Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sábado, 28 de maio de 2011

As mãos são nossas : o voto é nosso.

Nota prévia : porque há quem continue a achar que os Portugueses têm memória curta, esta crónica recorre, propositadamente, a várias citações.

No dia 17 de Março de 2007, dois anos após a vitória do PS nas eleições de 2005, São José Almeida escrevia no Público : “Ao tomar posse em condições de poder inéditas à esquerda, José Sócrates inicia a concretização de um programa político de influência ideológica neoliberal que tem como objectivo desestruturar o papel social do Estado tal como foi construído no pós-guerra (em Portugal, após o 25 de Abril), (…)e a criação de um novo modelo social em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres aumentam, em relação aos níveis de vida de há algumas décadas.”
Uma das principais medidas desta política foi a aprovação, pelo PS, em 19 de Setembro de 2008, do Código do Trabalho, que levou Manuel Alegre (que votou contra) a afirmar à TSF, que esse código ia “ desequilibrar as relações laborais em desfavor dos trabalhadores.”
No dia 6 de Março de 2009, foram reprovados pelo Parlamento os projectos de lei que pretendiam revogar as taxas moderadoras na saúde. Desta vez foi António Arnaut, o “pai” do Serviço Nacional de Saúde, que criticou o PS, dizendo à TSF que este partido “…está a remar contra as correntes da História…” e “…não prestou atenção devida …” aos portugueses que maioritariamente recorrem ao SNS.
Contra estas decisões (e também a favor da suspensão do absurdo modelo de avaliação dos professores, de Maria de Lurdes Rodrigues, em Janeiro de 2009), votaram, além de Alegre, três deputadas do PS, entre as quais Eugénia Alho, eleita pelo nosso distrito.  Coincidência ou não, foram as três afastadas das listas para as eleições de 2009. Era a exclusão da ala esquerda, ou da chamada corrente alegrista, da qual restou apenas o próprio.
Tudo isto levou o líder do PS na Madeira, Jacinto Serrão, já este ano, a demarcar-se do “modelo neoliberal que está a contaminar a governação [de José Sócrates] e que está a criar desigualdade social e a colocar em causa as liberdades políticas” (Público, 21 Fevereiro).
É  neste contexto que, face à queda do Governo e à marcação de eleições antecipadas, o mesmo José Sócrates aparece com o discurso do “voto útil” da Esquerda, em defesa do Estado Social, esquecendo as notícias que dão conta dos cortes no benefícios sociais (quase 900 mil, entre abonos de família, subsídios de desemprego e rendimento social de inserção) e do brutal aumento dos desempregados, no último ano.
Aparecendo como o “homem providencial”, num exagerado culto da personalidade, assente numa máquina de propaganda que é uma das imagens de marca dos seus governos (onde se destacavam as tendas e os vídeos), Sócrates é, como dizia um conhecido comentador, um homem sem ideologia, que tenta, por todos os meios, manter o poder, apelando umas vezes à direita, outras à esquerda.
Ao pedir o voto útil de uma esquerda que durante seis anos ignorou, tenta reduzir a política portuguesa a um rotativismo partidário, próprio da monarquia do final do século XIX, que todos deveríamos aceitar, conformando-nos perante os acordos com o FMI e com a União Europeia, fruto da desastrosa gestão das finanças públicas.
É contra esse conformismo que nos querem impor, que fazem sentido as palavras do poeta Eduardo Galeano, num magnífico vídeo utilizado pela Esquerda Unida nas recentes eleições em Espanha : “Não estamos condenados e eleger entre o mesmo e o mesmo /Temos as mãos vazias /Mas as mãos são nossas”.*
São os princípios e os valores contidos neste vídeo (a dignidade, a cidadania, a esperança) que, no próximo dia 5 de Junho, me levam, como cidadão independente e de esquerda, a votar “útil” no distrito de Beja : em deputados da CDU que, na Assembleia, da República, possam fazer ouvir vozes que defendam os mais desprotegidos, os que têm sido esquecidos neste mundo dominado pelos mercados financeiros, pelas agências de rating e pelos políticos malabaristas.
27 Maio

domingo, 15 de maio de 2011

AMARAMÁLIA : a emoção do Belo.

