Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Participação.

Foi há pouco mais de um mês que se realizaram as eleições para o Parlamento Europeu. Percentagem de votantes: 51% (global); 31% (Portugal); 55% (Suécia, onde, nas legislativas de 2018, se registou uma participação de 87%). Sobre estes números, diversas podem ser as explicações (de natureza económica, social ou religiosa) mas aquela que mais justifica tal diferença é, sem dúvida, a política. De facto, 48 anos de ditadura no nosso país, fazem a diferença e contribuem para que, no Índice de Democracia 2018 (da revista The Economist), numa escala até 10, Portugal tenha as pontuações de 6,11 e 6,88 e a Suécia tenha 8,33 e 10, nos parâmetros Participação Política e Cultura Política, respetivamente.
Deixando de lado explicações mais simplistas e populistas (ampliadas nas redes sociais), a dicotomia “eles/nós” (explorada por João Miguel Tavares no 10 de junho), interessa relembrar apenas dois dos fatores que levam a este aparente divórcio dos portugueses pela vida política.
Desde logo, os fenómenos de corrupção e de enriquecimento ilícito (não exclusivos de políticos), acrescidos por uma sensação de impunidade, contrários ao nobre desígnio de “servir o povo e não servir-se do povo”, enunciado pelo padre Max (assassinado pela extrema-direita em abril de 1976). Depois, os vários episódios de nomeações familiares (extensivas a vários partidos), a que se junta outro fenómeno (este menos divulgado e conhecido), as nomeações para gabinetes governamentais de jovens recém-licenciados (normalmente oriundos das “jotas”), como “especialistas”, ainda que sem conhecimentos ou experiência profissional, mas com “generosos” vencimentos.
A estes fatores, juntam-se outros, de natureza regional e/ou local que levam igualmente aos apelos de abstenção, voto nulo ou branco. Por razões muitas vezes incompreensíveis para o “cidadão comum”, arrastam-se situações de incapacidade dos poderes públicos perante problemas, que revelam o esquecimento ou até o ostracismo a que é votado o interior do país.
Como explicar, por exemplo, que a ligação ferroviária direta a Lisboa, após mais de século e meio desejada (e apenas concretizada entre 2004 e 2010) tenha sido suprimida e substituída por outra, caraterizada por avarias, atrasos, desconforto e (de novo) por um transbordo? Ou que a ligação de Beja à A2 tenha sido iniciada, interrompida e que, depois de retomada (parcialmente) esteja ainda sem uso, não obstante já estarem concluídos há longos meses treze quilómetros dos menos de cinquenta desse troço da A26?
Para além de outros temas, como as indefinições sobre o aeroporto ou as carências e debilidades na saúde, registe-se que os dois temas atrás citados já atravessaram três legislaturas e três governos. Falando apenas no último, como classificar a atitude de um primeiro-ministro que, durante o seu mandato, praticamente ignorou Beja nas suas deslocações oficiais? Ou do ministro da tutela que apenas veio a uma reunião com autarcas poucos dias antes de deixar as suas funções, para se dedicar à campanha das eleições que o levariam ao Parlamento Europeu?
Por outro lado, quando os cidadãos se mobilizaram para defender essas causas coletivas, formando movimentos e levando a cabo várias iniciativas, essa participação foi alvo de todo o tipo de reações, vindas sobretudo das forças políticas : alheamento, desconfiança, hostilidade, oportunismo, de tudo um pouco se assistiu, quando deveria ter havido um apoio incondicional e desinteressado desde a primeira hora.
Há outros aspetos que não incentivam os cidadãos à participação na discussão de temas essenciais para o futuro da sua terra. Como, por exemplo, realizar uma sessão de esclarecimento/debate (promovida por uma comissão nomeada pela Assembleia da República) sobre a Regionalização, às catorze horas de uma segunda-feira? Quem estava a trabalhar a essa hora dificilmente poderia comparecer (ainda que estivesse interessado).
Por outro lado, a nível local, ainda que em altura de eleições se apele à participação cívica, se promovam encontros para “ouvir” os cidadãos sobre diversos temas, ou se prometa um orçamento participativo (para escolher entre o polidesportivo ou o centro de convívio), assuntos muito próximos dos munícipes são pouco (e de forma deficiente) esclarecidos, levando às mais diversas especulações, em particular nas redes sociais (mas não só), dado o casulo em que muitos dos decisores eleitos se encerram (a que se junta alguma autarcia política).
Citemos apenas alguns que deveriam ter sido alvo de um claro e cabal esclarecimento: a demolição do depósito de água, a passagem da gestão de Pisões para a Universidade de Évora e do Museu Regional para o Ministério da Cultura, o futuro do Centro de Artes e do fórum romano (ainda sem decisão). Em todos estes assuntos, faltou informação e, na maior parte deles, os munícipes só tiveram conhecimento do que foi decidido depois de notícias na comunicação social, como factos consumados.
     
                      Foto : João Espinho

 
Voltando ao início, se quase meio século de ditadura impediu (e até reprimiu) os cidadãos de terem voz ativa na vida da sua aldeia, cidade, concelho ou até do país, daqui a cinco anos comemorar-se-á meio século de democracia. Para que esta seja mais do que o ato formal de depositar o voto nas urnas, importa refletir sobre a forma de incentivar e promover o que de mais importante têm os regimes democráticos: a participação do cidadão, o “animal cívico” descrito por Aristóteles no século IV a.C.
12 julho 2019