Foi há pouco mais de um mês que
se realizaram as eleições para o Parlamento Europeu. Percentagem de votantes:
51% (global); 31% (Portugal); 55% (Suécia, onde, nas legislativas de 2018, se
registou uma participação de 87%). Sobre estes números, diversas podem ser as
explicações (de natureza económica, social ou religiosa) mas aquela que mais
justifica tal diferença é, sem dúvida, a política. De facto, 48 anos de
ditadura no nosso país, fazem a diferença e contribuem para que, no Índice de
Democracia 2018 (da revista The Economist), numa escala até 10, Portugal tenha
as pontuações de 6,11 e 6,88 e a Suécia tenha 8,33 e 10, nos parâmetros
Participação Política e Cultura Política, respetivamente.
Deixando de lado explicações mais
simplistas e populistas (ampliadas nas redes sociais), a dicotomia “eles/nós”
(explorada por João Miguel Tavares no 10 de junho), interessa relembrar apenas
dois dos fatores que levam a este aparente divórcio dos portugueses pela vida
política.
Desde logo, os fenómenos de
corrupção e de enriquecimento ilícito (não exclusivos de políticos), acrescidos
por uma sensação de impunidade, contrários ao nobre desígnio de “servir o povo
e não servir-se do povo”, enunciado pelo padre Max (assassinado pela
extrema-direita em abril de 1976). Depois, os vários episódios de nomeações
familiares (extensivas a vários partidos), a que se junta outro fenómeno (este
menos divulgado e conhecido), as nomeações para gabinetes governamentais de
jovens recém-licenciados (normalmente oriundos das “jotas”), como “especialistas”,
ainda que sem conhecimentos ou experiência profissional, mas com “generosos”
vencimentos.
A estes fatores, juntam-se
outros, de natureza regional e/ou local que levam igualmente aos apelos de abstenção,
voto nulo ou branco. Por razões muitas vezes incompreensíveis para o “cidadão
comum”, arrastam-se situações de incapacidade dos poderes públicos perante
problemas, que revelam o esquecimento ou até o ostracismo a que é votado o interior
do país.
Como explicar, por exemplo, que a
ligação ferroviária direta a Lisboa, após mais de século e meio desejada (e apenas
concretizada entre 2004 e 2010) tenha sido suprimida e substituída por outra,
caraterizada por avarias, atrasos, desconforto e (de novo) por um transbordo?
Ou que a ligação de Beja à A2 tenha sido iniciada, interrompida e que, depois
de retomada (parcialmente) esteja ainda sem uso, não obstante já estarem
concluídos há longos meses treze quilómetros dos menos de cinquenta desse troço
da A26?
Para além de outros temas, como
as indefinições sobre o aeroporto ou as carências e debilidades na saúde,
registe-se que os dois temas atrás citados já atravessaram três legislaturas e
três governos. Falando apenas no último, como classificar a atitude de um
primeiro-ministro que, durante o seu mandato, praticamente ignorou Beja nas
suas deslocações oficiais? Ou do ministro da tutela que apenas veio a uma
reunião com autarcas poucos dias antes de deixar as suas funções, para se
dedicar à campanha das eleições que o levariam ao Parlamento Europeu?
Por outro lado, quando os
cidadãos se mobilizaram para defender essas causas coletivas, formando
movimentos e levando a cabo várias iniciativas, essa participação foi alvo de
todo o tipo de reações, vindas sobretudo das forças políticas : alheamento,
desconfiança, hostilidade, oportunismo, de tudo um pouco se assistiu, quando
deveria ter havido um apoio incondicional e desinteressado desde a primeira
hora.
Há outros aspetos que não
incentivam os cidadãos à participação na discussão de temas essenciais para o
futuro da sua terra. Como, por exemplo, realizar uma sessão de
esclarecimento/debate (promovida por uma comissão nomeada pela Assembleia da
República) sobre a Regionalização, às catorze horas de uma segunda-feira? Quem estava
a trabalhar a essa hora dificilmente poderia comparecer (ainda que estivesse
interessado).
Por outro lado, a nível local,
ainda que em altura de eleições se apele à participação cívica, se promovam
encontros para “ouvir” os cidadãos sobre diversos temas, ou se prometa um
orçamento participativo (para escolher entre o polidesportivo ou o centro de
convívio), assuntos muito próximos dos munícipes são pouco (e de forma
deficiente) esclarecidos, levando às mais diversas especulações, em particular
nas redes sociais (mas não só), dado o casulo em que muitos dos decisores
eleitos se encerram (a que se junta alguma autarcia política).
Citemos apenas alguns que
deveriam ter sido alvo de um claro e cabal esclarecimento: a demolição do
depósito de água, a passagem da gestão de Pisões para a Universidade de Évora e
do Museu Regional para o Ministério da Cultura, o futuro
do Centro de Artes e do fórum romano
(ainda sem decisão). Em todos estes assuntos, faltou informação e, na maior
parte deles, os munícipes só tiveram conhecimento do que foi decidido depois de
notícias na comunicação social, como factos consumados.
Foto : João Espinho
Voltando ao início, se quase meio
século de ditadura impediu (e até reprimiu) os cidadãos de terem voz ativa na
vida da sua aldeia, cidade, concelho ou até do país, daqui a cinco anos
comemorar-se-á meio século de democracia. Para que esta seja mais do que o ato
formal de depositar o voto nas urnas, importa refletir sobre a forma de
incentivar e promover o que de mais importante têm os regimes democráticos: a
participação do cidadão, o “animal cívico” descrito por Aristóteles no século
IV a.C.
12 julho 2019 |
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