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sábado, 20 de abril de 2024
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024
Notas d’Abril : Revolução.
Quando iniciava o tema 25 de Abril nas aulas do
12º Ano, partilhava sempre com os alunos duas notas, a primeira das quais de
índole pessoal: foi um privilégio (único na maioria das gerações) ter vivido e
participado naqueles momentos de transformação nas nossas vidas; comparar esses
dias frenéticos (revolução) com a atualidade (evolução), é o mesmo que comparar
um carro à velocidade de 100 km/hora (por vezes desgovernado e imprevisível)
com outro a 10 km/hora, em que tudo (ou quase) é previsível.
Perante a sua natural curiosidade, de entre os
vários episódios relatados, destaco o visionamento do vídeo da RTP Ensina sobre
a prisão dos pides em Beja (que interrompeu a aula de Filosofia na sala 13,
mesmo em frente à vivenda da avenida Vasco da Gama onde tudo estava a
acontecer). Memorável para os alunos era a visita de estudo ao Museu do Aljube,
em Lisboa, onde se confrontavam com os métodos da ditadura, como a censura ou
os horrores da tortura, num local onde podiam ainda observar (e aí entrar) os
tristemente célebres “curros”, celas minúsculas, claustrofóbicas. Mas era
também nesse museu que testemunhavam a Resistência, nos rostos e nas
vozes de homens e mulheres que lutaram pela Liberdade, muitos em troca da
própria vida.
Os três “D”.
Há cerca de quatro meses (24.11.2023), numa
entrevista à revista E/Expresso, o major Mário Tomé, um dos protagonistas do 25
de Abril, disse algo que contradiz, de certo modo, o que se passou a seguir: “Grande
parte do pessoal que fez o 25 de Abril (…) o que queria era um 28 de Maio
democrático. Derrubavam o Governo e depois iam para os quartéis, como era
dantes.”
De facto, Democratizar não era o único objetivo
do MFA, havia outros dois, Descolonizar e Desenvolver. Sérgio Godinho, no seu
primeiro álbum editado em democracia, interpretou bem esses objetivos ao cantar
“Só há liberdade a sério quando houver / A paz, o pão, habitação, saúde,
educação”.
Alcançadas as liberdades – individuais, políticas,
de expressão, de reunião, de associação – no “golpe de estado” referido pelo
major Tomé, quase sem oposição por parte do regime, quase sem derramamento de
sangue (apenas manchado pelo assassínio de quatro cidadãos pelos esbirros da
PIDE/DGS), o passo seguinte era acabar com a guerra, algo que só poderia ser
feito com a aplicação do segundo objetivo: Descolonizar.
Para se explicar esse momento da nossa História
(bem como a guerra colonial que o antecedeu), é preciso recuar alguns anos,
quando o ditador Salazar preferiu o isolamento internacional (desde a ONU ao
Vaticano), ao recusar o que os países europeus fizeram nos anos 50 e 60 do
século passado: a descolonização de África. Este “orgulhosamente sós” do
ditador custou caro em vidas humanas: mais de oito mil soldados portugueses
mortos (jovens empurrados para uma guerra que nada lhes dizia), tal como milhares
de guerrilheiros dos movimentos de libertação (os “terroristas”, na linguagem
da ditadura) ou os massacres de civis inocentes (como o levado a cabo pela UPA,
em Angola ou o de Wiryamu, em Moçambique).
Por tudo isto, foi um processo traumático e
doloroso o regresso de milhares de pessoas
das colónias africanas, deixando para trás toda uma vida, memórias e afetos,
tal como foram dramáticas as guerras civis que se seguiram nos novos países
independentes. Não foi o 25 de Abril, mas sim o regime ditatorial derrubado
pelos militares o responsável por esta situação vivida nos primeiros anos da
nossa democracia.
O PREC.
No dia 20 de abril de 1942, uma delegação dos
chamados “sindicatos nacionais” (com direções nomeadas pelo regime) foram
recebidos pelo “Chefe da Revolução Nacional”, para lhe expor as linhas gerais
de um documento assinado por dirigentes (autointitulados de seus “soldados
fiéis”) de 56 sindicatos. E que retrato do país mostrava esse documento? Falava
do “agravamento constante do seu [das “massas trabalhadoras”] penoso viver,
fustigado, cada vez mais, pelas mais duras misérias”, do “crescimento da
miséria social”, ao mesmo tempo que se verificava o “crescimento largo da
riqueza de alguns à custa de todos” – J.P. Castanheira, Os últimos do Estado
Novo, pág. 260/261.
