Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sábado, 1 de junho de 2019

Leonel Borrela.


Contracapa da Agenda Cultural nº 1
Julho-Agosto 1999

Este texto será publicado na véspera da homenagem, justa e merecida, a Leonel Borrela. Mais do que uma evocação, pretende ser o meu tributo a este bejense “adotivo”, cuja vida e obra foram tão bem recordadas pela sua filha Sílvia, neste mesmo jornal, no passado dia 17.
Dele recordo as nossas conversas, dentro ou à porta do Farnel (mesmo em frente ao seu local de trabalho, o convento onde viveu Mariana), que abordavam os mais variados temas, em particular os que mais nos aproximavam: a História, o Património e a Cultura. A sua formação multifacetada nessas áreas, expressa na quantidade e variedade de publicações ou na sua extensa produção, enquanto artista plástico, faziam dele um intelectual, palavra e condição tantas vezes injustamente esquecidas (quando não hostilizadas) na nossa terra.
Recordo ainda o entusiasmo com que recebeu o convite que lhe fiz para colaborar na Agenda Cultural de Beja. Ao longo de seis anos, os seus textos (incluídos na secção “ À descoberta de… “, tanto abordavam os azulejos de Jorge Colaço (na Estação da CP e no Jardim Público) – nº5, Fevereiro 2000 -, como a restauração do Arco de Avis – nº 36, Fevereiro 2005. É neste último texto que ele expressou uma das suas mágoas, que comigo não poucas vezes partilhava: o descaso perante o rico património da vetusta Pax Julia. Escreveu ele, na altura: “… o património de Beja sofreu uma delapidação profunda neste período de transição do século XIX para XX, mais precisamente a partir de 1876 (demolição das Portas romanas de Mértola) até 1919 (demolição da Igreja paroquial de S. João…) “.
Não obstante esse desencanto que, por vezes, o assolava, esse entusiasmo voltava, ao guiar, em Maio de 2011, um grupo de alunos e seus professores do Clube de Jornalismo da Escola Mário Beirão, falando-lhes com todo o seu saber e paixão, junto da famosa janela do convento, de uma outra paixão, a da “sua” Mariana Alcoforado (a quem dedicou uma parte da obra) com o cavaleiro francês, imortalizada nas Cartas, cuja primeira edição data de há 350 anos.
Alunos com a saudosa Professora Ana Albuquerque
Maio 2011

Se a sua obra é conhecida sobretudo pelos textos publicados em jornais, revistas, livros, pelas ilustrações de publicações ou pelas aguarelas, deve também recordar-se o que nos deixou num conjunto de blogues, cujos títulos são sugestivos: “Cartas Portuguesas”, “Beja dos tempos idos”, “Iconografia Pacense”, “Beja Cidade Monumental”, entre outros. Para além dos textos, realce para as perfeitas ilustrações que os acompanhavam, dos capitéis romanos, ou das cabeças de touro, como a que se encontra no exterior do Museu Regional.
Esta sua “conversão” às novas tecnologias estender-se-ia também ao Facebook onde, na sua página, continuava o trabalho de divulgação, promoção e defesa da História, da Arte e do Património. E foi precisamente numa das suas publicações desta rede social, em Outubro de 2013, que relembrou alguém que admirava, pela obra que deixara na sua cidade e região adotivas, Abel Viana. Escreveu então: “No próximo ano cumprem-se cinquenta anos sobre a sua morte, ocorrida em 1964. É provável que algumas instituições recordem o seu desaparecimento e comemorem o seu cinquentenário. Veremos!”
Foi na sequência desta publicação que, no início de 2014, apresentei uma proposta para a realização das “Jornadas de Arqueologia e Património”, em Outubro ou Novembro desse ano, onde, para além da comemoração da efeméride, se faria um “ponto da situação” sobre vários temas: Arqueologias da Cidade de Beja, Outeiro do Circo, Escavações da EDIA , villa romana de  Pisões, revista Arquivo de Beja, património religioso do Baixo Alentejo, entre outros. Nesta proposta, Leonel Borrela ocupava um lugar de destaque, que não era mais que o reconhecimento do seu mérito, através de atos concretos, que tardavam em acontecer.
Abel Vaiana
Para além da destinatária da proposta (Câmara Municipal de Beja), apenas ele teve conhecimento da mesma. Não esqueço as suas palavras, que se revelaram premonitórias: “Pensas que alguém vai ligar a isso? O mais certo é não teres resposta”. Este seu ceticismo, assente em tantas outras desilusões, viria a estar certo e a proposta não saiu da caixa de correio eletrónico para onde foi enviada, perdendo-se assim uma oportunidade para se refletir sobre esses importantes assuntos, tão atuais ainda hoje em dia.
E foi precisamente um ano antes da sua prematura morte que, a propósito da demolição do depósito de água, viria a ter o seguinte desabafo, igualmente no Facebook : “ É mais uma mágoa que fico da cidade que, afinal, em absoluto, não é a minha, embora a defenda como se sabe” (14 Maio 2016).
É este o Borrela que recordo, amigo, culto, sonhador, inconformado, resistente, que vai ser merecidamente homenageado amanhã, ainda que, em minha opinião, a melhor homenagem que ele e outros (Abel Viana, Nunes Ribeiro, José Luís Soares, Figueira Mestre, só para citar alguns dos que já não estão entre nós) merecem, é recordar o que escreveu no Beja Cidade Monumental: “ … aquela que nos cativa para a preservarmos que mais não seja na memória, pois Beja tem quase tudo aquilo que se disse, tem tudo aquilo que é belo, com o cimo do castelo, do qual se avista a planície…” (16 Agosto 2009).
31 maio 2019






Agenda Cultural nº 16 - Novembro/Dezembro 2001