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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Ligações rodoviárias a Beja: outro copo meio cheio.

“O projecto de construção do lanço do Itinerário Principal entre Alcoutim e Beja (IC27), prometido há quase duas décadas, acaba de ser suspenso pelo Ministério da Economia. "A infra-estrutura existente [EN 122] responde às exigências existentes", foi a justificação apresentada pela tutela aos deputados comunistas Paulo Sá e João Ramos…” https://www.publico.pt/2012/06/21

A decisão [de construir a A26] foi “um equívoco técnico”, porque “o tráfego previsto não justificava a criação de uma autoestrada dispendiosa para ficar literalmente sem trânsito”, refere a EP, numa resposta por escrito a perguntas colocadas pela agência Lusa. “ https://visao.pt/lusa/2012-12-16  

Ainda não estávamos refeitos das más decisões do ano anterior, descritas no artigo do DA do dia 24 de janeiro passado, eis que dois novos baldes de água fria nos atingem, desta vez no que respeita às ligações rodoviárias: a suspensão do troço que faltava no IC27 e da A26. E, se nas reuniões com os grupos parlamentares em julho de 2011, sobre a ferrovia, o argumento por parte dos deputados dos partidos que apoiavam o governo da altura (Luís Menezes, do PSD e Hélder Amaral, do CDS), foi a frase  “não há dinheiro”, em 2012 as razões foram outras: enquanto os 66 quilómetros da estrada nacional 122, entre o IP2 e o km 33 do IC27 (troço aberto em 4 de julho de 2005) respondiam “às exigências existentes”, uma autoestrada entre Sines e Beja não teria o tráfego que a justificasse (em 2015, o antigo presidente da Estradas de Portugal, António Ramalho, referiria o número mínimo de 10 mil veículos/dia), razão pouco utilizada na construção de outras autoestradas por todo o país.

Em relação ao primeiro, o desfecho já era esperado, deitando, assim, por terra, o desejo do então presidente da câmara de Alcoutim, Fernando Amaral, perante o então secretário de estado Paulo Campos, aquando da abertura do segundo troço dessa via: “O autarca apontou a ligação da capital de concelho a Beja através do IC-27 como o próximo objectivo no que respeita às acessibilidades…” https://www.rtp.pt/ , 4 julho 2005. As coisas pareciam estar bem encaminhadas, até porque um mês depois desta cerimónia era publicado o estudo de impacto ambiental, com várias alternativas, “…entre as proximidades de Alcoutim e as proximidades de Trindade (Albernoa), com uma extensão total de aproximadamente de 61 km.” https://siaia.apambiente.pt/ , agosto 2005. Em 2012 era, pois, dado o golpe final, já que, em 2025, vários governos e autarcas locais depois, quase já não se fala da conclusão do IC27. Resta-nos, como consolação, as obras na ponte sobre a ribeira do Vascão, antes que, um dia, essa ligação entre o Alentejo e o Algarve viesse abaixo, ou a sinalização para evitar atropelamentos do lince ibérico.

Já quanto à A26, a sua história tanto pode ser encarada como mais um contributo para o anedotário nacional, como um processo kafkiano ou como a (não) aplicação exemplar da chamada “coesão territorial” pelos governantes nacionais, perante o imobilismo/conformismo/subserviência política de eleitos locais e regionais.

Depois de iniciada em 2010, com expropriações, terraplanagens e muitas obras, eis que, 35 milhões de euros depois (referidos na citada resposta da EP à agência Lusa), tudo para, deixando na paisagem alentejana um rasto bem visível no Google Maps, do Roncão (Santiago do Cacém) à A2 (Grândola Sul) e desta à rotunda do aeroporto de Beja, onde se destacam os viadutos e outras obras de arte rodoviárias, algumas já icónicas, como os dois pilares que servem de ninho às cegonhas.