A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla, David Hume (1711-1776) - Ensaios

1. Ao longo dos cinco anos e meio em que exerci as funções de programador do Pax Julia, assisti a excelentes espectáculos - de música, de teatro, de dança - e a excelentes filmes. Em muitos me ri, em outros quase chorei, em bastantes me emocionei.
É claro que estava numa situação ingrata, enquanto espectador e, ao mesmo tempo, responsável pela apresentação do espectáculo ou do filme, perante as dezenas ou centenas de pessoas que tinham comprado o seu bilhete e esperavam assistir a algo que as satisfizesse.
E não era só pelo maior ou menor agrado manifestado pelos espectadores no final, era também pelo telemóvel que alguém não desligara, pela garrafa de água que caíra ao chão (como ontem aconteceu), pelo senhor que saíra a meio, pelo cochicho irritante das senhoras ao lado ou pelo problema técnico inesperado.
Ou seja, o desejo de apreender o que de mais belo estava a assistir era, em parte, cerceado pela responsabilidade de ter programado e apresentado o espectáculo. Havia, no entanto, uma garantia, que me deixava mais descansado : é que estava a trabalhar como uma fantástica equipa, de profissionais dedicados e competentes, cujo trabalho é reconhecido, a nível nacional, por todos os artistas, encenadores, coreógrafos e maestros que têm passado pelo Pax Julia.
Por isso, quando o espectáculo terminava e o público se levantava a aplaudir (o que nem sempre acontecia, é óbvio), por mim perpassava um misto de várias sensações : de alívio, por tudo ter corrido bem, de satisfação pessoal, pela escolha que fizera, de alegria por ter assistido a algo que me tinha enriquecido, visual e espiritualmente. Mas, acima de tudo, o que sentia era uma emoção por ter trazido aos espectadores uma noite de beleza, reflectida nos seus olhares e nas suas palavras, que eu avidamente via e ouvia, quando passavam por mim no foyer do Teatro.


2. Voltei a sentir essa emoção ontem, no AMARAMÁLIA, não só no final, mas, sobretudo, durante todo o espectáculo. E começou, mal o pano se abriu e se ouviram as primeiras notas do Povo que lavas no rio : um arrepio que nos percorre, ao ouvirmos a voz esmagadora da Amália, que enche todo o Pax, e ao vermos a beleza dos jovens corpos das bailarinas e dos bailarinos, que voam pelo palco, que transbordam de energia e de magia, que se fundem como se de apenas um corpo se tratasse.
Mas o espectáculo é, ainda, a força da coreografia do Vasco Wellenkamp, a luz do Orlando Worm, os figurinos da Liliana Mendonça e, principalmente, a magistral simbiose entre o fado e a música tradicional de Amália, com a música contemporânea de Carlos Zíngaro, numa fusão que atingiu momentos de perfeição e de grande intensidade estética
O espectáculo vale, assim, como um todo, ao conseguir transmitir-nos toda a emoção a que Liliana se refere, aquando da sua apresentação em Nova Iorque, em 2004 : "...mais do que entender a palavra, é entender a emoção e ali foi a prova de que possamos ou não entender as palavras, conseguimos, de qualquer forma, entender a emoção, que se transmite na cena..."

 
3. Desde o início das minhas funções no Pax Julia que tentei trazer o AMARAMÁLIA a Beja. Dificuldades várias (nomeadamente financeiras - trata-se de um espectáculo com 13 bailarinos, técnicos e restante pessoal da companhia) sempre impediram que esse desejo se concretizasse.
Curiosamente, a CPBC já tinha estado no Pax Julia, em Abril de 2009, com um espectáculo constituído por três coreografias, "Veneno, Eurídice e o Instante, Finale", que nos mostrou a qualidade da companhia.
Foi a programação em rede, a que o Município de Beja aderiu em 2009, juntamente com outros municípios da região e de outras regiões, e o financiamento pelo QREN, que permitiram, finalmente, que essa apresentação se concretizasse. E, deste modo, conseguimos que o AMARAMÁLIA pudesse ser apreciado, primeiro em Serpa, depois em Castro e, ontem, em Beja. Tal como conseguimos programar, também em 2011, espectáculos como Nortada, de Olga Roriz, ou o Bernardo Sassetti Trio. O público de Beja merece.


4. Um agradecimento final : obrigado Tatiana, obrigado Liliana (foi pena não teres podido deslocar-te a Beja, desta vez). Continuem o excelente trabalho da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo.

AMARAMÁLIA