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Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo
sexta-feira, 14 de julho de 2023
Vitória(s) de Pirro.
“ Conta-se que, a uma pessoa que o felicitava pelo seu triunfo [contra os romanos], Pirro [séc. IV/III a.C] respondeu: ‘Se alcançarmos outra vitória semelhante a esta, estaremos irremediavelmente perdidos. “
sexta-feira, 18 de novembro de 2022
Museu Jorge Vieira – proposta para reflexão/debate
1.
Ao longo dos anos, a cidade de Beja foi sendo
equipada com um conjunto de equipamentos culturais municipais que, juntamente
com outros (públicos ou associativos), criaram as condições para a consolidação
de uma política cultural coerente e consistente. Por ordem cronológica, a Casa
da Cultura, a Galeria dos Escudeiros, a Biblioteca Municipal, a Casa das
Artes/Museu Jorge Vieira e o Pax Julia são os equipamentos-âncora da rede atrás
mencionada.
2.
No caso do Museu Jorge Vieira, que nasceu na
sequência da doação de um valioso acervo de obras do artista – cerâmica e
desenho – juntamente com a oferta das obras de arte pública de grandes
dimensões, veio criar mais condições para que Beja – cidade, concelho e região
– se pudesse projetar no panorama do turismo cultural nacional, com uma forte
aposta nas artes plásticas (basta consultar o livro publicado em 2005, aquando
do 10º aniversário do museu, para constatar este facto).
3.
As dificuldades estruturais do edifício adaptado
para receber o museu revelaram-se ao longo dos anos, pelo que, quando surgiu a
oportunidade de recuperar dois edifícios degradados – a sede do Clube Bejense,
na Rua do Sembrano e o imóvel municipal, na Praça da República – poder-se-ia
pensar que um outro poderia acolher, finalmente, o museu, dado que reuniam
potencialidades para tal.
4.
Só que, no primeiro (cuja candidatura tinha a
designação de “Casa Criativa”) foi instalado o Centro UNESCO e no segundo
(Centro de Arqueologia e Artes) reina ainda a incerteza. Ambas as situações têm
uma mesma explicação: a falta de um programa das obras de requalificação, que
definisse de forma clara qual o uso futuro do edifício a recuperar e orientasse
os projetos nessa direção.
5.
Então, se no caso do primeiro, parece ser um
facto consumado, em relação ao edifício da Praça da República, torna-se
necessário uma reflexão e uma discussão aberta e descomplexada sobre o seu
futuro, nomeadamente sobre a possibilidade de instalar de forma definitiva o
Museu Jorge Vieira nesse local, coexistindo com um espaço museológico que integre
parte do espólio encontrado nas escavações do Fórum, enriquecendo-o, após a sua
requalificação (algo que não é antagónico, como se observa, por exemplo, no
Museu Picasso, em Málaga).
6.
Nesse espaço seriam instaladas as coleções de escultura
e desenho, um espaço para artistas locais e um outro para exposições
temporárias. Tudo isto, acompanhado, claro pela aposta na dinamização do
próprio museu, em todas as suas valências.
7.
Por outro lado, existem ainda outras razões que
levam à realização dessa reflexão:
7.1. A
comemoração do 100º aniversário do nascimento de Jorge Vieira, com a dignidade
a memória deste grande artista amigo de Beja merece. Além da instalação do
museu num local apropriado, a implementação da identificação das duas obras de
arte, na rotunda à entrada da cidade e junto à Pousada de São Francisco.
7.2. A
integração do museu na Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, criada há
dias https://files.dre.pt/1s/2021/05/09100/0001700021.pdf
https://www.dgartes.gov.pt/pt/noticia/5441
, o que o prestigiaria, ao lado, por
exemplo, do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais (Bragança), Museu de Arte
Contemporânea Nadir Afonso (Chaves), Centro Internacional das Artes José De
Guimarães (Guimarães), Museu Cargaleiro (Castelo Branco), Museu de Arte
Contemporânea/Coleção António Cachola (Elvas), entre outros.
