Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Uma (primeira) oportunidade perdida.


Realiza-se no próximo dia 16 de Outubro o último voo Beja-Heathrow, inserido no programa que, desde 22 de Maio, trouxe à nossa região algumas centenas de turistas britânicos (não, obviamente, a quantidade que todos desejaríamos, mas a que, para primeira experiência, foi possível).
Um estudo promovido numa parceria entre a ANA e o IPB revelou que, até ao dia 31 de Julho tinham desembarcado em Beja 199 passageiros e que, até ao final deste programa, estavam previstos mais 158, o que totalizaria 357. Relativamente aos destinos escolhidos por esses turistas, esse estudo referia “… a estância balnear de Tróia e as localidades de Évora, Monsaraz, Serpa e Mértola, além da Barragem de Alqueva.” (Correio Alentejo, 12 Agosto).
Se a presença de Serpa e Mértola não deixou de ser uma (boa) surpresa, já os outros locais citados, bem como a ausência de Beja, não constituiram nenhuma novidade.
De facto, desde o início que Beja foi completamente ignorada em todo este processo, apenas sendo mencionado o seu aeroporto, tipo subúrbio de qualquer cidade europeia (Barajas, Fiumicino, Heathrow,etc). E não foram poucos os meios de divulgação : o site da operadora Sunvil, as notas de imprensa de uma agência de relações e marketing ( www.travelpr.co.uk ), os artigos publicados em alguns dos principais jornais britânicos e, finalmente, um site específico de promoção ( www.realalentejo.co.uk ).
Todos estes meios, provavelmente inseridos numa campanha promocional dos 22 voos que se iriam realizar, tinham como denominador comum o destaque de cinco destinos : Évora, Tróia, Monsaraz, Vila Nova de Milfontes e Alqueva. Em alguns artigos, apareciam outras localidades, como Vila Viçosa, Arraiolos ou Zambujeira. Finalmente, só no final de Agosto, lá surgiu uma referência a Beja, numa revista de culinária ( www.theculinaryguide.co.uk ).
A discriminação de Beja é tanto mais estranha ( e revoltante ), se pensarmos que esta campanha promocional poderá ter tido o apoio financeiro de organismos públicos, que deveriam ter actuado para a evitar. Desconheço se isso aconteceu, mas não seria de admirar se esta nova rota recebesse o apoio do programa Iniciativa.pt, financiado pelo Turismo de Portugal e pela ANA em 40% cada, e pelas Agências Regionais de Promoção Turística em 20%. Entre 2007 e 2011 esse programa investiu mais de 9 milhões de euros, em 39 ligações aéreas, a maioria low cost ( público.pt, 25Agosto).
O site realalentejo é muito mais explícito quanto à possibilidade desse financiamento público, já que lá estão os logótipos do Turismo de Portugal, da Turismo do Alentejo e até do INALENTEJO ( o que pressupõe um cofinanciamento comunitário).
Para além deste “esquecimento”, não deixa de ser ridículo o conteúdo de alguns dos artigos de jornal, parecendo até que alguns dos jornalistas que os assinam nem sequer se deslocaram ao Alentejo, limitando-se a repetir as press release. Para não falar, é claro, das expressões reveladoras de um certo paternalismo ( ou algo mais ).
Alguns exemplos, extraídos das edições online : Adrian Mourby, no The Independent (19 Junho), refere-se a Évora como uma cidade “fundada há mais de 2000 anos pelos Lusitanos”, situada  “numa colina sobre o rio Tejo”; Jill Main, no Daily Mirror (7Agosto) , visitou nessa cidade “uma grande sala decorada com os ossos de 5000 macacos”. Neste mesmo artigo lê-se também : “imagine um Portugal 40 anos atrás –  Bem-vindo ao Alentejo”. Gavin Mc Owan, no Guardian não o faz por menos e refere-se à “mais pobre região no mais pobre País da Europa Ocidental” e, para concluir, Sarah Shuckburgh, no Sunday Telegraph (31Janeiro) confessa que “pode ser a mais pobre e menos povoada região, mas a cozinha é maravilhosa”.
Curiosas, também, são as “rotas” de alguns desses jornalistas. Por exemplo, um deles vai de Milfontes a Évora, passando por “dúzias de pitorescas cidades medievais” (Guardian), enquanto que outro vem de Vila Viçosa, passa por Évora e “aterra” na Costa Vicentina, cujo nome é “devido a São Vicente, padroeiro de Lisboa” (Sunday Telegraph de 8Agosto). Apetece mesmo perguntar : ninguém lhes disse que uma dessas “pitorescas cidades” é Beja?
Sim, porque até não teria sido difícil, se a Turismo do Alentejo e o Município de Beja tivessem pensado em algo de muito simples, que poderia passar pelas primeiras quatro horas da permanência desses mais de trezentos turistas na nossa região : transporte gratuito do aeroporto para a cidade, uma visita guiada e um almoço num restaurante local (incluído, claro, no pacote adquirido).
Talvez assim tivessem conhecido a bela e imponente Torre de Menagem, que terão  apenas descortinado ao longe, o convento onde viveu a freira escritora de cartas de amor ou a magnífica loggia da Praça da República, que alguns até iriam comparar com a que viram em Florença.
Talvez assim contassem aos seus amigos que visitaram uma cidade com mais de dois mil anos de história e um rico património, não ficando o nome de Beja apenas associado a um aeroporto destinado a servir Évora, como Heathrow serve Londres.
E não se teria, deste modo, perdido a primeira oportunidade de aproveitar o aeroporto como instrumento estratégico para a promoção turística da cidade e da região.
30 Setembro