E terá sido, entre outros motivos, o impacto visual da inacabada ponte sobre o rio Sado (e antes que se tornasse mais uma peça da nova “arqueologia rodoviária) que levou à construção de 13 quilómetros entre a A2 e a EN259, na chamada rotunda da Malhada Velha (nome do monte próximo), obra iniciada em 2015, terminada em 2017, mas que só abriria ao trânsito três anos depois. Mais um escândalo a contribuir para o anedotário referido, desta vez por alegadas “divergências” (ou incompetências?) entre as entidades envolvidas no processo de adaptação das portagens de ligação da A26 à A2. E, mais uma vez, foram também ações dos cidadãos que chamaram a atenção para esta incompreensível situação, como a tentativa (impedida pela GNR) de percorrer de bicicleta esse trecho, no dia 24 de Agosto de 2019, anunciada assim pelo Diário do Alentejo do dia anterior: “Protesto: Pela abertura da A26 pedalar, pedalar.”

Foto daqui: 
https://www.publico.pt/2019/08/26/local/noticia/bicicleta-tambem-reivindica-abertura-trafego-a26-1884513 

Chegamos, assim, ao dia 16 de abril de 2021, quando é apresentado o PRR, tendo o então primeiro ministro António Costa anunciado que “A única grande via [rodoviária] é de Beja a Sines”. Só que, a consulta ao documento, provocou (mais) uma deceção. O que aí constava não era a conclusão da A26 entre Sines e Beja, mas apenas de uma parte desta e a beneficiação das estradas nacionais 121 e 259, do eufemisticamente designado IP8, incluindo variantes em Figueira de Cavaleiros e em Beringel. In https://recuperarportugal.gov.pt/ , pág 124.

Que conclusões podemos, então, tirar e que questões colocar, sobre estas decisões?

Em primeiro lugar que, ao aproveitar verbas do PRR, o poder central vai fazer aquilo que não fez ao longo de muitos anos e que era da sua responsabilidade: a beneficiação dessas duas estradas nacionais (entre outras), que se foram degradando com o cada vez maior tráfego de viaturas, nomeadamente de pesados.

Que tipo de beneficiação será esta? Mais profunda, com a eliminação de pontos negros, como alguns cruzamentos (já não falando nestes, desnivelados, como no IP2 ou no IC27), ou minimalista, com pisos novos e pouco mais? E ao construir as variantes citadas nos troços previstos para a autoestrada, não se está a pôr em causa a construção desta?

Entretanto, a ligação Sines-A2, prevista para a o nó de Grândola Sul passou para Grândola Norte, aumentando em 15 quilómetros (pagos) entre Beja e Sines, pela A2.

É por isso, legítimo que se coloque, mais uma vez a questão: vão ou não ser concluídos os 33 quilómetros que faltam para a ligação Beja-A2 pela A26 (rotunda do aeroporto-rotunda da Malhada Velha)?

Será que iremos ter uma IP8 em formato “semi autoestrada” (seja lá o que isso for), expressão usada por um destacado político regional no final de uma reunião com o então ministro Pedro Nuno Santos, em agosto de 2022?

Ou seja, tal como nas ligações ferroviárias, será mais um copo meio cheio aquele que nos irão servir, revelando uma falta de visão estratégica, ao não potenciar, não só o aeroporto, mas também as mudanças na economia regional, nomeadamente no turismo e nas agroindústrias, como as deslocações inter-regionais.

Continuam, assim, atuais, os apelos que fiz em jornais regionais, em 2012 e 2015, respetivamente:

“… seria muito bom vermos os autarcas de Beja, Mértola, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real, lutando por um IC 27, amputado há muitos anos e que tarda em avançar para além dos 40 km já construídos; ou ainda os de Beja, Ferreira, Grândola, Alcácer, Santiago e Sines, juntos pela A26, que tão tarde arrancou e que vai parando e avançando aos soluços.” Correio Alentejo, 8 de junho de 2012.

“… seria bom que os três deputados eleitos por Beja se unissem e, deixando para trás naturais divergências, elaborassem um documento, curto, mas incisivo, que se concretizasse num projeto de resolução ou numa recomendação (…): a retoma das obras da A26, entre Beja e Santa Margarida do Sado (…) prolongar a A26 até Sines, concluir o IC27, entre Beja e Alcoutim….” Diário do Alentejo, 9 de outubro de 2015.


21 fevereiro 2025

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