo alguns pequenos montados (sobreviventes da Campanha do Trigo do
Estado Novo) foram “invadidos” por essa nova espécie, com os sobreiros quase a
desaparecer da vista. E, se um dia regressar a ligação ferroviária
Beja-Funcheira, torna-se quase impossível vislumbrar, a partir da estrada,
qualquer composição como, por exemplo, a conhecida automotora verde e branca,
que atravessava as searas de trigo ou os campos de girassol.
O amendoal à direita é depois “acompanhado” à esquerda pela mancha de
olival do Monte do Outeiro, olival que vamos encontrar de novo perto de Santa
Vitória. Neste caso é a igreja da aldeia que irá desaparecer da vista, a partir
da estrada e, não fosse a intervenção da Junta de Freguesia que levou a que
fosse demarcada uma faixa de proteção, esse olival estender-se-ia até aos muros
da Casa do Povo ou do campo de futebol.
Entre Santa Vitória e Ervidel encontramos uma novidade nesta nova
paisagem alentejana: os pomares, de um lado e do outro da estrada. Finalmente,
os últimos quilómetros da EN18 voltam a ser ocupados por uma mancha contínua de
olival, que se estende até à EN2 que, vinda do Norte irá até Faro, num encontro
muito pouco feliz, do ponto de vista visual.
Pela descrição atrás feita, não será difícil adivinhar que o tradicional
bucolismo dos campos alentejanos, onde as suas cores se alternavam ao longo do
ano (o castanho, o vermelho e o amarelo), está a dar lugar a uma monótona e
monocromática paisagem, que “apaga” da vista quase tudo à sua volta, tal como
os eucaliptos “secam” tudo os rodeia. Um cartão de visita muito pouco
apetecível, para quem parte da Guarda, à procura dos “recantos que tornam Portugal tão
apetecível”, como se escreve na apresentação da rota.
E, já que atrás nos referimos à estação ferroviária de Santa Vitória,
entaipada há alguns anos, recordemos o anúncio feito em setembro, pela
Secretária de Estado do Turismo, da intenção do governo em vender, ao abrigo do
programa REVIVE, algumas das estações abandonadas, como essa ou o apeadeiro do
Penedo Gordo. Neste momento já decorre o concurso para a venda de seis dessas
estações, incluindo a de Represas (ou melhor, das suas paredes, o que dela
resta).
Numa primeira abordagem ao assunto, até encontrámos alguns aspetos
positivos, não só pelo aproveitamento de edifícios lindos, como é o da estação
de Santa Vitória, mas também pela possibilidade de o caderno de encargos do
concurso contemplar o apoio dessa nova estrutura turística a uma eventual
retoma da ligação entre Beja e a Funcheira, não deixando completamente de lado
essa função (a exemplo do que acontece, por exemplo, de certos postos dos CTT
que funcionam em mercearias).
Só que, numa abordagem mais detalhada, o que encontramos? Uma estação
completamente “cercada” pelos novos amendoais, paisagem pouco apetecível para
quem queira passar uns dias no chamado “Alentejo profundo”. Paisagem que
estende ao longo das ribeiras e dos barrancos, que tomou conta dos montados,
que aterrou lagoas e charcas e que irá acompanhar alguém que queira ir, a pé ou
de bicicleta, da estação até Pisões ou à Albufeira dos Cinco Reis. Ou seja,
algo que levará a potenciais interessados a pensar duas vezes antes de tomar a
decisão de adquirir o edifício em causa, face às alterações verificadas nos
últimos anos nos afamados “barros de Beja”, em nome de um progresso necessário,
mas de difícil conciliação com o meio ambiente e a biodiversidade, tão ricos, diversificados
e belos.
29 de outubro |