terça-feira, 20 de setembro de 2011

Saloices e provincianismo.

A galeria de fotos desta notícia é um verdadeiro festival de saloices e de provincianismo:

São estas as "figuras públicas" que vão emprestar o seu "glamour" para divulgar a nossa região.
Embaixadores do Alentejo? NÃO, OBRIGADO!!
As explicações de cada um destes novos "diplomatas" sobre o seu amor ao Alentejo são deliciosas. Por exemplo, "Rita Pereira mantém o bronzeado", enquanto que Alexandra Lencastre diz que "...foi aqui que tenho vivido momentos muito importantes da minha vida no Alentejo. O meu primeiro namorado era de Évora e foi em Tróia que conheci o Piet Hein, pai das minhas filhas” 
A Turismo do Alentejo definitivamente rendida ao "prime time" : novelas e reality shows.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A Futebolite

Era uma vez um país / onde entre o mar e a guerra / vivia o mais infeliz / dos povos à beira-terra.
Começa assim o poema de Ary dos Santos: um país amordaçado, perseguido, sujeito a uma guerra injusta e cujos filhos tinham de sair para ganhar a vida ou para fugir a essa guerra. Qual Roma antiga, que dava pão e circo aos seus habitantes, este país era conhecido pelos três F - Fado, Futebol e Fátima – que “adormeciam” o povo que Salazar queria que continuasse “orgulhosamente só”.
Se o Fado era o conformismo e Fátima o colaboracionismo com o regime, o Futebol era utilizado, entre outros aspecto, para evocar o Estado multirracial e ultramarino, com o exemplo dos grandes jogadores de então (Eusébio, Coluna, Hilário), oriundos dos territórios africanos sob o domínio luso.
Era outro, o tempo desse Futebol, jogado em todo o lado às três da tarde de domingo, cujos relatos na rádio eram seguidos apaixonadamente por todo o país, que à noite se colava à televisão a ver o Domingo Desportivo. Futebol em directo era, por esta altura uma excepção (tal como possuir o aparelho não era ainda regra).Os mais apaixonados desenvolviam aquilo que se chamou de “clubite”, que os impedia de ver para além da cor das camisolas do seu clube – no futebol, mas também no hóquei em patins ou no ciclismo, as modalidades principais, que enchiam estádios, pavilhões e estradas.
Esse país mudou com o 25 de Abril : a liberdade, a democracia, o fim da guerra, a melhoria das condições de vida. E também o fado, que se renovou, e a própria Igreja, que procurou novos caminhos, liberta da incómoda ligação à ditadura.
Há, entretanto, hoje em dia, uma nova trilogia, fruto dos novos paradigmas que modelam a nossa sociedade, dominada, por aquilo que, de uma forma simplista podemos designar por RSF : os “Reality Shows”, os “Shopping” e a “Futebolite”.
Mais do que a Clubite, própria apenas dos seguidores dos clubes, a Futebolite é a omnipresença do Futebol .
Todos percebem, todos falam, nomeadamente o “cidadão comum”, quando interrogado na televisão. Por esta caixa que mudou o mundo, passam também os mais variados especialistas, desde os chamados “tudólogos”, que falam sobre tudo e não se coíbem, no final de trocar cachecóis de clubes, até circunspectos e reputados políticos, médicos, cineastas, advogados e outros “comentadores especializados” que, semanalmente, se transformam em seres coléricos e violentos, quase chegando a vais de facto. Para a história fica a afirmação de um “senador” da nossa República, defensor acérrimo do seu clube: “A minha mulher diz que ainda vou morrer a ver futebol”  (jornal I, 15 Julho).