7.3. A
aposta forte na arte contemporânea/coleção Jorge Vieira, como fator
determinante para a promoção do Turismo Cultural, ao lado da aposta nos
patrimónios histórico, cultural e natural.
Sobre este
aspeto e, voltando à hipótese Centro de Arqueologia e Artes, será interessante
refletir sobre uma questão: o que é mais importante para o Turismo Cultural em
Beja? Grandes exposições temporárias, como a Cangiante ou, agora, “A Arte Que É
– III” (sem pôr em causa a sua qualidade) ou a instalação da obra de um dos
mais importantes artistas nacionais (não será por acaso que são dele duas
emblemáticas obras de arte pública em Lisboa, na Praça do Município e no Parque
das Nações, respetivamente)?
Como contributo para a reflexão/debate agora propostos,
anexo dois artigos de opinião publicados no Diário do Alentejo, em março de
2019 e setembro de 2020, respetivamente.
Beja, 24 de julho de 2022
José Filipe
Murteira dos Santos
sexta-feira, 29 de outubro de 2021
EN 18 - viagem entre Beja e Ervidel
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Perto de Santa Vitória - Fevereiro 2020 |
No passado mês de julho teve lugar, na Guarda, o lançamento
da rota Da Serra à Planície, visando a divulgação e a promoção da Estrada
Nacional 18, que começa nessa cidade beirã e termina em Ervidel, onde se
encontra com a tão falada EN2. Entre as duas encontram-se algumas semelhanças e
diferenças. A sua extensão (as duas maiores do País), embora a EN2 tenha quase
o dobro da EN18 (740 e 388 quilómetros, respetivamente); a sua localização no
interior, ligando cidades, vilas e aldeias, algumas destas perdidas e
esquecidas nas serras e planícies; a sua integração em novas vias (IP3 ou IP2),
requalificando e alterando significativamente vários troços; o seu potencial
turístico-cultural, como refere o Clube Escape Livre, o mentor dessa rota : “São 388 quilómetros de aventura,
cultura, história e sabores tradicionais que ligam 14
municípios, 5 Aldeias Históricas e 2 regiões vitivinícolas”.
Como atrás referimos, muitos quilómetros da EN2 estão integrados em IP,
o que faz com, por exemplo, entre Évora e Ervidel, apenas dois pequenos troços,
incluindo o de Beja a esta localidade, correspondam realmente à antiga estrada.
Só que, este último (tal como outras estradas, nacionais ou municipais) sofreu,
nos últimos anos, profundas alterações nas paisagens circundantes, face às
transformações verificadas na agricultura da região, após a construção da
Barragem do Alqueva.
Sem entrarmos em outros temas, alguns polémicos e cujas consequências
não é possível ainda aferir, fiquem-nos apenas pelas alterações atrás
referidas. Para tal, nada melhor que uma viagem nos últimos vinte e um
quilómetros da EN18, entre Beja e Ervidel.
Se, entre Beja e o Penedo Gordo, a paisagem é diversificada, vislumbrando-se
dois dos novos olivais e milheirais, mas também culturas tradicionais e alguns
montes espalhados pelo território, passado o Monte da Almocreva (que
desolação!) inicia-se a nova paisagem, onde predomina o amendoal, uma parte já em
plena exploração, outra mais recente e outra ainda por plantar. Daqui a alguns
meses, será essa a única visão, a partir da estrada, ladeada por amendoeiras ao
longo de vários quilómetros, em que toda a paisagem circundante desaparece da
vista, nomeadamente o Monte da Chaminé do Passarinho e a Estação de Santa
Vitória e mesmo alguns pequenos montados (sobreviventes da Campanha do Trigo do
Estado Novo) foram “invadidos” por essa nova espécie, com os sobreiros quase a
desaparecer da vista. E, se um dia regressar a ligação ferroviária
Beja-Funcheira, torna-se quase impossível vislumbrar, a partir da estrada,
qualquer composição como, por exemplo, a conhecida automotora verde e branca,
que atravessava as searas de trigo ou os campos de girassol.
