Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Teruel

Automotora Beja-Casa Branca

Comboio Madrid-Galiza (Alvia Série 730/Híbrido)
Seja porque são os nossos únicos “vizinhos”, pelas afinidades linguísticas, por uma História que, ao longo de séculos, se cruzou com a nossa, pelo flamengo, por Garcia Lorca ou Patxi Andion, ou pelo acesso aos inúmeros canais de tv, nacionais e regionais, interessamo-nos por aquilo que se passa aqui ao lado, pelas aventuras e desventuras dos “nuestros hermanos”.
Entre outros temas, os últimos meses foram marcados, a nível político, pelas dificuldades em formar governo, que levaram, mais uma vez, a eleições, no dia 10 de novembro (ou 10N, como são batizadas pelos media).
Em dois aspetos principais se diferenciam das que se realizam no nosso país: porque é um sistema bicameral – o Congresso e o Senado – e pelo largo espetro de partidos nacionalistas/independentistas, fruto da própria natureza no estado espanhol e das suas idiossincrasias.
No entanto, ao analisar o 10N, um facto me chamou a atenção: os resultados obtidos por um movimento de cidadãos (autorizados em Espanha, ao contrário de Portugal) designado por Teruel Existe.
A curiosidade (e a novidade) levou-me a pesquisar um pouco mais sobre o tema. Em Teruel, município com cerca de 36 mil habitantes, capital da província com o mesmo nome (133 mil hab.), uma das três que formam a comunidade autónoma de Aragão (1300 mil hab.), nasceu em 1999 “… un movimiento ciudadano que ha aglutinado a todos los sectores, desde la CNT hasta asociaciones vinculadas al Opus Dei …”, que visava lutar contra “… la situación de abandono histórico …" (El País, 20 dez 1999) a que os teruelenses se sentiam votados. Lutavam, entre outros motivos, por “ Un transporte ferroviario de calidad, seguro y rápido; unas comunicaciones por carretera propias del s. XXI; una asistencia eficaz a la emergencia y al transporte sanitario; planes que mantengan el empleo en la provincia y que impidan su despoblación progresiva por falta de futuro “.
Foram vinte anos de uma intensa mobilização cidadã, relatados página web do movimento ( https://teruelexiste.info/teruel-existe/ )e que culminaram na decisão de concorrer às eleições gerais de novembro do ano passado, para levar essas reivindicações ao poder político nacional.
E a resposta dos eleitores da província não podia ter sido mais clara: um dos três deputados (primeiro lugar com 26,7% dos votos) e dois dos quatro senadores; no município o resultado para o Congresso foi ainda mais expressivo: 42,57% dos 20 mil votantes (74% dos eleitores inscritos). Uma resposta clara dos cidadãos, não obstante os obstáculos colocados, como afirmava o seu porta-voz: “Os partidos tradicionais reagiram com animosidade, ‘mesmo com ataques pessoais’ (Expresso, 15 de dezembro).
Não é objetivo deste texto fazer comparações entre esse movimento e o que nasceu em Beja, em 2011, nomeadamente pela inexistência de quaisquer pretensões político-eleitorais deste último. Há, no entanto, semelhanças evidentes, como a luta por melhores acessibilidades rodoviárias e ferroviárias e, como já escrevi aqui (12.7.2019), a desconfiança e até a hostilidade, por parte de partidos e agentes políticos locais e regionais, manifestadas ao longo dos anos.
Estas posições são, acima de tudo, injustas, perante a disponibilidade de um conjunto de cidadãos para reverter decisões que penalizam quem vive na sua terra e na sua região. Não fora a mobilização verificada logo em janeiro de 2011 e o fim das ligações ferroviárias diretas a Lisboa teria sido um facto consumado e esquecido e, pior que isso, estaria em risco a própria existência da ferrovia em Beja, face à degradação contínua dos serviços da CP.
Por isso, só por puro sectarismo político-partidário é que define essa mobilização como “alarido”, “gritaria” ou “contestação fácil e populista”, ignorando quem profere tais afirmações as inúmeras reuniões, ao longo das últimas cinco legislaturas, com deputados e comissões parlamentares, administração da CP e governantes, além das petições e dos documentos entregues ao Presidente da Assembleia da República, Presidente da República e Primeiro-Ministro.
Esta era (é) uma luta de todos que deveria unir e não dividir. Apelos neste sentido foram feitos em artigos de jornais locais, quer dirigidos aos autarcas locais cujos concelhos são atravessados pela ligação Beja-Casa Branca, pelo IC27 ou pela (futura) A26 (8.6.2012), quer aos três deputados eleitos em outubro de 2015 (9 de outubro). Esses apelos caíram em saco roto e a desejada unidade entre agentes políticos, movimento de cidadãos e outras entidades locais e regionais não se tem verificado, o que leva ao constante adiamento das medidas tão necessárias à vida dos que vivem na região.
Uma nota final, que não deixa de ser irónica, perante o que se tem passado e que é demonstrativo da falta da vontade política dos vários governos para resolver o principal problema que deu origem ao movimento dos cidadãos, em janeiro de 2011: o fim do Intercidades Beja-Lisboa, sem transbordos, como acontecia desde 2004.
Numa reunião realizada com o Secretário de Estado Correia da Fonseca, no dia 25 de março de 2011, os membros do grupo de cidadãos presentes propuseram a manutenção da ligação direta, pelo menos duas vezes por dia em cada sentido, se possível em comboios mistos (diesel até Casa Branca e elétrico até Lisboa). A resposta a esta última proposta foi negativa pois, segundo o governante, a CP não dispunha deste tipo de comboios (híbridos ou bimodos). Numa altura em que se já se alugavam composições à RENFE, poder-se-ia ter equacionado essa hipótese para tal tipo de comboios, que há vários anos executam, por exemplo, a ligação entre Madrid e a Galiza, mas isso não aconteceu e, em seu lugar, vieram as desconfortáveis automotoras.
Ainda na edição do DA de 7 de fevereiro passado, o especialista Francisco Furtado, se referia aos comboios híbridos, não só para a ligação Beja-Lisboa, como até para uma futura ligação Beja-Évora-Elvas-Badajoz. Pois bem, foi preciso chegar a 2019, para a CP lançar um concurso para esse tipo de comboios (até porque a eletrificação da linha continua a ser uma miragem) que, na melhor das hipóteses começarão a chegar em 2023 (TSF, 7.1.2019).
Oito anos depois, por linhas tortas, o governo reconheceu a justeza da proposta, feita pelo tal grupo de bejenses, cuja ação, alguns dos que nada têm feito nesse sentido não têm pejo em classificar de “maledicências” ou de “síndrome de desgraçadinho”, apenas porque, conjunturalmente, quem governa neste momento é o partido em que militam. É caso para dizer, para terminar que, assim, não vamos lá. É preciso despir as camisolas partidárias e abraçar de vez, sem quaisquer complexos, uma luta que é (ou devia ser) de todos. Beja e a região merecem.
21 fevereiro



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