No início deste ano foi divulgado um estudo da
revista The Economist, sobre o índice de democracia no mundo, relativo a 2017,
que colocava Portugal no 26º lugar, entre os 167 países analisados. Fora do
grupo de dezanove países considerados “totalmente democráticos” (liderado por
três países nórdicos), encontramo-nos no segundo, o dos países onde existirá
uma “democracia com falhas”. Para esta posição contribuem dois dos cinco itens
que integram esse estudo: participação política e cultura política, com 6,11 e
6,88 (em 10,00), respetivamente.
Acontece que, em minha opinião, a pontuação obtida
no primeiro dos itens não está de acordo com o que tem acontecido nas duas
últimas eleições autárquicas (2013 e 2017) no concelho de Beja (que é aquele
que conheço melhor), em que se tem registado uma significativa participação nas
listas, em particular para as das assembleias de freguesia, onde concorreram
inúmeros cidadãos jovens e muitos outros nascidos já depois do 25 de abril. Ou
seja, numa época em que muitos destes candidatos criticam e desconfiam (e, em
alguns casos, com razão) da chamada “classe política” (sobretudo deputados e
governantes), esses mesmos cidadãos não se excluem de participar na luta por
melhores condições para as freguesias onde residem ou onde nasceram, num ato de
cidadania de louvar.
Uma maior participação cidadã, em Beja ou em outra
qualquer parte do país é sempre de enaltecer, o que poderia ser reforçado com a
“democratização da opinião” proporcionada pela internet, nomeadamente pela
blogosfera e depois pelo facebook,
pelo facto de o acesso a estes novos meios de comunicação ter trazido novas
possibilidades para a difusão e para o debate de ideias, em liberdade e quase
sem limites.
Só que, infelizmente, não é isso que se passa,
gerando-se uma improvável e insanável contradição entre o que parecia ser um
importante contributo para a participação cidadã e os resultados obtidos nas
redes sociais. Isso mesmo foi abordado, de forma bem clara e assertiva, num
artigo de opinião do Doutor Hugo Lança, no passado dia 20 de novembro, neste
mesmo jornal, sintomaticamente intitulado “Liberdade de expressão – RIP”.
Ao ler este artigo, lembrei-me de duas coisas. A
primeira, uma publicação que fiz na minha página do Facebook há mais de dois
anos, criticando Putin e Assad aquando da destruição de Allepo, na Síria. Pois
bem, alguém com quem tinha cordiais relações pessoais e profissionais, baseadas
no respeito mútuo, reagiu de uma forma de tal modo agressiva que, se me tivesse
acusado de agente da CIA essa seria a menor das diatribes com que me brindou.
Como escreveu Hugo Lança, “… qualquer pensamento diferente do meu é
cobardemente atacado pelas hordas, com uma trivialidade e uma superficialidade
inebriante, sem um milésimo de esforço para compreender a raiz dos argumentos”.
A leitura do artigo de HL remeteu-me para um outro,
que lera há alguns anos, na publicação digital cartamaior.com.br , intitulado “A semente do ódio” (Luiz Claudio Tonchis, 4 de
agosto de 2015). Ainda que reportado à realidade brasileira (e premonitório do
que viria a acontecer na última eleição presidencial nesse país), descobre-se
aí algo que viria a ser abordado mais tarde por outros: o fascismo das redes
sociais, “não necessariamente político”, mas que “emerge do comportamento
social”. Um comportamento marcado pelo “… racismo, xenofobia, dificuldade em aceitar as diferenças,
desejo de exclusão ou descarte daquilo que não lhe agrada, intolerância e o
fundamentalismo religioso, preconceito, etc”.
Não
admira, pois, que, em Portugal (como no Brasil) existam tantos comportamentos
intolerantes nas redes sociais, em especial quando se trata de política (nacional
ou local), dando razão ao estudo da Economist atrás citado, em que, no item
“Cultura Política”, atribui ao nosso país o nível 6,88, longe do 10 (o máximo)
dos três países lideres (mas também da Irlanda). Voltando ao artigo da Carta
Maior, LCT vai mais longe ao escrever que “O analfabeto político é aquele que
não entende de história política, que não sabe interpretar os acontecimentos
históricos e contextualizá-los”.
Por
isso, nesta época de intolerância, nada melhor que recuar 255 anos e, como fez
Hugo Lança no seu artigo, terminar com Voltaire (e, desta vez, com palavras do
próprio) : “Seria o cúmulo da loucura pretender pôr todos os homens a pensar de
maneira uniforme (…). Mais facilmente se conseguiria subjugar o universo
inteiro pela força das armas do que subjugar todos os espíritos de uma só
cidade” Tratado Sobre a Tolerância,
1763.
Ilustração de Paulo Monteiro |
4 janeiro 2019 |