Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 5 de julho de 2013

FRUTA DA ÉPOCA (1) : AGENDA DA CIDADE OU AGENDA DO CONCELHO?

A Agenda Cultural de Beja começou a ser publicada em 1999, tendo saído ininterruptamente, em edição bimestral, até 2005, sendo depois substituída pela Agenda Municipal, como o nome indica, mais abrangente nas temáticas abordadas.
Apenas em versão impressa, ao longo destes seis anos de existência, a Agenda Cultural foi um importante instrumento para a divulgação de tudo o que passava em Beja, na cidade e nas freguesias, na música, no teatro, na dança, nas artes plásticas, nos livros ou nas festas populares. Para além das autarquias - município e freguesias -, as escolas, as associações culturais e recreativas, os grupos de teatro, todos tinham oportunidade de divulgar as suas iniciativas.
O "núcleo duro" era, como não podia deixar de ser, formado por técnicos da autarquia: o autor destas linhas, a Sónia Ferreira, a Carmen Santos e a Telma Martelo. Muitos outros técnicos, ligados aos equipamentos e serviços municipais (Biblioteca, Museu Jorge Vieira, Casa da Cultura, Casa do Lago, Arquivo Histórico) participavam igualmente na feitura desta publicação. Para além destes, colaboraram ainda, entre outros, o Leonel Borrela (sobre o património), o Palminha da Silva (sobre a publicações e figuras da história local) ou o Marco Taylor (o autor da concepção gráfica e da paginação dos primeiros números).
A Agenda Cultural era, pois, uma publicação que tinha duas funções: a informativa (para divulgar as iniciativas que tinham lugar no Concelho) e a formativa (onde se divulgava a nossa história, o nosso património material e imaterial, as associações culturais, os grupos corais, as freguesias rurais)
Nº 10, Novembro/Dezembro 2000
Nº 26, Maio/Junho 2003
Nos dois exemplares escolhidos propositadamente pelo simbolismo que encerram, destacam-se o José Saramago, patrono da Biblioteca Municipal, que aqui se deslocou para o lançamento do seu livro A Caverna, no dia 20 de Novembro, e o "nosso" António Zambujo que, ainda longe da fama (merecida) que hoje tem, actuou no Jardim Público, no dia 29 de Maio, no âmbito do programa das Festas da Cidade, onde apresentou os temas que compunham o seu primeiro cd, "O mesmo fado".
Mas não só de Saramago e de Zambujo eram feitas estas duas edições da Agenda Cultural. Referindo apenas alguns dos principais conteúdos, destacamos no número 10, as III Jornadas/Congresso da revista Arquivo de Beja, um artigo de Borrela sobre a Praça da República, "um texto esquecido de Brito Camacho", recuperado por Palminha da Silva na revista Ilustração Alentejana de Julho de 1927, um artigo sobre o actor bejense Alfredo Brissos, a exposição colectiva de vinte jovens artistas plásticos locais, na Galeria dos Escudeiros, o lançamento do catálogo da Colecção de Desenho do Museu Jorge Vieira, os espectáculos "O Principezinho", pelo Teatro do Mar, "Fou-Naná",  pela companhia de dança Vo'Arte, "A Índia e o Índio", pela cantora brasileira Sílvia Nazário, o Grupo de Batuques de Mulheres de Cabo Verde, o cantor Carlos Mendes, o "Ensemble Barroco do Chiado" ou a Semana de Música para o Natal (estes dois últimos em parceria ou apoio do município com o Centro Cultural de Beja e o Coro de Câmara). E ainda, o S.Martinho em Quintos, a Noite de Fados na Cabeça Gorda, a segunda edição da CultuNeves. Tudo isto, em 42 páginas de uma pequena publicação cultural.
O número 26, ainda em formato pequeno, tinha mais páginas (62) e, além do Zambujo tinha muitos outros temas: o Borrela escrevia sobre o Mercado Público do Largo dos Duques, construído no final do século XIX, destacava-se a revista Rodapé e as Mil e uma Noites, Mil e uma Histórias, na Biblioteca Municipal, e nos pólos de Albernoa e da Salvada, a exposição A Mulher e o Sagrado, de Noémia Cruz, a Móveldecor, as actividades das escolas dos vários graus de ensino (nomeadamente as semanas culturais do IPB e do ISSS), a VI Bejalternativa, o XV Encontro de Coros, a Semana da Dança na Casa da Cultura, o espectáculo Nós Todos 3, pela Arte Pública, o seminário "Identidades - entre o Local e o Global", o evento "Beja na rota do azulejo". Além do espectáculo de António Zambujo, tinha ainda lugar a "Semana da Bach" e o Concerto pelo Coro da Sé do Porto, na Igreja da Sé de Beja. Tal como no número 10, as iniciativas realizadas nas freguesias rurais tinham também o seu devido destaque : as Jornadas Culturais e Desportivas de Baleizão, as Festas do Padrão, a V CultuNeves, as Semanas Culturais de Santiago Maior e de Santa Vitória, a VII Feira Anual do Idoso, em Albernoa. 

