É bem conhecida a frase “Uma
mentira mil vezes repetida torna-se verdade”, atribuída a Goebbels, o ministro
da propaganda de Hitler. Com o advento e a proliferação das redes sociais, mais
ainda se tornou omnipresente, sobretudo através do que se convencionou chamar
“fake news”, realidade preocupante dos nossos dias.
Por isso, não é de admirar
que, numa aula do 12º Ano, ao abordar-se o tema “Portugal – do autoritarismo à
democracia”, em que se fala da resistência à ditadura (luta clandestina,
exílios, greves, “eleições”, MUD, entre outros aspetos e), e se referem alguns
episódios marcantes, como o atentado contra Salazar, em 1937, levado a cabo
pelos anarquistas ou, mais tarde, já na década de 60, os desvios do paquete
Santa Maria e do voo da TAP Casablanca-Lisboa e os assaltos ao quartel de Beja
e ao Banco de Portugal, na Figueira da Foz, e se nomeie o nome de Camilo
Mortágua, como um dos participantes nestas quatro últimas ações, um(a) aluno(a)
aluda ao que leu/ouviu dizer: “esse assaltante de bancos”?
Afinal, esse foi o argumento
utilizado pela imprensa pró-regime, classificando estas ações como terroristas
(tal como apelidava a luta dos movimentos que lutavam pela independência das
colónias) e os seus autores como criminosos comuns, quando, no fundo, se
tratavam de iniciativas cujo principal objetivo era político, visando o derrube
da ditadura liderada por Salazar e que já durava há mais de trinta anos.
Triste é que esse argumento,
próprio de páginas de uma certa (extrema)”direita política” seja por vezes
replicado de uma forma célere, sem o mínimo conhecimento do que se está a
escrever (inclusive por alguns “democratas”). É esse o caso do(a) aluno(a)
referido(a), ainda que, neste caso, o papel pedagógico do docente o(a) possa e
deva esclarecer.
Esse esclarecimento tem passado,
por exemplo, por uma visita ao Museu do Aljube, onde se podem ver as principais
caraterísticas da ditadura: a pobreza/miséria de grande parte da população, o
analfabetismo, a emigração, a repressão política, a censura, o ensino dominado
pela ideologia, a cultura controlada, a guerra colonial criminosa, o isolamento
internacional. Ou seja, um real “centro interpretativo” do salazarismo,
dificilmente substituível por uma outra qualquer interpretação contida num
eventual “Museu de Salazar” de que hoje tanto se fala. A não ser que se queira
transformar Santa Comba Dão na Gori portuguesa, cidade georgiana, onde nasceu
Estaline e existe um museu a ele dedicado (objeto de um interessante artigo na
revista do Expresso de 24 de agosto) que é um local de romaria para os
saudosistas do ditador soviético.
Pois foi contra Salazar, o
amigo e discípulo de Hitler e de Mussolini, que apoiou Franco contra a
República, que criou o Tarrafal, onde morreu Bento Gonçalves, que dirigiu a
polícia política que assassinou Dias Coelho e Humberto Delgado, foi contra esse
ditador que Camilo Mortágua lutou, levando à prática o que há pouco mais de um
mês, a insuspeita Angela Merkel dizia : “… há momentos em que a desobediência é
obrigatória...”, apelando “… à luta contra os avanços da extrema-direita, por
ocasião do 75º aniversário da conspiração mais famosa parra assassinar o líder
nazi Adolf Hitler…” (Público, 20 de julho).
Duas notas finais. A primeira,
para dizer que conheci o Camilo apenas há quatro anos, aquando da campanha
eleitoral de Sampaio da Nóvoa (da qual, ele e o Francisco Fanhais, foram os
primeiros impulsionadores no distrito de Beja). Não obstante ser o menos novo
dos apoiantes, era o parecia ter mais “sangue na guelra”: se estava combinado
distribuir cem folhetos, ele propunha duzentos, se íamos a três localidades,
ele avançava com seis. Ou seja, o mesmo espírito revolucionário de cinquenta
anos atrás, lutando por uma causa em que acreditava.
A segunda e última nota visa outro
aspeto que aparece não poucas vezes nas citadas redes sociais: a associação da
prática antifascista de Camilo Mortágua (avaliando-a de modo depreciativo) à
atividade política das suas filhas, o que não deixa de ser uma atitude, no
mínimo desonesta. O que, de facto, os que o fazem não conseguem aceitar é ver a
Mariana e a Joana prosseguirem, não uma “carreira política” baseada em
amiguismos e outros esquemas mas, a exemplo do pai, a defesa dos ideais e das
causas em que acreditam, através da luta política. E, numa altura, em que se
apela a que mais jovens e mais mulheres participem na vida política, não deixa
de ser um paradoxo que essas duas jovens mulheres sejam criticadas apenas por
serem filhas do antifascista e revolucionário Camilo.
13 setembro 2019 |
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