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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Ligações ferroviárias a Beja: um copo meio cheio.

Parafraseando Baptista Bastos (mais tarde replicado, à sua maneira, por Herman José): “Onde estavas no dia… 23 de janeiro de 2011?”

Um domingo que amanheceu frio e com aquela chuva miudinha, que incomoda mais do que molha. Um domingo de inverno, que podia ser igual a outros, mas que tinha algo de diferente: eleições presidenciais, que seriam ganhas por Cavaco Silva, com maioria absoluta, iniciando, assim, o seu segundo mandato.

Tal como em outros locais onde se votava, nas imediações da escola do Salvador um grupo de bejenses (onde eu estava incluído) recolhia assinaturas para uma petição, assinada de forma entusiasta e consciente por centenas de cidadãos. Essa tinha sido a primeira ação decidida na reunião realizada cinco dias antes, no auditório da Biblioteca Municipal, na sequência do comunicado da CP, no dia 7, anunciando o fim da ligação ferroviária direta Beja-Lisboa, com a introdução de um transbordo em Casa Branca.

Três eram os objetivos dessa petição: manter as ligações diretas a Lisboa; a eletrificação da linha Beja-Casa Branca; a manutenção da ligação ao Algarve, através da linha Beja-Funcheira.

O descontentamento dos bejenses era tão grande que, em menos de um mês, a petição recolheu 15071 assinaturas (mais 3561 online), sendo entregue ao Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, no dia 16 de fevereiro.

 
A esta ação seguiram-se, durante os meses e anos seguintes, inúmeras outras, quer em Beja, quer em Lisboa, como as concentrações no Largo da Estação ou as reuniões com governantes, grupos e comissões parlamentares e administração da CP, a receção aos políticos aquando das visitas à OVIBEJA, como na edição de 2016, quando foi entregue ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa e ao primeiro ministro António Costa um documento que continha todas as informações sobre o assunto.

Passados catorze anos, qual o ponto da situação desses três objetivos? Começando pelo fim, a linha Beja-Funcheira, encerrada no dia 1 de janeiro de 2012, assim continua; a ligação Beja-Lisboa continua a fazer-se com o transbordo em Casa Branca, na mesma linha não-eletrificada, como em janeiro de 2011.

Tal acontece por uma razão óbvia: a falta de vontade política dos vários governos, ao esquecer a região, não tomando as medidas que podiam contribuir para a tão propalada (mas pouco aplicada) “coesão territorial”. Por exemplo, uma das soluções propostas pelo movimento de cidadãos para manter as ligações diretas a Lisboa, quando a linha fosse reaberta em 2011, após a eletrificação de Bombel a Évora, era o recurso a comboios mistos (diesel e elétricos), como acontecia em algumas linhas de Espanha. Esta proposta foi feita aos secretários de estado dos governos de José Sócrates e de Passos Coelho, em reuniões realizadas em 25 de março e 29 de julho desse ano e por ambos foi rejeitada.

Em Abril de 2014 era apresentado pelo governo PSD/CDS o PETI3+, o Plano Estruturante de Transportes e Infraestruturas, para o horizonte temporal 2014-2020. Sobre as três reivindicações da petição atrás referida, nem uma linha. O mesmo viria a acontecer, quase dois anos depois, já com o governo do PS, com o chamado Ferrovia 2020, apresentado em fevereiro de 2016, para o horizonte temporal 2016-2021.

Enquanto isso, os passageiros da linha Beja-Casa Branca penavam, face às degradantes condições em que essa viagem se realizava (bem documentadas nas redes sociais), com constantes atrasos, avarias e/ou desconforto das composições utilizadas, já para não falar nas condições a que, por vezes, estavam sujeitos, aquando do transbordo.