Os principais telejornais passam sempre as mesmas imagens, dos treinos, das conferências de imprensa, sempre as mesmas caras e afirmações, dos mesmos presidentes e treinadores, que são replicados nos três (!!!) diários desportivos, publicados num país onde existem das mais baixas taxas de leitores de jornais.
Não raras vezes, essas palavras, de tão repetidas, são as que vão incendiar os adeptos, que agridem árbitros em centros comerciais, ou que transformam um jogo de futebol num verdadeiro estádio de sítio, com polícias, bastões, cães, pedras, tiros, num espectáculo de violência pouco recomendável.
Como caricatura, refira-se ainda a história o médico que se deixou corromper por um laboratório, a troco de bilhetes para jogos internacionais do seu clube, com estadia em hotel e refeições incluídas.
A Futebolite ignora a crise que nos massacra : a exemplo das fortunas dos 25 mais ricos, que subiram 18%, quando se trata de gastar, de “investir” no futebol, não há limites, nem crise que impeça. De entre as 40 principais ligas do mundo, a de Portugal é a sétima onde mais se investe no “desporto-rei” (DN, 21 Julho). A mesma liga em que, de acordo com um estudo da Universidade Católica, os clubes se endividaram, entre 2000 e 2010, em 500 milhões de euros, o que, segundo o seu próprio presidente, pode pôr em causa a sua sustentabilidade (publico.pt, 12 Agosto).
Mas, paradoxalmente, a essa verdadeira orgia despesista, que leva clubes a contratar, numa só época, um equipa completa e respectivos suplentes, não correspondem estádios cheios : entre os 25 clubes europeus com mais público, não se encontram nenhum português (expresso.pt, 21 Julho).
 Esta ausência de público (em qualquer das divisões), fomentada pelos próprios dirigentes, que não se importam de ter 500 ou 600 espectadores num jogo numa noite de 2ª feira (a troco dos direitos televisivos), em vez de 5 ou 10 mil, num domingo à tarde, tem como principais motivos, o custo dos bilhetes, as deficientes condições para o público em alguns recintos, a pouca qualidade de muitos jogos e, sobretudo, a constante e variada oferta televisiva, nomeadamente nos canais “ppv”, que quase todos os dias nos trazem bons jogos dos campeonatos inglês, espanhol ou alemão, e ainda das competições europeias.
Concluindo, Futebol e Futebolite não são a mesma coisa: o primeiro é jogado nas quatro linhas, como o fez a selecção de sub-20 no recente Mundial, a segunda leva a que a maioria desses jogadores vá jogar para clubes de segundo plano, cá ou no estrangeiro, substituídos nos chamados “grandes” por outros de igual ou menor valia.
PS : contrariamente ao que estas linhas possam transparecer, gosto de Futebol. Joguei alguns anos “a sério”, na adolescência fui sportinguista ( pela admiração que tinha pelo Damas – de quem fiz um álbum com fotos do Nuno Ferrari, com as suas grandes defesas – pelo Yazalde e pelo Joaquim Agostinho) e adorava ler as crónicas do Carlos Pinhão ou do Homero Serpa no “trissemanário desportivo” A Bola. De há uns anos a esta parte sou fã do futebol praticado (nas quatro linhas) pelo Barcelona, pelo Manchester United e pelo FC Porto.
Mas não me chamem para discutir arbitragens, golos anulados, penaltis não marcados ou as contratações do Defour, do Matic ou do Atila Turan.
2 Setembro 2011
Futebol - Vítor Damas
Futebol : Hector Yazalde
Futebolite 1
Futebolite 2 ( Foto de Bruno Colaço - Correio da Manhã )