Hoje, se as condições técnicas e humanas são significativamente melhores do que há dez anos (para além da versão impressa e online da Agenda Cultural e de uma newsletter semanal enviada por email, a câmara municipal tem ainda ao seu dispôr a nova e revolucionária "arma" que é o facebook), os conteúdos divulgados padecem de uma lacuna significativa (que não é alheia à política centralista desenvolvida pelo actual executivo municipal nos últimos quatro anos). Trata-se da omissão de todas as iniciativas desenvolvidas nas freguesias rurais, como se a actividade cultural apenas tenha lugar na cidade. Aliás, talvez não seja por acaso que, nas primeiras edições da "nova" agenda (de que se reproduz a capa de uma delas), esteja referido tratar-se de uma publicação da "Cidade de Beja".
Julho/Agosto 2012
Basta uma leitura rápida, para verificarmos que, dois dos mais importantes eventos realizados no Concelho de Beja, não têm qualquer referência nesta agenda :

Semana Cultural da Salvada
Semana Cultural Carpe Diem
Cabeça Gorda
Um ano depois, um novo grafismo, uma nova imagem (retirada que foi a menção à Cidade de Beja), mas a filosofia da Agenda Cultural continua: referências apenas e só ao que tem lugar na cidade, como se o resto do concelho fosse um "deserto cultural" (e todos sabemos que não é). Veja-se o exemplo das duas últimas (Junho e Julho):
 

Iniciativas como as que em baixo se indicam têm uma história e uma riqueza que não podem ser pura e simplesmente ignoradas em todos os meios de divulgação da câmara municipal (já para não falar na falta de apoio à sua realização). Os seus promotores, participantes e as populações dessas localidades não merecem esse esquecimento. Por isso, mais do que nunca, importa repetir a questão : AGENDA DA CIDADE OU AGENDA DO CONCELHO?



 



       

domingo, 5 de maio de 2013

O João


Cláudio Torres, em entrevista a Alexandra Lucas Coelho, na revista 2, do Público de hoje : "O João Honrado não podia andar de transportes públicos porque era apanhado, então vinha a pé de Coimbra até Aveiro para a gente falar. Eu vivia num quartito alugado e ele ficava lá. Vinha com os pés em sangue. A gente chamava-lhe o Patolas porque era um homem alto, com pés enormes. Chegava com as meias desfeitas e as minhas meias ficavam-lhe a meio do pé. Não é imaginável hoje o que era isto (...) Dormia no chão, numas almofadas(...) O João Honrado era um homem fantástico". Isto passava-se em 1958/1959, o Cláudio tinha aderido ao PCP com 19 anos, quando começou a trabalhar na fábrica de azulejos Aleluia e o João era funcionário do partido e vivia na clandestinidade. Um pequeno excerto de uma interessante entrevista, que nos mostra a fibra de que era feito o João (que nos deixou há pouco) e o próprio Cláudio, que passou por momentos dignos de livros de aventuras.