O amendoal à direita é depois “acompanhado” à esquerda pela mancha de
olival do Monte do Outeiro, olival que vamos encontrar de novo perto de Santa
Vitória. Neste caso é a igreja da aldeia que irá desaparecer da vista, a partir
da estrada e, não fosse a intervenção da Junta de Freguesia que levou a que
fosse demarcada uma faixa de proteção, esse olival estender-se-ia até aos muros
da Casa do Povo ou do campo de futebol.
Entre Santa Vitória e Ervidel encontramos uma novidade nesta nova
paisagem alentejana: os pomares, de um lado e do outro da estrada. Finalmente,
os últimos quilómetros da EN18 voltam a ser ocupados por uma mancha contínua de
olival, que se estende até à EN2 que, vinda do Norte irá até Faro, num encontro
muito pouco feliz, do ponto de vista visual.
Pela descrição atrás feita, não será difícil adivinhar que o tradicional
bucolismo dos campos alentejanos, onde as suas cores se alternavam ao longo do
ano (o castanho, o vermelho e o amarelo), está a dar lugar a uma monótona e
monocromática paisagem, que “apaga” da vista quase tudo à sua volta, tal como
os eucaliptos “secam” tudo os rodeia. Um cartão de visita muito pouco
apetecível, para quem parte da Guarda, à procura dos “recantos que tornam Portugal tão
apetecível”, como se escreve na apresentação da rota.
E, já que atrás nos referimos à estação ferroviária de Santa Vitória,
entaipada há alguns anos, recordemos o anúncio feito em setembro, pela
Secretária de Estado do Turismo, da intenção do governo em vender, ao abrigo do
programa REVIVE, algumas das estações abandonadas, como essa ou o apeadeiro do
Penedo Gordo. Neste momento já decorre o concurso para a venda de seis dessas
estações, incluindo a de Represas (ou melhor, das suas paredes, o que dela
resta).
Numa primeira abordagem ao assunto, até encontrámos alguns aspetos
positivos, não só pelo aproveitamento de edifícios lindos, como é o da estação
de Santa Vitória, mas também pela possibilidade de o caderno de encargos do
concurso contemplar o apoio dessa nova estrutura turística a uma eventual
retoma da ligação entre Beja e a Funcheira, não deixando completamente de lado
essa função (a exemplo do que acontece, por exemplo, de certos postos dos CTT
que funcionam em mercearias).
Só que, numa abordagem mais detalhada, o que encontramos? Uma estação
completamente “cercada” pelos novos amendoais, paisagem pouco apetecível para
quem queira passar uns dias no chamado “Alentejo profundo”. Paisagem que
estende ao longo das ribeiras e dos barrancos, que tomou conta dos montados,
que aterrou lagoas e charcas e que irá acompanhar alguém que queira ir, a pé ou
de bicicleta, da estação até Pisões ou à Albufeira dos Cinco Reis. Ou seja,
algo que levará a potenciais interessados a pensar duas vezes antes de tomar a
decisão de adquirir o edifício em causa, face às alterações verificadas nos
últimos anos nos afamados “barros de Beja”, em nome de um progresso necessário,
mas de difícil conciliação com o meio ambiente e a biodiversidade, tão ricos, diversificados
e belos.
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29 de outubro |
sexta-feira, 23 de julho de 2021
Presente envenenado
De entre os
vários artigos que desmantelaram a constituição do Estado Novo, havia um (o
236º) que estabelecia a nova forma de organização do território, expressa no
seu número um: “No continente as autarquias locais são as freguesias, os
municípios e as regiões administrativas”.