Em 1968, último dos trinta e seis de Salazar
como Presidente do Conselho, o sociólogo e professor universitário Adérito
Sedas Nunes publica a obra Sociologia e Ideologia do desenvolvimento, um
conjunto de estudos e ensaios onde, entre outros aspetos, aborda a situação do
país em diversas áreas, comparando-a com “16 países da Europa [ocidental]” : “…somos
o penúltimo, na capitação do consumo de energia (…) nas taxas de escolarização
(…) na capitação do consumo de carne (…) atrás de nós só a Turquia (…) somos o
último na capitação do consumo de leite (…) na capitação diária de proteínas
(…) na proporção do número de alunos do ensino superior para o conjunto da
população…”
Não admira, pois, que, dois anos após a publicação deste
livro, os dados estatísticos refletissem os elevados níveis de pobreza e os
baixos índices de desenvolvimento, a que não serão alheios os custos da guerra
colonial, cerca de 21,8 mil milhões de euros, o que significava um gasto anual
médio de 22% das despesas do Estado (estudo de Ricardo Ferraz, editado em
2019).
Assim, por exemplo, em 1970, os dados do INE eram os
seguintes: mortalidade infantil – 55 por mil; analfabetismo – 25,7%; casas com
água canalizada – 47,4%. Consequência deste atraso eram as elevadas taxas de
emigração económica, a que se juntavam o exílio político e a fuga à guerra: só neste ano emigraram 180 mil portugueses, 110
mil dos quais eram clandestinos.
Conquistada a liberdade, terminada a guerra, inicia-se um
período de grandes transformações económicas e sociais, seguindo o terceiro
lema do MFA – Desenvolver. É o tempo do PREC – Processo Revolucionário em Curso
–, expressão muitas vezes caluniada e denegrida, “… um novo tempo histórico,
num novo espaço social…” em que “… três milhões de pessoas participaram
diretamente…” – R. Varela e R.D. Santa, Breve História de Portugal – A era Contemporânea, pág. 380 e 386.
É uma época com um caráter anticapitalista que a maior parte
das forças políticas adotou (tal como largos setores militares), para combater
o “capitalismo selvagem” protegido pela ditadura, aliada dos grandes grupos
monopolistas. Selvagem, mesmo no estrito sentido do termo, ao reprimir
violentamente trabalhadores, com aconteceu com o assassinato de Catarina
Eufémia em 1954 ou dos dois mineiros de Aljustrel, em 1962.
Em 1974, quase todas as forças políticas defendiam o
socialismo, ainda que com cambiantes diferentes, adotado em várias latitudes:
na União Soviética e no leste europeu, na China, na Albânia, na Jugoslávia ou na
Europa do Norte. À distância de quase cinquenta anos, não deixa de ser
esclarecedor ler declarações como esta, de António Rebelo de Sousa, destacado
militante do então PPD, numa mesa redonda onde estavam também dirigentes do PS,
a LUAR e do MRPP (!): “… não há qualquer possibilidade objetiva de uma
democracia de tipo conservador em Portugal (…) a sua [do PPD] opção é uma opção
socialista a longo prazo, no sentido em que defende que as alavancas do poder
político e económico devem ser controladas pelas classes trabalhadoras…” – in
revista Manifesto, nº 5, Janeiro de 1975.
De resto não deixa de ser significativo o facto de na
Constituição de 1976 (aprovada já depois do 25 de Novembro) que apenas teve o
voto contra do CDS, continuarem expressões como “o caminho para a sociedade
socialista” ou uma “República soberana empenhada na transformação numa
sociedade sem classes”.
Cinquenta anos depois, mais do que criticar a posteriori os eventuais excessos de um
período revolucionário, nada comparáveis com a violência radical das duas
grandes Revoluções da História, a Francesa, em 1789 e a Russa, em 1917,
interessa conhecer e estudar às suas causas
mais profundas, que encontramos, precisamente, na História. Como dizia Alberto
Martins, a propósito dos cinquenta anos da crise académica de 1969: “ Só quem compreende o passado pode sonhar e
construir o futuro “ (Público, 23 de abril de 2019).