No dia seguinte à sua morte, escrevi este texto, para uma eventual publicação, que não chegou a acontecer. Já que estamos a falar desse grande homem, que admirei desde a minha juventude, aqui fica esse texto :

O João

Estava quente, esse fim de tarde de um dia de Junho de 1976. Era um verão quente, mas não tanto como o do ano anterior. Novembro arrefecera sonhos e esfriara as paixões que inundavam as ruas e as praças do nosso país desde “aquela madrugada” que a Sophia e todos nós esperávamos, desde aquele “dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio”
Aproximavam-se as terceiras eleições da nossa jovem democracia. Depois das constituintes, em 1975 e das legislativas, em 1976 (simbolicamente no dia 25 de Abril), seriam as presidenciais, onde eram quatro os candidatos.
Nessa tarde, em que a política (ainda) era tema de conversa entre as pessoas, no grupo que se encontrava reunido o grande dilema era em quem votar para derrotar aquele general que, naquele dia de novembro, com os seus óculos escuros, prenunciara o princípio do fim da revolução em que tão ardentemente acreditáramos: no candidato do Partido que, marcando o seu território, procurava manter o fiel eleitorado, ou naquele que simbolizava a esperança do regresso desses sonhos interrompidos? Para muitos (e não só para os mais jovens, como nós), era uma opção difícil, uma luta entre a razão (e a lealdade partidária) e o coração.
Estávamos nós nesta difícil encruzilhada, quando ele cruzou a porta do Centro de Trabalho. A sua figura imponente, a sua voz firme e decidida, fez-nos voltar a uma realidade que parecia estar tanto mais afastada, quanto maiores eram as dúvidas que as conversas nos traziam.
“O que é que aqueles cartazes, fazem ali no chão, em fez de estarem colados nas paredes?”, foi a pergunta que nos fez, para logo de seguida acrescentar “Toca a pegar nos baldes, nos pincéis e na cola e todos para rua”.
E lá fomos, os que estávamos juntos nessa tarde e ele, trinta ou mais anos mais velho do que a maioria de nós, rendidos à força das suas convicções e ao exemplo da sua vida de resistente e de lutador pela liberdade e por uma sociedade mais justa, afinal, a grande e elevada causa nos unia.
No outro dia de manhã, Santa Vitória acordou repleta de cartazes de Octávio Pato, o dobro ou o triplo dos que os apoiantes de Otelo (o Capitão de Abril que para muitos ainda era o Fidel que a nossa revolução precisava) tinham afixado.
Ele era o João, que tínhamos conhecido após o 25 de Abril e que, não obstante as diferenças de idade e do respeito e admiração que a sua biografia impunham (nomeadamente os anos passados na prisão e na clandestinidade), nos contagiava com o entusiasmo juvenil com que abraçava os ideais e as causas por que lutava. Entre muitas a que se dedicou, destacam-se a que evitou o fim do Diário do Alentejo ou, mais recentemente, a construção do monumento à Mulher Alentejana, concebido por Rogério Ribeiro e que se encontra no Parque da Cidade, em Beja.
Não foi por acaso que, no momento da sua morte, o jornal Público o designou como “… o mais carismático dos comunistas alentejanos”, tal como uns anos antes, Miguel Urbano Rodrigues, no prefácio ao seu livro “Textos Alentejanos” escrevera: “Duas palavras sobem-me logo na memória quando penso em João Honrado: revolucionário e alentejano. Não se pode compreender o homem, a sua vida e o seu combate sem tomar consciência de que nesse filho de Ferreira o alentejano e o revolucionário se fundem tempestuosamente, mas com harmonia”.
Em jeito de homenagem, deixamos aqui um excerto das palavras, escritas em março de 1963, aquando do seu julgamento político (reproduzidas em 1988 num artigo de Paulo Barriga, na revista Imenso Sul , que o blogue A Cinco Tons recordou poucos dias após a sua morte): “A cultura é contra os interesses do regime na medida em que esclarece as vastas camadas do nosso povo(…) O ódio do governo à cultura é o ódio do mentor do nazi-fascismo, Goebbels, quando afirmava: “Quando ouço falar em cultura, rapo da pistola”
Em memória do João, um Homem de Cultura.
Um abraço solidário e amigo à Alice, sua companheira.
(Foto : Alentejo Popular)