Se, sobre as
duas primeiras, com mais ou menos problemas, o estipulado na CRP tem sido
cumprido, o mesmo já não se passa com o estabelecimento das regiões. Sobre as
várias vicissitudes por que tem passado este processo, não me vou pronunciar
agora; sobre a regionalização, tive oportunidade de dar a minha opinião, nas
páginas do Diário do Alentejo, no dia 24 de novembro de 2017.
A implementação desta nova estrutura territorial implicaria, obviamente, uma redistribuição de atribuições e competências, acompanhadas, claro, dos meios humanos e financeiros para fazer face ao novo quadro legal. Nenhuma autarquia do país – freguesia ou município – seria capaz de fazer face aos novos desafios com os meios de que dispunha em abril de 1974.
Daí que, ao
longo dos anos se tenha assistido a essa transferência, do poder central para o
local, incluindo ainda a passagem de competências dos municípios para as
freguesias. Quanto às transferências para as regiões, como estas não existem, o
que se tem verificado são transferências do poder central para os seus órgãos
desconcentrados (como no caso da gestão de alguns museus nacionais que passou
para as direções regionais de cultura). Um aparte para mencionar uma situação
um pouco aberrante, que foi a criação, no Plano Rodoviário Nacional (versão de
1998) das “estradas regionais”, talvez inspiradas nas “carreteras
autonómicas” dos nossos vizinhos, prevendo a criação, a curto/médio prazo
das regiões no nosso país. Por exemplo, o troço Aljustrel-Castro Verde,
recentemente requalificado, afinal não integra a já mítica EN2, mas sim a
(quase desconhecida) ER2.
No caso das
transferências do poder central para os municípios, o mínimo que se pode dizer
é que tem sido um processo atribulado, não isento de críticas por parte de
muitos autarcas, que vêm em algumas dessas transferências, não um reforço da
intervenção do poder local, mas sim o descartar de serviços e pessoas dos
vários ministérios para as autarquias, numa primeira fase com a aprovação
destas, a partir de 2022, por imposição.
Entre as várias
áreas, destacam-se, sem dúvida, as transferências na Educação, na Saúde e na
Ação Social. Se no caso da primeira em 2021 já havia 123 municípios que
aceitaram as novas competências, na segunda foram apenas 20 (um dos quais o de
Portel), segundo dados da DGAL. No caso da Ação Social, cujo processo está mais
atrasado, só em 2022 é que essa transferência se verificará. Apenas como
indicação refiram-se algumas nas competências que passarão para as autarquias
nas duas últimas áreas: “… o acompanhamento
dos beneficiários do rendimento social de inserção(…)a conservação dos imóveis
[da saúde], a gestão dos assistentes operacionais, o pagamento de rendas,
limpeza e desinfeção, fornecimento de serviços essenciais e arranjos exteriores”.
(LUSA, 30 março 2021). Por exemplo, no site da CM de Portel já podemos ver que
tem sob a sua alçada, além do centro de saúde, mais sete extensões no concelho.
Perante este acréscimo de competências, não
admira, por isso, a contestação que alguns autarcas e a própria ANMP têm vindo
a manifestar. Por exemplo, Rui Moreira já terá feito contas e, no caso do
Porto, só a Ação Social irá significar um aumento de despesa da autarquia de 7
milhões de euros, já que, para uma despesa nessa área de 9 milhões, irá apenas
receber cerca de 2 milhões (JN, 3 maio 2021). Na Educação, é a própria ANMP a
denunciar, num inquérito que fez, que “… as Câmaras Municipais estão a gastar em
educação o dobro das verbas que o Estado dá (…) As
autarquias acusam o governo de calcular em baixa o valor a atribuir. Em 2020,
mais de 180 municípios gastaram com educação 160 milhões de euros a mais do que
os cerca de 100 milhões que receberam do Estado (…) a associação acusa o
governo de estar a fazer as contas por baixo nos últimos anos e de não cumprir
os mínimos” (TSF, 5 maio 2021).