Aspetos importantes deste período único da nossa História,
não podem (nem devem) ser justificados com discursos simplistas ou ideológicos,
com expressões como “se tivesse sido assim” ou mesmo considerados tabus,
impedindo a sua análise e discussão.
Por exemplo, a Reforma Agrária, cujas causas encontramos na
literatura (Seara de Vento, de Manuel da Fonseca) ou no cinema (Raiva, de
Sérgio Tréfaut): a pobreza da maioria do povo alentejano, que contrastava com a
riqueza dos grandes proprietários agrícolas, apoiantes do regime (que os
protegia com as suas forças repressivas, PIDE e GNR) e que contavam, ainda, com
a cumplicidade de parte significativa da Igreja Católica.
Mas também em estudos académicos, como o que foi publicado
originalmente pela Universidade de Oxford em 1971 e que, por razões óbvias, só
em 1977 foi editado em Portugal (com o título “Ricos e Pobres no Alentejo”).
Nele, José Cutileiro dá-nos uma pormenorizada visão da freguesia alentejana por
si estudada (com o pseudónimo de Vila Velha), nomeadamente na primeira parte,
Posse da Terra – Estratificação Social. Como escrevia a revista The Political
Quarterly em 1976, “ José Cutileiro (…) estudou uma sociedade dominada ainda
pelo analfabetismo, pela superstição e pela miséria, cujas reivindicações
políticas eram implacavelmente reprimidas “. E citando o autor, “… quem quer
que esteja familiarizado com os trabalhadores sabe que estes reprovam vivamente
a actual distribuição da terra (…) São unânimes em sustentar que, pelo menos os
grandes latifundiários deveriam ser sistematicamente expropriados da maior
parte das suas terras “.
23 fevereiro 2024 |
sexta-feira, 26 de janeiro de 2024
Notas d’Abril: Janeiro 1974.
A aldeia.
Em Janeiro de
1974 morava na aldeia. Não já na casa onde nascera 15 anos antes, mas numa
outra, distante cem metros que, naquela tarde de 1972, quando saí do autocarro,
vindo de Beja, me pareceram cem quilómetros, tal a tristeza que senti. Os meus
amigos, vizinhos, sítios de brincadeira, ficavam para trás, tal como a casa da
Rua da Estrada Nova, substituída pela da Rua das Eiras, maior, com melhores
condições e com um quintal mais amplo.
A rua onde
nasci e vivi 14 anos tinha esse nome pouco convencional, que nós abreviávamos
para “Estrada Nova”. Não era assim tão nova, tinha sido construída no final do
século XIX, tal como a ponte sobre a ribeira.
A “estrada
nova”, que ligava a aldeia a Beja, numa distância de 16 quilómetros, trouxe
inúmeras vantagens, de que se destaca a ligação à capital do distrito, passando
junto à estação ferroviária situada na linha Barreiro-Beja-Vila Real de Santo
António, o que facilitava a mobilidade da população.
A nova estrada
trouxe também outras alterações, sobretudo no urbanismo da aldeia, até aí
desenhado sobre uma pequena colina, debruçada sobre a ribeira que a abraçava. A
“nova” aldeia vai estender-se ao longo da nova via, com a construção de habitações,
incluindo mercearias, tabernas, sapateiros e ferradores. Mas, o que mais marca
a agora Rua 25 de Abril, é aquilo que podemos designar como um complexo
agroindustrial, que englobava uma fábrica de moagem, um lagar de azeite, uma
grande cavalariça, para além de vários casões de apoio à atividade agrícola.
A estrada trouxe ainda outras
mudanças, que transformaram a fisionomia da aldeia, com a construção, na nova
entrada desta, da escola e da Casa do Povo. Junto a elas nasceria ainda o campo
de futebol, tornando-se os três espaços novos polos de atração para os
habitantes de todas as idades.
Era na Casa do Povo que quase tudo se passava
(a sociedade recreativa já tinha sido extinta): desde as consultas do médico
aos bailes, da televisão ao cinema ambulante e onde se liam os jornais. Foi aí
que assisti ao mundial de 1966, aos Sete Magníficos e era no seu exterior que
esperávamos, nas noites quentes de Agosto, pela música que abria o resumo do
dia da Volta a Portugal.