quinta-feira, 4 de abril de 2013

Um país e uma região estilhaçados

A revolução liberal de 1820 e os vários códigos administrativos que se lhe seguiram moldaram a estrutura político-administrativa que atravessou os sucessivos regimes políticos – Monarquia Constitucional, 1ª República, Estado Novo – até chegar à democracia, implantada no 25 de Abril.
Distritos, concelhos e freguesias, é esta a organização que, com maiores ou menores alterações vigora em Portugal desde a primeira metade do século XIX e que foi consagrada pelo primeiro código administrativo, o de 1836. Data deste ano a primeira grande mudança no “poder local”, efectuada por Passos Manuel, com a eliminação de mais de metade dos concelhos até então existentes, passando de 806 (em 1827) para 351. A outra grande mudança verificada (apenas em 2013, com Passos Coelho), é a eliminação de mais de mil freguesias, processo polémico e contestado pelas populações locais.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo que se mantêm os distritos (extintos pela Constituição de 1976, que institui uma nova autarquia local, a região administrativa, ainda não implementada), mesmo sem governadores civis, actualmente, tem-se assistido, no que à organização político-administrativa do território continental diz respeito (os Açores e a Madeira, para o melhor ou para o pior têm a sua autonomia já implementada) a um verdadeiro regabofe, que os sucessivos governos e parlamentos não têm conseguido pôr termo.
Pior do que isso, assiste-se ao estilhaçar do país (e, no caso concreto, do Alentejo), sem qualquer critério que se afigure lógico, seja político, administrativo, económico ou social. E sem uma avaliação rigorosa do que havia antes, que justifique as alterações sucessivas nas estruturas regionais.
Existe, assim, uma CCDR para todo o Alentejo (seguindo o modelo das regiões/plano definido, ainda no Estado Novo, pelo III Plano de Fomento – 1968/1973), o que se afigura lógico, ainda que, em certas alturas, essa lógica seja pervertida. Isso aconteceu, por exemplo, com a integração de alguns concelhos da região de Lisboa e Vale do Tejo no INALENTEJO (para efeitos de financiamentos do QREN) ou, mais recentemente, com a proposta de integração de alguns desses concelhos na nova entidade regional de turismo do Alentejo (o que já levou Ceia da Silva a ironizar, dizendo que não vai promover a sopa da pedra de Almeirim).
As contradições são diversas: se, no turismo se procedeu à unificação, com a extinção dos pólos existentes, de modo a concentrar esse sector em apenas cinco entidades, a organização das comunidades intermunicipais (contestada por juristas e pela própria ANMP), divide os municípios por 23 novas estruturas, enfraquecendo o seu poder de intervenção. Na nossa região, por exemplo, o que justifica a existência de duas dessas comunidades – Baixo Alentejo e Alentejo Litoral – uma com treze e outra com apenas cinco municípios, quando poderiam continuar os dezoito integrados numa única comunidade, como acontecia, até aqui, com a AMBAAL?
Situações como esta repetem-se : extinguem-se as direções regionais de educação (transformadas numa direção de serviços de uma direção geral do respetivo ministério, numa atitude centralista), ao mesmo tempo que se mantêm outras – Desporto e Juventude ou Cultura – que mal se dá pela sua existência. Há serviços, como o emprego e formação profissional ou a saúde que se organizam em estruturas regionais, enquanto que outros, como a segurança social, as finanças ou as estradas, são geridas por entidades distritais.
Basta atentarmos no exemplo concreto de um concelho, para verificarmos até onde vão estas contradições e incongruências. Sines, por exemplo: no turismo, pertencia ao pólo do Alentejo Litoral, agora passa para a entidade regional do Alentejo; para acesso aos fundos comunitários integra o INALENTEJO, na saúde a ARS Alentejo, mas para tratar das estradas ou dos impostos tem de “dialogar” com Setúbal; foi fundador da primeira associação de municípios do país, a AMBAAL, que agora vai deixar, para passar a integrar a CIMAL, com apenas mais quatro concelhos; um destes é Odemira que, para todos os efeitos (incluindo até o futebol), ainda integra o distrito de Beja e, nomeadamente, pertence à Assembleia Distrital, que gere o Museu Regional de Beja.
E é perante este estado de coisas, que perpetua a confusão e a tradicional troca de lugares e de cadeiras quando há mudanças de governo (num carrossel protagonizado por membros dos partidos do chamado “arco do poder”), que se atira para as calendas gregas a regionalização e se vai falando em medidas perigosas como o aumento da “municipalização” da educação (sobre estes dois temas escreveremos um dia destes).
Podemos concluir, com uma afirmação (sobre um outro assunto) de Nuno Ramos de Almeida, no jornal I, do passado dia 16 de Março : “Verifica-se a transformação do país numa abstracção que pode ser sujeita a um experimentalismo político nem sequer muito elaborado, mostrando um imenso desconhecimento da realidade e um enorme desprezo pelas pessoas concretas.
É facto, uma pena, que a nossa democracia, em quase quarenta anos, não tenha conseguido organizar o país e as regiões, de modo a promover a descentralização, o planeamento de infraestruturas e de atividades e, principalmente, a participação dos cidadãos.
5 Abril 2013







quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

INATEL e associações de futebol: concorrência desleal ou complementaridade?


No passado dia 12 de Dezembro foi inaugurada a nova sede da Associação de Futebol de Beja. Para além do protocolo inerente a este evento, assistiu-se a uma justa e merecida homenagem ao Dr João Covas Lima (“Dr.Nana”), ao ser atribuído o seu nome ao auditório desse espaço.
De toda a cerimónia, ressaltam, entretanto, as críticas dos presidentes da Associação de Futebol anfitriã e da Federação Portuguesa de Futebol à “concorrência desleal” da Fundação INATEL, que retira clubes às competições associativas para disputarem os campeonatos desta entidade. As declarações do presidente federativo foram até “amplificadas” pela notícia da LUSA e foi assim que, pelo menos através do rodapé da RTP, todo o país delas teve conhecimento (um pequeno aparte, para realçar a importância da componente regional da agência noticiosa, neste e em outras situações, como a forma de chegar a todo o lado o que se vai passando pelo chamado “país real”).
Essas declarações, além de injustas, enfermam até de algum desconhecimento do que na realidade se passa. É que, na verdade, não existe nenhuma concorrência, mas sim uma complementaridade, que não é de agora, mas de há muitas décadas, quando a INATEL ainda era a FNAT do Estado Novo.
Este é um falso problema, que só agora se coloca e que tem na sua génese uma questão que, no desporto, não é exclusiva do futebol e, nesta modalidade, atravessa todas as associações e a própria federação. Falamos da quebra de receitas da maioria dos clubes, provocada, em grande medida, pela redução dos apoios das câmaras municipais e dos patrocinadores, que levou a que esses clubes tivessem de rever a sua participação nas diversas competições. Não é só na AFB que não há 2ª Divisão, o mesmo acontece, por exemplo, no Algarve e, mesmo em Setúbal, uma das maiores do País, o número de clubes neste escalão é bastante reduzido.
O presidente Fernando Gomes também não deve ignorar que, na sua própria “casa”, houve clubes que abdicaram de participar em campeonatos nacionais, preferindo mantar-se nos distritais. Em Setúbal aconteceu isso com o Vasco da Gama de Sines, em Beja com o Praia de Milfontes, tal como sucedeu em outros distritos com outras agremiações. Isto para não falar nos clubes que, pura e simplesmente, abandonaram o futebol sénior, mantendo apenas as camadas jovens.
Mais estranho ainda foi ouvir esse responsável afirmar que a própria “saúde pública” dos atletas da INATEL “estava em causa”, porque não é obrigatório um seguro de acidentes pessoais, ao contrário do que acontece com os atletas federados. Esta afirmação revela, antes do mais, um desconhecimento da realidade. Basta consultar o site da fundação, para ver que a apólice 10001968 de uma seguradora cobre todos os atletas inscritos na época de 2012/13.
E, ao afirmar que a solução para os problemas do futebol passa pela diminuição de custos (de que a não obrigatoriedade do policiamento é já um bom exemplo), fica no ar a interrogação: que irá propor o presidente da FPF ao Secretário de Estado da Segurança Social(que tutela a INATEL) em reunião que diz já ter solicitado, para fazer face a essa “concorrência desleal”? Aumentar as taxas de inscrição? Obrigar os clubes a pagar as arbitragens? É que, se assim acontecer, ao invés de fazer voltar os clubes às provas associativas, arriscamo-nos a que, no futuro, nem nas associações, nem na INATEL.