Depois, há ainda algumas particularidades
que, muitas vezes não são tidas em conta e que não se refletem nas verbas a
atribuir às autarquias. Vejamos o caso de Beja, por exemplo. Fruto de
circunstâncias várias que não interessa aqui e agora abordar, a rede de
equipamentos desportivos na cidade é quase toda ela municipal (situação que vem
até de antes do 25 de abril), com todos os custos de funcionamento a isso
inerentes. Em outros municípios (Évora, por exemplo), é o contrário, a grande
maioria dos equipamentos – estádios, pavilhões, piscina coberta – pertence aos
clubes, sendo municipais uma pequena parte. A própria pista de atletismo
inaugurada em 2016, foi construída pelo IPDJ (a de Beja, que data de 1999, foi
da responsabilidade da autarquia).
Para além destes equipamentos, refiram-se
também os culturais, de cuja rede Beja deve sentir um legítimo orgulho, desde a
Casa da Cultura, à Biblioteca Municipal, ao Pax Julia, ao Museu Jorge Vieira e,
mais recentemente, ao Centro Unesco ou ao Centro de Arqueologia e Artes.
E, se no caso dos equipamentos
desportivos, são os clubes os seus grandes dinamizadores, no caso dos
culturais, não obstante o bom trabalho dos agentes e associações dessa área,
tem de ser a autarquia a grande dinamizadora de uma política cultural coerente
e consistente (algo que não se tem visto no mandato que está a terminar), com a
afetação dos meios humanos, financeiros e técnicos que tal acarreta, acrescidos
dos necessários em outras áreas, como a limpeza urbana ou a manutenção das ruas
e estradas municipais.
Sem as devidas contrapartidas
financeiras, o que espera os autarcas que vão ser eleitos em 26 de setembro não
é nada animador, já que a partir de 2022 irão receber um pacote de novas
competências, nas áreas atrás indicadas e em outras que, mais do que um sinal
da importância reconhecida ao poder local e aos seus atores (funcionários
incluídos), mais não é do que um presente envenenado que o poder central lhes
atribui, em nome de uma descentralização apregoada, mas pouco executada.
Uma nota final, ainda em relação a Beja.
Não deixa de ser estranho (no mínimo) que a área em que a autarquia recebeu
mais competências em 2021 – a Educação – seja a única que não tenha, até ao
momento, dirigente intermédio nomeado, ao contrário de todas as outras em que
decorreram concursos na mesma altura. Numa área tão complexa, não se compreende
que tal não tenha ainda acontecido.
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23 julho |
quarta-feira, 7 de julho de 2021
segunda-feira, 21 de junho de 2021
Pequeno passo.
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O que temos : as 450 a diesel (com mais de 50 anos) - Foto: Nelso Silva |
Na semana que passou a CP deu-nos a conhecer (finalmente) duas notícias positivas para Beja e para a região. A primeira foi o início de mais uma ligação de Beja a Lisboa (com o inevitável transbordo em Casa Branca) e a segunda o reatar das ligações entre Beja e Évora, estas suspensas (tal como a ligação direta a Lisboa) há mais de onze anos).
Notícias positivas, porque quebram mais de uma década de ostracismo a que essa empresa pública nos tem votado e que começou em 2011, quando Beja deixou de fazer parte de uma linha (na qual era uma componente importante), para passar a ser um ramal, num claro sinal de abandono, em que os principais responsáveis são os governos que, desde esse ano, pouco ou nada têm feito para repor o que existiu entre 2004 e 2010: uma ligação direta a Lisboa, após 140 anos de um outro transbordo, este no Barreiro.
Estas duas
notícias não fazem, por isso, esquecer o mais importante e que, pelas últimas
informações, ainda demorará a chegar e pelo qual nos temos batido desde que
esta ligação foi interrompida para a eletrificação da linha de Évora.