Em 1974, ainda que sem balneários, iluminação
(desde crianças que corríamos atrás da bola, muitas vezes até se ver apenas
esta e os nossos vultos) ou vedação (a primeira foi feita com sulipas cedidas
pela CP e com trabalho voluntário), Santa Vitória tinha o “privilégio” de
possuir um campo de futebol (algo que muitas aldeias da região não tinham), o
que fez com que, desde 1968, a equipa da Casa do Povo participasse no
campeonato da FNAT.
E foi também em 1968 que um novo elemento veio fazer
parte da aldeia: a Barragem do Roxo. O seu enchimento foi vertiginoso,
com as suas águas a invadir quintais e
hortas, entrando até pela oficina situada junto à ponte. E era na barragem, para
onde ia de bicicleta, em grupo ou sozinho, que passava parte do meu tempo
(sobretudo nas férias escolares), na pesca ao achigã, o novo peixe aí
introduzido, mais aliciante que as pardelhas ou os bordalos da ribeira.
Em Janeiro de
1974 éramos felizes na aldeia, ainda que, devido à pobreza e à falta de
trabalho de muitos dos seus habitantes, amigos de infância e suas famílias a deixassem.
Aos poucos deixou de haver barbeiros e sapateiros, algumas “vendas” e
mercearias fecharam mesmo. “Luxos” como o abastecimento de água ou os esgotos
das habitações e a recolha do lixo não existiam. A Mina da Juliana, que
pertencia à freguesia não tinha luz elétrica (além de uma parte das casas ter
sido destruída pelas águas da barragem).
Os habitantes
da aldeia não tinham qualquer participação na escolha do presidente da Junta de
Freguesia, que era nomeado pela ditadura.
A escola.
Em Janeiro de
1974 era aluno do Liceu Nacional de Beja, no 1º Ano do Curso Complementar
(antigo 6º Ano, atual 10º Ano). Fizera, até aí, um percurso um pouco diferente
do habitual.
Com cinco anos e meio, frequentei a escola de Santa
Vitória-Gare, onde a professora era a minha tia Bia, regente escolar e que acolhia
alunos de vários locais, como os filhos dos ferroviários (a estação ficava
mesmo em frente), de trabalhadores do monte do Outeiro e de outros montes à
volta. No ano letivo seguinte, quando completei a idade legal para entrar na
escola primária, fui para a escola da aldeia onde, graças a esse ano que passei
na escola da estação, apenas estive três anos.
Em 1968 iniciou-se uma nova etapa, as aulas em Beja, que
durou até 1975. E, com ela, grandes mudanças, logo no primeiro ano. A escolha
entre ensino liceal e ensino técnico logo após a 4ª classe, fora reconhecida
pelo regime como “demasiado precoce”, tendo sido criado o “ciclo preparatório
do ensino secundário”, com duração de dois anos, iguais para todos os alunos,
tendo sido abolidos os exames de admissão. Fui, assim, aluno do primeiro ano de
funcionamento da Escola Preparatória de Mário Beirão, criada por uma portaria
de 9 de setembro de 1968 e que iria funcionar num anexo do liceu de Beja. Sinal
dos tempos, a turma era exclusivamente masculina.
Seguiram-se os três anos do Curso Geral dos Liceus (a
unificação desse ciclo, o atual terceiro, só se iniciaria em 1976), findos os
quais iniciei o Curso Complementar, na área de Letras (atual área de
Humanidades), numa turma quase exclusivamente feminina. Estes dois últimos anos
tiveram claramente duas etapas, antes e após o 25 de Abril.
Em Janeiro de 1974, além das disciplinas normais, ainda
tínhamos a OPAN, Organização Política e Administrativa da Nação e havia a
política do livro único. Como, entretanto, deixara de ser obrigatória a
frequência, “safei-me” da Mocidade Portuguesa.
Numa escola conservadora, como era o Liceu de Beja,
destacava-se a professora de Filosofia (que me tratava por “Sócrates”), jovem, recém-chegada
da faculdade e que não tinha problemas em citar Marx, além de Aristóteles ou
Platão e que chegou a levar um grupo de alunos a Lisboa, para assistir, na cave
de uma conhecida cervejaria, a uma peça de teatro (A Ceia) de um grupo com um
nome bem elucidativo: Comuna. Um dia, para a “provocar”, deixei à vista, na
aula, o livro (proibido na altura) “A História me absolverá”, de Fidel Castro, emprestado por um colega. No final da aula,
chamou-me para me repreender por andar com esse livro à mostra, dado o perigo
que isso representava. Foi essa mesma professora que me
incentivou a ler Sartre e Camus.