Isto, sim, seria grave. É que, não obstante as dificuldades e contratempos próprios da competição (por vezes levadas a situações extremas, na INATEL como nos campeonatos mais profissionalizados), o desporto e a cultura fazem parte da matriz dessa fundação, cumprindo um desiderato muito importante, que é assegurar o acesso de milhares de cidadãos às mais variadas atividades socioculturais, com recurso a fundos públicos.
No caso do distrito de Beja, há muitos anos que, sem “concorrer” com as provas da AFB, os campeonatos da INATEL são dos que têm mais equipas a participar, com particularidades que interessa realçar. Por exemplo, a flexibilidade que permite que clubes dos distritos de Setúbal (Cercalense e Soneguense) e de Faro (Serrano) possam participar neste distrital, jogando com os seus “vizinhos” de Odemira ou de Almodôvar. Ou ainda o aparecimento de clubes  (o Luso Serpense, a AC Cuba, o Vale d’Oca, a Casa do Povo de Milfontes), em localidades onde existem  alguns dos históricos do futebol do distrito de Beja, sem que isso ponha em causa estes últimos, já que apenas se dedicam a proporcionar a prática desportiva regular a um conjunto de cidadãos, o que é sempre de louvar.
Por outro lado, basta olhar para os clubes dos concelhos de Beja e de Odemira (os que têm mais inscritos no distrital da INATEL), para concluir que a maior parte deles nunca participou e dificilmente participará em campeonatos da AFB. No caso de Beja, é paradigmático o caso do Louredense, clube campeão várias vezes na INATEL, participante nas fases nacionais, com boas equipas, organização e condições para a prática da modalidade e que, por opção própria, nunca se inscreveu nas provas associativas (onde, decerto, iria fazer “boa figura”).
Ou seja, mais do que procurar bodes expiatórios na INATEL ou em qualquer outra entidade, o que a Federação e as associações terão de analisar é a forma de estancar a saída dos clubes, mantendo assim o serviço público que prestam à comunidade, em particular aos mais jovens. É que, nessa cerimónia, também fiquei atónito, ao ouvir dizer que não é justo que os clubes da INATEL participem nas provas associativas com escalões de formação, já que com estes não têm despesas. Afirmação tão estranha, quanto o facto de há vários anos isso acontecer com alguns clubes, como o Beringelense ou o Figueirense, sem que tal tenha sido alguma vez contestado. Para além disso, convém não esquecer que a Federação (e as associações, por via desta) recebe verbas do Orçamento de Estado, parte das quais, precisamente para promover a formação de jovens atletas.
Nota final : desde 1996 que faço parte da Mesa da Associação de Futebol de Beja, sendo, no presente mandato, vice presidente desse órgão. Ao longo dos diversos mandatos em que participei, sempre mantive (como actualmente acontece) a solidariedade institucional com os restantes membros dos diferentes órgãos sociais ( Direção, Conselhos de Arbitragem, Técnico, de Disciplina, etc). O que não significa que, em situações concretas e pontuais, discorde de determinadas posições e decisões.
Como é, no caso vertente, designar-se como “concorrência desleal” aquilo que não é mais que a complementaridade entre o futebol organizado pela federação e pelas associações, com o que é promovido pela INATEL.  
4 Janeiro




Sobre a importância desta prática desportiva para as nossas comunidades, muitas vezes abandonadas e esquecidas, tive oportunidade de escrever há um ano, uma crónica na edição de 23 de Dezembro, do Correio Alentejo. Face a esta polémica, penso que está ainda mais atual.