Por um lado, a
“Modernização do troço Casa Branca-Beja da Linha do Alentejo, incluindo
eletrificação e instalação de sistemas de sinalização e telecomunicações “ (PNI
2030), cuja conclusão estava prevista para 2025 e que acaba de dar o primeiro
passo, com o lançamento do concurso para os estudos e projetos, já foi
“empurrada” para 2027 : “O lançamento da
empreitada será feito em 2024 e a obra decorrerá em 2025, 2026 e, porventura,
ainda no início de 2027”, afirmou o presidente da IP, António Laranjo, durante
uma audição na Assembleia da República” (Agência LUSA, 8 de junho).
Por outro lado, a aquisição de comboios
híbridos (a diesel e eletricidade), que serviriam, entre outros objetivos, para
ligar Beja a Lisboa enquanto a linha não estivesse completamente eletrificada,
cujo concurso foi lançado em janeiro de 2019 e que previa a entrega dos
primeiros em 2023, estava, há um mês, “parado” no Tribunal de Contas, o que
iria atrasar em um ano (pelo menos) essa entrega (de 2023 para o final de
2024).
Esta tinha sido, aliás, uma hipótese colocada pelas delegações do movimento de cidadãos criado em janeiro de 2011, em reuniões realizadas com os secretários de estado Correia da Fonseca (25 de março de 2011) e Sérgio Monteiro (29 de julho de 2011): a possibilidade de manter comboios diretos Beja-Lisboa, a diesel até Casa Branca e elétricos daqui até Lisboa. Ambos responderam que não era possível, com o argumento que a CP não dispunha desse tipo de comboios. E, se no caso do primeiro, foi ainda referido que iria ver com a CP a hipótese de manter pelo menos duas ligações diárias (a diesel), o segundo informou que iria tentar integrar a eletrificação da linha no plano ferroviário que o seu governo ia fazer, para incluir no Portugal 2020. Ora, como se veio a verificar, nem uma nem outra hipótese se vieram a concretizar. E nem a mudança de governo, no final de 2015, veio a alterar a situação, já que o novo plano – Ferrovia 2020 – apresentado em fevereiro de 2016, manteve as opções tomadas pelo anterior (o PETI3+), excluindo a eletrificação do troço Beja-Casa Branca.
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Sabia que...em Junho de 1968, quando a CP adquiriu as 10 locomotivas diesel-elétricas English Electric série 1801-1810, estas eram as mais velozes à época? in https://www.facebook.com/CP/ |
Há, mas para isso não basta o justo protesto dos cidadãos indignados e dos seus movimentos (tantas vezes ignorados ou vilipendiados), terá de haver uma voz única, destes, de autarcas, de deputados, das chamadas “forças vivas” locais e regionais, no sentido de se chegar a uma solução que não espere por 2024 ou 2027. Uma voz que se faça ouvir pelo governo para que, por uma vez, haja a necessária vontade política que tem faltado nos últimos onze anos e que leve a CP a resolver esta situação de discriminação das populações alentejanas.
Uma solução que
poderá passar, por exemplo, pelo aluguer à RENFE de dois comboios híbridos (que
levam entre duas e oito carruagens), do género dos que essa empresa usa há anos
para fazer a ligação Madrid-Galiza e que poderiam realizar três ligações
diárias Beja-Lisboa, diretas e nos dois sentidos. Afinal, esta solução está
neste momento em vigor: até ao final de 2022 a CP tem um contrato de aluguer de
24 automotoras diesel, pelo qual paga à RENFE 8,3 milhões de euros por ano.
Caso a empresa espanhola pudesse fornecer esses dois comboios, porque não incluí-los
nesse pacote, renegociando o contrato?
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Comboio híbrido Madrid-Galiza. Foto : Renfe |
Para que essa vontade política exista, é preciso uma unidade, a nível local e regional que, infelizmente não tem existido, não obstante os vários apelos públicos, como os que, por exemplo, tenho feito nas páginas dos jornais da nossa região e que, para concluir, relembro:
“… seria muito bom vermos os autarcas de
Beja, Cuba, Alvito, Viana do Alentejo, Vendas Novas, unidos, ao lado dos
cidadãos que lutam pelas ligações directas a Lisboa, por comboio…” (Correio
Alentejo, 8 junho 2012).
