No
passado dia 12 de Dezembro foi inaugurada a nova sede da Associação de Futebol
de Beja. Para além do protocolo inerente a este evento, assistiu-se a uma justa
e merecida homenagem ao Dr João Covas Lima (“Dr.Nana”), ao ser atribuído o seu
nome ao auditório desse espaço.
De
toda a cerimónia, ressaltam, entretanto, as críticas dos presidentes da
Associação de Futebol anfitriã e da Federação Portuguesa de Futebol à
“concorrência desleal” da Fundação INATEL, que retira clubes às competições
associativas para disputarem os campeonatos desta entidade. As declarações do
presidente federativo foram até “amplificadas” pela notícia da LUSA e foi assim
que, pelo menos através do rodapé da RTP, todo o país delas teve conhecimento
(um pequeno aparte, para realçar a importância da componente regional da
agência noticiosa, neste e em outras situações, como a forma de chegar a todo o
lado o que se vai passando pelo chamado “país real”).
Essas
declarações, além de injustas, enfermam até de algum desconhecimento do que na
realidade se passa. É que, na verdade, não existe nenhuma concorrência, mas sim
uma complementaridade, que não é de agora, mas de há muitas décadas, quando a
INATEL ainda era a FNAT do Estado Novo.
Este
é um falso problema, que só agora se coloca e que tem na sua génese uma questão
que, no desporto, não é exclusiva do futebol e, nesta modalidade, atravessa
todas as associações e a própria federação. Falamos da quebra de receitas da
maioria dos clubes, provocada, em grande medida, pela redução dos apoios das
câmaras municipais e dos patrocinadores, que levou a que esses clubes tivessem
de rever a sua participação nas diversas competições. Não é só na AFB que não
há 2ª Divisão, o mesmo acontece, por exemplo, no Algarve e, mesmo em Setúbal,
uma das maiores do País, o número de clubes neste escalão é bastante reduzido.
O
presidente Fernando Gomes também não deve ignorar que, na sua própria “casa”,
houve clubes que abdicaram de participar em campeonatos nacionais, preferindo
mantar-se nos distritais. Em Setúbal aconteceu isso com o Vasco da Gama de
Sines, em Beja com o Praia de Milfontes, tal como sucedeu em outros distritos
com outras agremiações. Isto para não falar nos clubes que, pura e
simplesmente, abandonaram o futebol sénior, mantendo apenas as camadas jovens.
Mais
estranho ainda foi ouvir esse responsável afirmar que a própria “saúde pública”
dos atletas da INATEL “estava em causa”, porque não é obrigatório um seguro de
acidentes pessoais, ao contrário do que acontece com os atletas federados. Esta
afirmação revela, antes do mais, um desconhecimento da realidade. Basta
consultar o site da fundação, para ver que a apólice 10001968 de uma seguradora
cobre todos os atletas inscritos na época de 2012/13.
E, ao
afirmar que a solução para os problemas do futebol passa pela diminuição de
custos (de que a não obrigatoriedade do policiamento é já um bom exemplo), fica
no ar a interrogação: que irá propor o presidente da FPF ao Secretário de
Estado da Segurança Social(que tutela a INATEL) em reunião que diz já ter
solicitado, para fazer face a essa “concorrência desleal”? Aumentar as taxas de
inscrição? Obrigar os clubes a pagar as arbitragens? É que, se assim acontecer,
ao invés de fazer voltar os clubes às provas associativas, arriscamo-nos a que,
no futuro, nem nas associações, nem na INATEL.
Isto,
sim, seria grave. É que, não obstante as dificuldades e contratempos próprios
da competição (por vezes levadas a situações extremas, na INATEL como nos
campeonatos mais profissionalizados), o desporto e a cultura fazem parte da
matriz dessa fundação, cumprindo um desiderato muito importante, que é
assegurar o acesso de milhares de cidadãos às mais variadas atividades
socioculturais, com recurso a fundos públicos.
No
caso do distrito de Beja, há muitos anos que, sem “concorrer” com as provas da
AFB, os campeonatos da INATEL são dos que têm mais equipas a participar, com
particularidades que interessa realçar. Por exemplo, a flexibilidade que
permite que clubes dos distritos de Setúbal (Cercalense e Soneguense) e de Faro
(Serrano) possam participar neste distrital, jogando com os seus “vizinhos” de
Odemira ou de Almodôvar. Ou ainda o aparecimento de clubes (o Luso Serpense, a AC Cuba, o Vale d’Oca, a
Casa do Povo de Milfontes), em localidades onde existem alguns dos históricos do futebol do distrito
de Beja, sem que isso ponha em causa estes últimos, já que apenas se dedicam a
proporcionar a prática desportiva regular a um conjunto de cidadãos, o que é
sempre de louvar.
Por
outro lado, basta olhar para os clubes dos concelhos de Beja e de Odemira (os
que têm mais inscritos no distrital da INATEL), para concluir que a maior parte
deles nunca participou e dificilmente participará em campeonatos da AFB. No
caso de Beja, é paradigmático o caso do Louredense, clube campeão várias vezes
na INATEL, participante nas fases nacionais, com boas equipas, organização e
condições para a prática da modalidade e que, por opção própria, nunca se
inscreveu nas provas associativas (onde, decerto, iria fazer “boa figura”).
Ou
seja, mais do que procurar bodes expiatórios na INATEL ou em qualquer outra
entidade, o que a Federação e as associações terão de analisar é a forma de
estancar a saída dos clubes, mantendo assim o serviço público que prestam à
comunidade, em particular aos mais jovens. É que, nessa cerimónia, também
fiquei atónito, ao ouvir dizer que não é justo que os clubes da INATEL
participem nas provas associativas com escalões de formação, já que com estes
não têm despesas. Afirmação tão estranha, quanto o facto de há vários anos isso
acontecer com alguns clubes, como o Beringelense ou o Figueirense, sem que tal
tenha sido alguma vez contestado. Para além disso, convém não esquecer que a
Federação (e as associações, por via desta) recebe verbas do Orçamento de
Estado, parte das quais, precisamente para promover a formação de jovens
atletas.
Nota
final : desde 1996 que faço parte da Mesa da Associação de Futebol de Beja,
sendo, no presente mandato, vice presidente desse órgão. Ao longo dos diversos
mandatos em que participei, sempre mantive (como actualmente acontece) a
solidariedade institucional com os restantes membros dos diferentes órgãos
sociais ( Direção, Conselhos de Arbitragem, Técnico, de Disciplina, etc). O que
não significa que, em situações concretas e pontuais, discorde de determinadas
posições e decisões.
Como
é, no caso vertente, designar-se como “concorrência desleal” aquilo que não é
mais que a complementaridade entre o futebol organizado pela federação e pelas
associações, com o que é promovido pela INATEL.
4 Janeiro |
Sobre a importância desta prática desportiva para as nossas comunidades, muitas vezes abandonadas e esquecidas, tive oportunidade de escrever há um ano, uma crónica na edição de 23 de Dezembro, do Correio Alentejo. Face a esta polémica, penso que está ainda mais atual.