Os livros e os jornais.
A minha relação com os livros começou muito cedo,
tal como muitas crianças que viviam nas aldeias, através da biblioteca
itinerante da Gulbenkian, neste caso a 28, com o inestimável contributo do
senhor Alberto Veríssimo, que nos aconselhava este ou aquele livro. Após o 25
de Abril tive uma agradável surpresa, ao conhecer o seu passado antifascista,
com passagens pelo MUD e CDE e apoio a Norton de Matos e Humberto Delgado.
Em janeiro de 1974 já tinha uma pequena biblioteca, sobretudo
com livros de duas coleções de bolso, das editoras Minerva e Europa América,
comprados na SAMID durante o ano anterior (“Os homens e os outros”, de Elio
Vittorini foi adquirido em 27-7-1973, a data que nele registei). Seguindo o
conselho da professora de Filosofia, li dois dos livros que me marcaram para
toda a vida (por sinal, peças de teatro): “As mãos sujas”, de Sartre e “Os
justos”, de Camus. Sobre esta, retive uma mensagem que, embora pareça
contraditória, me tem acompanhado desde que a li: a justiça é uma abstração, logo, não existe; há homens
justos, que procuram, ao longo da sua vida, praticar a justiça.
Em 1971 comecei a comprar, na Tó-Pequi do senhor Barrocas, a
revista Mundo da Canção que, além de escrever sobre o festival Vilar de Mouros
e Elton John, reproduzia letras de músicas que desconhecia, de cantores como
José Mário Branco ou Adriano Correia de Oliveira, que iriam mesmo surgir em
capas.
Desde muito novo que lia, na Casa do Povo, o Diário do
Alentejo e a revista Flama. Em 1971, apareceu na aldeia o jornal Época, que era
distribuído gratuitamente e que me chamou a atenção porque tinha um suplemento
juvenil. Incentivado pela professora de Português da altura, comecei a enviar
textos, inicialmente composições da escola, que foram publicados durante dois
anos, mas que evoluíram depois para outros temas mais “sérios”, como “Porquê há
hippies” (9.6.71), “A poluição” (8.2.72) ou sobre o barulho dos aviões alemães
na pacatez da planície bejense. Até que, em 1973, descobri que o jornal
pertencia à ANP, o partido único do regime e deixei de colaborar nesse
suplemento. Entretanto, num espaço que comecei a frequentar em novembro desse
ano – o Centro de Juventude -, lia o Diário de Lisboa, jornal oposicionista.
Um dia, em Outubro ou Novembro, entrei
timidamente na redação do Diário do Alentejo, instalada na Praça da República,
no mesmo prédio da livraria e da gráfica que o imprimia. Lá estavam o José
Moedas e o Manuel Sousa Tavares, cujos escritos eu admirava. E, ao fundo, o
diretor, Melo Garrido, a quem me dirigi, falando-lhe do meu gosto pelos
jornais, da intenção de ser jornalista e de como gostaria de ver publicado no
Diário do Alentejo algo da minha autoria. Disse-me,
então, para lhe enviar um texto, para ele analisar e decidir sobre a sua
publicação. Assim fiz e, no dia 23 de Dezembro desse ano, era publicado um
conto com o título “A Moda”, de que retiro estas citações: “ Sorte
malvada, dizia ele. Até já lhe morrera um moço na tropa e agora já lá estava
outro (…) Não queria trabalhar. Os ricos que o fizessem. Nele, já
ninguém punha as mãos em cima. “
Janeiro de 1974 : nestas duas frases de um jovem de 15 anos,
estava, afinal, a forma como iria encarar o futuro, fruto das vivências e das
circunstâncias, em parte (pequena) aqui relatadas: a aldeia, a escola, os
livros e os jornais. Mal sabia esse jovem que, dois meses depois, tudo iria
mudar: a Revolução.
quarta-feira, 27 de setembro de 2023
NOTAS SOLTAS
(Da esquerda para a direita: Rosinda, Maria Alice, Mariana, Gertrudes e Irene. Só a Maria Alice não era cunhada da Maria). |
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