“ Agora que a “poeira” eleitoral assenta e que se vai dar
início a um novo ciclo político, com um novo Parlamento e um novo Governo,
seria bom que os três deputados eleitos por Beja [Pedro do Carmo, João Ramos e
Nilza de Sena] se unissem e, deixando para trás naturais divergências,
elaborassem um documento, curto mas incisivo, que se concretizasse num projeto
de resolução ou numa recomendação, com dois objetivos “mínimos”: a
eletrificação da linha Beja/Casa Branca e a retoma das obras da A26, entre Beja
e Santa Margarida do Sado” (Diário do Alentejo, 9 outubro 2015).
E, a propósito desta última (pelos vistos atirada de novo
para o esquecimento), transcrevo o que escrevi na citada crónica de junho de
2012: “… ou ainda os [autarcas] de Beja, Ferreira, Grândola, Alcácer, Santiago
e Sines, juntos pela A26, que tão tarde arrancou e que vai parando e avançando
aos soluços...”
Embora esta crónica seja sobre comboios, aqui fica de novo o
apelo a estes eleitos para que, mais uma vez, não fiquemos para trás e se
conclua a inacabada A26, o que, pelas últimas notícias, está em risco.
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18 junho |
sexta-feira, 26 de março de 2021
Participar
Foto : Tiago Petinga/Lusa
“Um dos
défices que identifico na sociedade portuguesa é o da cidadania participativa.
Inquietemo-nos. Participemos“ (1)
Daqui a um mês
comemoramos (ainda que com as necessárias restrições) mais um aniversário do 25
de Abril. Três anos depois, será uma comemoração especial (e, esperemos, sem
condicionantes, para que tenha a devida dimensão e a merecida dignidade): o Cinquentenário.
Em 2024, pelo segundo ano, o nosso País festejará mais anos de Liberdade do que
aqueles que viveu em ditadura.
Para além das
indiscutíveis mudanças e conquistas trazidas por essa data libertadora, há algumas
áreas que ainda têm um longo caminho a percorrer. Refiro, entre outras, a
regionalização e a participação cidadã. Sobre estes dois temas já tive
oportunidade de escrever no Diário do Alentejo (24 de novembro de 2017 e 12 de
julho de 2019, respetivamente). Volto à segunda, muito pela notícia da
“despromoção” da nossa Democracia no Democracy Index, estudo anual da
revista The Economist: de “país totalmente democrático” em 2019, para
“democracia com falhas” em 2020.
Sem querer
escalpelizar esta situação, abordo apenas um parâmetro que até manteve a mesma
pontuação (por sinal muito pouco confortável), a Participação Política (6,11 em
10), muito longe da Noruega ou da Suécia (10) e igual a países como o
Bangladesh e ou o Lesoto.
Não repetindo
o que já escrevi em 2019, onde enumero alguns dos fatores que, em minha
opinião, contribuem para essa tão baixa participação dos cidadãos na “coisa
pública”, acrescento duas outras decisões que irão diminuir ainda mais essa
participação, aprovadas em julho do ano passado, na Assembleia da República,
ambas com os votos dos partidos do chamado “centrão”, o PS e o PSD.
A
primeira, que aumentou o número de cidadãos necessário para uma petição ser
discutida no plenário da AR, de 4000 para 7500 (a proposta inicial, vetada pelo
Presidente da República, era ainda mais restritiva, ao exigir 10000
assinaturas). A segunda (que, na altura teve algum impacto – Expresso, 21 de
agosto), que impõe uma série de exigências aos movimentos independentes
candidatos às autarquias locais. O seu caráter limitador à participação cidadã provocou,
entretanto, um debate tão intenso, que já se fala na eliminação de algumas
dessas medidas no final deste mês.
