Automotora Beja-Casa Branca |
Comboio Madrid-Galiza (Alvia Série 730/Híbrido) |
Entre outros temas, os últimos meses foram marcados, a nível
político, pelas dificuldades em formar governo, que levaram, mais uma vez, a
eleições, no dia 10 de novembro (ou 10N, como são batizadas pelos media).
Em dois aspetos principais se diferenciam das que se realizam no
nosso país: porque é um sistema bicameral – o Congresso e o Senado – e pelo
largo espetro de partidos nacionalistas/independentistas, fruto da própria
natureza no estado espanhol e das suas idiossincrasias.
No entanto, ao analisar o 10N, um facto me chamou a
atenção: os resultados obtidos por um movimento de cidadãos (autorizados em
Espanha, ao contrário de Portugal) designado por Teruel Existe.
A curiosidade (e a novidade) levou-me a pesquisar um
pouco mais sobre o tema. Em Teruel, município com cerca de 36 mil habitantes,
capital da província com o mesmo nome (133 mil hab.), uma das três que formam a
comunidade autónoma de Aragão (1300 mil hab.), nasceu em 1999 “… un movimiento ciudadano que ha aglutinado a todos los sectores, desde la
CNT hasta asociaciones vinculadas al Opus Dei …”, que visava lutar contra “… la
situación de abandono histórico …" (El País, 20 dez 1999) a que os
teruelenses se sentiam votados. Lutavam, entre outros motivos, por “ Un
transporte ferroviario de calidad, seguro y rápido; unas comunicaciones por
carretera propias del s. XXI; una asistencia eficaz a la emergencia y al
transporte sanitario; planes que mantengan el empleo en la provincia y que
impidan su despoblación progresiva por falta de futuro “.
Foram vinte anos de uma intensa
mobilização cidadã, relatados página web do movimento ( https://teruelexiste.info/teruel-existe/ )e que
culminaram na decisão de concorrer às eleições gerais de novembro do ano
passado, para levar essas reivindicações ao poder político nacional.
E a resposta dos eleitores da província não podia ter sido mais clara:
um dos três deputados (primeiro lugar com 26,7% dos votos) e dois dos quatro
senadores; no município o resultado para o Congresso foi ainda mais expressivo:
42,57% dos 20 mil votantes (74% dos eleitores inscritos). Uma resposta clara
dos cidadãos, não obstante os obstáculos colocados, como afirmava o seu
porta-voz: “Os partidos tradicionais reagiram com animosidade, ‘mesmo com
ataques pessoais’ (Expresso, 15 de dezembro).
Não é objetivo deste texto fazer comparações entre esse movimento
e o que nasceu em Beja, em 2011, nomeadamente pela inexistência de quaisquer
pretensões político-eleitorais deste último. Há, no entanto, semelhanças
evidentes, como a luta por melhores acessibilidades rodoviárias e ferroviárias
e, como já escrevi aqui (12.7.2019), a desconfiança e até a hostilidade, por parte de partidos e agentes
políticos locais e regionais, manifestadas ao longo dos anos.
Estas posições são, acima de tudo, injustas,
perante a disponibilidade de um conjunto de cidadãos para reverter decisões que
penalizam quem vive na sua terra e na sua região. Não fora a mobilização
verificada logo em janeiro de 2011 e o fim das ligações ferroviárias diretas a
Lisboa teria sido um facto consumado e esquecido e, pior que isso, estaria em
risco a própria existência da ferrovia em Beja, face à degradação contínua dos
serviços da CP.
Por isso, só por puro sectarismo
político-partidário é que define essa mobilização como “alarido”, “gritaria” ou
“contestação fácil e populista”, ignorando quem profere tais afirmações as
inúmeras reuniões, ao longo das últimas cinco legislaturas, com deputados e
comissões parlamentares, administração da CP e governantes, além das petições e
dos documentos entregues ao Presidente da Assembleia da República, Presidente
da República e Primeiro-Ministro.
Esta era (é) uma luta de todos que deveria unir e
não dividir. Apelos neste sentido foram feitos em artigos de jornais locais,
quer dirigidos aos autarcas locais cujos concelhos são atravessados pela
ligação Beja-Casa Branca, pelo IC27 ou pela (futura) A26 (8.6.2012), quer aos
três deputados eleitos em outubro de 2015 (9 de outubro). Esses apelos caíram
em saco roto e a desejada unidade entre agentes políticos, movimento de
cidadãos e outras entidades locais e regionais não se tem verificado, o que
leva ao constante adiamento das medidas tão necessárias à vida dos que vivem na
região.
Uma nota final, que não deixa de ser irónica,
perante o que se tem passado e que é demonstrativo da falta da vontade política
dos vários governos para resolver o principal problema que deu origem ao
movimento dos cidadãos, em janeiro de 2011: o fim do Intercidades Beja-Lisboa,
sem transbordos, como acontecia desde 2004.
Numa reunião realizada com
o Secretário de Estado Correia da Fonseca, no dia 25 de março de 2011, os
membros do grupo de cidadãos presentes propuseram a manutenção da ligação
direta, pelo menos duas vezes por dia em cada sentido, se possível em comboios
mistos (diesel até Casa Branca e elétrico até Lisboa). A resposta a esta última
proposta foi negativa pois, segundo o governante, a CP não dispunha deste tipo
de comboios (híbridos ou bimodos). Numa altura em que se já se alugavam
composições à RENFE, poder-se-ia ter equacionado essa hipótese para tal tipo de
comboios, que há vários anos executam, por exemplo, a ligação entre Madrid e a
Galiza, mas isso não aconteceu e, em seu lugar, vieram as desconfortáveis
automotoras.
Ainda na edição do DA de 7 de
fevereiro passado, o especialista Francisco Furtado, se referia aos comboios
híbridos, não só para a ligação Beja-Lisboa, como até para uma futura ligação
Beja-Évora-Elvas-Badajoz. Pois bem, foi preciso chegar a
2019, para a CP lançar um concurso para esse tipo de comboios (até porque a
eletrificação da linha continua a ser uma miragem) que, na melhor das hipóteses
começarão a chegar em 2023 (TSF, 7.1.2019).
Oito anos depois, por linhas
tortas, o governo reconheceu a justeza da proposta, feita pelo tal grupo de
bejenses, cuja ação, alguns dos que nada têm feito nesse sentido não têm pejo
em classificar de “maledicências” ou de “síndrome de desgraçadinho”, apenas
porque, conjunturalmente, quem governa neste momento é o partido em que
militam. É caso para dizer, para terminar que, assim, não vamos lá. É preciso
despir as camisolas partidárias e abraçar de vez, sem quaisquer complexos, uma
luta que é (ou devia ser) de todos. Beja e a região merecem.
21 fevereiro |
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