Esta é a história (ainda que incompleta) que, como diz o poema/canção, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Entretanto, nos últimos dias, surgiu uma luz ao fundo do túnel, com a abertura do concurso, no âmbito do Programa Regional Alentejo 2030, para o financiamento em 85% da modernização/eletrificação da linha Casa Branca-Beja, com fundos comunitários de 80 milhões de euros (e não ainda, como erradamente tem sido noticiado, já para a realização das obras). Mas, como não há bela sem senão, esse anúncio foi acompanhado por duas notícias pouco animadoras: a primeira, é que não haverá ligação ao aeroporto, no projeto de modernização da linha; a segunda, que, durante as obras, previstas para 21 meses, a ligação Beja-Casa Branca será interrompida. Ou seja, mais uma vez, é ignorado o tão badalado “triângulo de desenvolvimento da região, Alqueva, Porto de Sines, Aeroporto de Beja”, quando se realiza uma obra da dimensão da que é agora se anuncia; por outro lado, tendo em conta os atrasos verificados nas várias obras ferroviárias em curso, noticiados quase diariamente na comunicação social, só mesmo por milagre é que as obras durarão os 21 meses, com todas as contrariedades já sentidas entre maio de 2010 e julho de 2011, durante a eletrificação do troço Bombel-Évora.

Deixo para o fim uma questão que, até ao momento, não vi abordada em lado nenhum.

Em 2018 conheci um engenheiro suíço (casado com uma amiga de infância) que, infelizmente, faleceu poucos anos depois. Era um apaixonado por comboios, a sua área de trabalho, na empresa Stadler. Quando vinha a Portugal, viajava centenas de quilómetros e conhecia as linhas, quer as que funcionavam, quer as que estavam encerradas. Indignava-se, por exemplo, pelas condições deploráveis da ligação Beja-Casa Branca, ou pelo encerramento da linha Beja-Funcheira. Comentava como era possível, um país da União Europeia, não ter aproveitado os fundos comunitários, para desenvolver a ferrovia e, desse modo, o interior do Alentejo, incluindo, até, o ramal de Moura.

Foi através dele que tive conhecimento do concurso que iria ser lançado pela CP, para aquisição de automotoras bimodo (as tais que, sete anos antes, tínhamos proposto aos dois governantes), sendo a sua empresa uma das possíveis concorrentes.

E foi mesmo a Stadler, a vencedora desse concurso, lançado em janeiro de 2019, para a construção de doze automotoras bimodo, algumas das quais destinadas à ligação Beja-Casa Branca-Lisboa, prevendo-se a entrega das primeiras para outubro deste ano (eco.sapo.pt , 7 março 2023).

E é precisamente aqui que poderemos sentir, de novo, uma sensação agridoce, tal como aconteceu em 2010, quando, após seis anos de ligações diretas a Lisboa, pela ponte 25 de Abril (depois de 140 de transbordo no Barreiro), estivemos mais de um ano sem comboios, que não mais voltaram a ser diretos. Desta vez, se e quando chegarem as automotoras bimodo, talvez voltemos a ter essas ligações diretas que, mais uma vez serão interrompidas se e quando se iniciar a eletrificação da linha, desta vez por 21, 31 ou 41 meses. É mesmo caso para dizer: que triste sina a nossa.

Por isso, não obstante as posições triunfalistas de protagonistas políticos regionais e locais, cada qual tentando capitalizar a paternidade de uma parte dos objetivos da petição lançada há catorze anos, talvez fosse bom refrear um pouco esse entusiasmo/oportunismo político, não só pelo reconhecimento dos impasses ocorridos, pelo respeito por todos quantos se empenharam na defesa dos direitos dos cidadãos, mas sobretudo porque esta grande vitória por eles anunciada, não passa de um primeiro passo, que alguns acharão “melhor que nada”.

Pessoalmente, pelas razões que atrás expus, mas por muitas outras que não cabem neste artigo, considero que se trata de um copo meio cheio.

24 janeiro 2025


 

 

 

 

 

 

 

 


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