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Petição : 15071 assinaturas em papel, 3651 pela internet. |
Só para termos uma ideia do que se trata, recuemos a 2013. Nas eleições desse ano um grupo de cidadãos resolveu concorrer sob a mesma sigla (Por Beja com Todos) a várias autarquias do concelho de Beja – à Câmara, à Assembleia Municipal e a cinco Assembleias de Freguesia/União de Freguesias. Se a lei aprovada o ano passado (Lei Orgânica 1-A/2020) fosse aplicada, em cada uma dessas autarquias teria de ser apresentada uma candidatura própria, sem qualquer ligação às restantes e sem a mesma sigla. Ou seja, esse grupo de cidadãos, que se juntou por princípios comuns, teria de ser “retalhado” em sete candidaturas diferentes (o que não acontece nas candidaturas partidárias).
Foto : Blogue AlvitrandoSe analisarmos o que se passa a nível regional e local, também não faltam exemplos de atitudes de desvalorização da participação dos cidadãos na vida das suas comunidades. Desde logo, o modo como são tratados os movimentos de cidadãos que lutam por certos direitos, como as acessibilidades (rodo e ferroviárias) em condições. “Alarido” e “gritaria” são apenas dois dos epítetos atribuídos por alguma partidocracia a essas lutas que, entre outras ações, já passaram por petições com milhares de assinaturas, discutidas na AR, por reuniões com deputados, governantes (em várias legislaturas) e com o Presidente da República, deslocação ao Parlamento Europeu, só para citar algumas.
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Casa da Cultura - 5/5/2011 Foto : Filipe Campaniço |
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Ovibeja - 8/5/2011- à espera do Presidente Foto : Lopes Guerreiro |
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29/6/2011 - gravação do hino do Beja Merece + Foto : João Espinho https://www.youtube.com/watch?v=60DIvh1kS4A |
Por outro
lado, embora se fale na falta de “massa crítica” na região, acontece com alguma
frequência (este ano poderá voltar a suceder) que, em períodos pré-eleitorais
autárquicos, se convidem alguns cidadãos ligados a determinadas áreas –
urbanismo, cultura, educação, turismo, desporto – para debates abertos à
sociedade, em que se discutem esses temas. Só que, passado o período eleitoral
e instalados os eleitos locais, estes assumam uma postura oposta a essa
abertura manifestada alguns meses antes, ignorando contribuições e ideias
desses mesmos cidadãos, como se fossem autossuficientes ou lhes bastasse ouvir
os seus correligionários políticos.
E que
dizer do ostracismo a que foi votado um dos primeiros (e poucos) conselhos
municipais da Cultura, precisamente o que foi aprovado em Beja em 2008? Um
instrumento importante para a participação de agentes e associações culturais
na discussão e formulação de políticas culturais concelhias e regionais, foi
pura e simplesmente metido na gaveta pelos três executivos municipais que se
seguiram. Neste momento, nem o seu regulamento consta no site da CM Beja. Não
deixa de ser irónico que há dias, uma notícia sobre a candidatura de Oeiras a
Capital Europeia da Cultura em 2027, indicasse que uma das estratégias seria a
criação de um CMC (treze anos depois de ter sido criado o de Beja).
Regulamento n.º 56/2008, 30/1/2008 : https://dre.pt/application/conteudo/1123100
Mais
haveria para dizer sobre a questão da participação dos cidadãos na vida da sua polis,
mas pelo que atrás se referiu, uma das premissas para que tal aconteça é o fim
da desconfiança e até hostilização com que muitos desses cidadãos são encarados,
a maior parte das vezes porque algumas das suas opiniões não coincidem, em
determinados momentos e sobre determinados temas, com as dos políticos
instalados. Quando isso acontecer, talvez a pontuação na Participação Política
possa subir uns pontos, para que Portugal volte novamente a ser um país
“totalmente democrático”.
(1) António Saraiva, Presidente da CIP, no
último Prós e Contras (RTP1), 28 de setembro de 2020.
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O que os cidadãos de Beja querem |
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26 de março |