Contracapa da Agenda Cultural nº 1 Julho-Agosto 1999 |
Este
texto será publicado na véspera da homenagem, justa e merecida, a Leonel
Borrela. Mais do que uma evocação, pretende ser o meu tributo a este bejense
“adotivo”, cuja vida e obra foram tão bem recordadas pela sua filha Sílvia,
neste mesmo jornal, no passado dia 17.
Dele
recordo as nossas conversas, dentro ou à porta do Farnel (mesmo em frente ao
seu local de trabalho, o convento onde viveu Mariana), que abordavam os mais
variados temas, em particular os que mais nos aproximavam: a História, o
Património e a Cultura. A sua formação multifacetada nessas áreas, expressa na
quantidade e variedade de publicações ou na sua extensa produção, enquanto
artista plástico, faziam dele um intelectual, palavra e condição tantas vezes
injustamente esquecidas (quando não hostilizadas) na nossa terra.
Recordo
ainda o entusiasmo com que recebeu o convite que lhe fiz para colaborar na
Agenda Cultural de Beja. Ao longo de seis anos, os seus textos (incluídos na
secção “ À descoberta de… “, tanto abordavam os azulejos de Jorge Colaço (na
Estação da CP e no Jardim Público) – nº5, Fevereiro 2000 -, como a restauração
do Arco de Avis – nº 36, Fevereiro 2005. É neste último texto que ele expressou
uma das suas mágoas, que comigo não poucas vezes partilhava: o descaso perante
o rico património da vetusta Pax Julia. Escreveu ele, na altura: “… o
património de Beja sofreu uma delapidação profunda neste período de transição
do século XIX para XX, mais precisamente a partir de 1876 (demolição das Portas
romanas de Mértola) até 1919 (demolição da Igreja paroquial de S. João…) “.
Não
obstante esse desencanto que, por vezes, o assolava, esse entusiasmo voltava,
ao guiar, em Maio de 2011, um grupo de alunos e seus professores do Clube de
Jornalismo da Escola Mário Beirão, falando-lhes com todo o seu saber e paixão,
junto da famosa janela do convento, de uma outra paixão, a da “sua” Mariana
Alcoforado (a quem dedicou uma parte da obra) com o cavaleiro francês, imortalizada
nas Cartas, cuja primeira edição data de há 350 anos.
Alunos com a saudosa Professora Ana Albuquerque Maio 2011 |
Se a sua obra é conhecida sobretudo pelos textos publicados em jornais, revistas, livros, pelas ilustrações de publicações ou pelas aguarelas, deve também recordar-se o que nos deixou num conjunto de blogues, cujos títulos são sugestivos: “Cartas Portuguesas”, “Beja dos tempos idos”, “Iconografia Pacense”, “Beja Cidade Monumental”, entre outros. Para além dos textos, realce para as perfeitas ilustrações que os acompanhavam, dos capitéis romanos, ou das cabeças de touro, como a que se encontra no exterior do Museu Regional.
Esta sua “conversão” às novas
tecnologias estender-se-ia também ao Facebook onde, na sua página, continuava o
trabalho de divulgação, promoção e defesa da História, da Arte e do Património.
E foi precisamente numa das suas publicações desta rede social, em Outubro de
2013, que relembrou alguém que admirava, pela obra que deixara na sua cidade e
região adotivas, Abel Viana. Escreveu então: “No próximo ano cumprem-se cinquenta anos sobre a sua morte,
ocorrida em 1964. É provável que algumas instituições recordem o seu
desaparecimento e comemorem o seu cinquentenário. Veremos!”
Foi na
sequência desta publicação que, no início de 2014, apresentei uma proposta para
a realização das “Jornadas de Arqueologia e Património”, em Outubro ou Novembro
desse ano, onde, para além da comemoração da efeméride, se faria um “ponto da
situação” sobre vários temas: Arqueologias da
Cidade de Beja, Outeiro do Circo, Escavações da EDIA , villa romana
de Pisões, revista Arquivo de Beja, património religioso do Baixo
Alentejo, entre outros. Nesta proposta, Leonel Borrela ocupava um lugar de
destaque, que não era mais que o reconhecimento do seu mérito, através de atos
concretos, que tardavam em acontecer.
Abel Vaiana |
E foi
precisamente um ano antes da sua prematura morte que, a propósito da demolição
do depósito de água, viria a ter o seguinte desabafo, igualmente no Facebook :
“ É mais uma mágoa que fico da cidade que, afinal, em absoluto, não é a minha,
embora a defenda como se sabe” (14 Maio 2016).
É este
o Borrela que recordo, amigo, culto, sonhador, inconformado, resistente, que
vai ser merecidamente homenageado amanhã, ainda que, em minha opinião, a melhor
homenagem que ele e outros (Abel Viana, Nunes Ribeiro, José Luís Soares,
Figueira Mestre, só para citar alguns dos que já não estão entre nós) merecem,
é recordar o que escreveu no Beja Cidade Monumental: “ … aquela que nos cativa
para a preservarmos que mais não seja na memória, pois Beja tem quase tudo
aquilo que se disse, tem tudo aquilo que é belo, com o cimo do castelo, do qual
se avista a planície…” (16 Agosto 2009).
31 maio 2019 |
Agenda Cultural nº 16 - Novembro/Dezembro 2001 |