Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Vitória(s) de Pirro.

 

“ Conta-se que, a uma pessoa que o felicitava pelo seu triunfo [contra os romanos], Pirro [séc. IV/III a.C] respondeu: ‘Se alcançarmos outra vitória semelhante a esta, estaremos irremediavelmente perdidos. “
Estas palavras são de Plutarco (séc. I/II), no volume da sua obra Vidas Paralelas, dedicado ao rei do Épiro e da Macedónia e a Caio Mário (séc. II/I a.C), general e político romano.
Ao lermos, nas últimas semanas, alguns comentários sobre os concursos para a recuperação do IP8, lembramo-nos desta vitória militar, com uma significativa diferença: enquanto Pirro evoca a sua vitória prenunciando derrotas, esses comentários, ainda que se refiram à “… maior obra de estradas do PRR…”, não fazem esquecer derrotas passadas, no que às acessibilidades diz respeito.
Começando pelo IC27, que se inicia em Castro Marim e que deveria terminar no IP2, perto da Trindade, numa distância de cerca de cem quilómetros, servindo, não só esse concelho algarvio, como também os de Alcoutim, Mértola e Beja, melhorando as ligações para Lisboa e para o Norte, podemos afirmar que se trata de uma obra que foi deixada para as calendas gregas. Em agosto de 2005, ano em que foi concluída a primeira fase (33 quilómetros), foi apresentado o estudo de impacto ambiental, que incluía várias hipóteses do troço a construir até ao IP2 (esse estudo fora encomendado em 2001 pelo valor de 83 mil contos, 610 mil euros em 2023). Em
2012, sete anos depois, sem qualquer obra efetuada, uma fonte do governo de então anunciava no Expresso que o troço que faltava “encontra-se assegurado pela EN 122” e que “face à reduzida procura (…) considera-se que a infraestrutura rodoviária existente responde às necessidades existentes (sic)”.
Ou seja, revertia-se uma decisão há muito tomada e assim continua até aos dias de hoje, tornando-se mesmo num não-assunto, face à ausência de debate sobre o tema. Entretanto, continuam os acidentes na EN 122.
A segunda derrota tem a ver com o fim das ligações ferroviárias diretas entre Beja e Lisboa. Desde 1864 (data da chegada do caminho-de-ferro a Beja) até 2004, a ligação era feita de forma indireta, já que a linha ia até ao Barreiro, onde se fazia, por barco, o transbordo para Lisboa. Em 2004, após a entrada em funcionamento da linha ferroviária na Ponte 25 de Abril (em 1999), iniciaram-se as ligações diretas entre Beja e Lisboa, em comboios intercidades rápidos e confortáveis. Em pouco mais de duas horas chegava-se à capital, fugindo ao desagradável transbordo. Diga-se que este benefício, além dos habitantes de Beja, abrangia os de Cuba, Alvito e Viana do Alentejo, bem como dos concelhos limítrofes.
Pois bem, quando pensávamos que o progresso tinha finalmente chegado, eis que, em maio de 2010, com o início de obras de modernização (incluindo a eletrificação) do trecho entre Bombel e Évora, essa ligação é suspensa, para não mais voltar. Em seu lugar, a automotora até Casa Branca, onde se faz (novamente) um transbordo, este para o comboio que vem de Évora. Ou seja, Beja, de estação central na ligação Algarve-Barreiro/Lisboa, deu lugar à estação inicial de um novo ramal, para uma ligação regional eufemisticamente designada por “intercidades”.
Para além desta desvalorização da ferrovia, já no final de 1989 tinha sido encerrado o Ramal de Moura e, no final de 2011 encerrada a ligação Beja-Funcheira, terminando assim com a ligação ferroviária ao Algarve, inaugurada em 1 de julho de 1889.
Não cabe neste artigo a descrição de tudo o que se passou desde o dia 7 de janeiro de 2011, quando a CP anunciou, em comunicado para a LUSA, o fim da ligação direta Beja-Lisboa e o novo transbordo, a realizar em Casa Branca. A partir de uma reunião pública realizada no dia 18 desse mês, na Biblioteca Municipal, deu-se início a um movimento cívico ímpar em Beja, que mobilizou, sob as mais diversas formas, milhares de cidadãos, para a defesa da continuação ligação ferroviária direta.
As mais recentes notícias não auguram melhorias tão cedo. Deixando de lado o surreal anúncio de uma linha de alta velocidade que passará por Beja… em 2050 (sic), a eletrificação do troço Beja-Casa Branca já vai na sua segunda versão, com a conclusão das obras, inicialmente prevista para finais de 2027, “atrasada” em mais um ano. Mas, como recentemente foi título no jornal Público, “Ferrovia 2020 com menos de metade do investimento executado”, significando isto que, dos 24 troços com obras previstas neste plano, apenas 6 estão concretizados, num atraso de… quase 27 mil dias (“… equivalente a 76 anos …”). Isto significa que eletrificação lá para finais de 2028 poderá não passar de mais um sonho adiado.
Terceira derrota: a A26, Sines-Beja, com ligação, em Grândola Sul, à A2, Lisboa-Algarve. Tal como aconteceu com a conclusão do IC27, também a A26 irá para o caixote do lixo, não faltando também nesta história o seu momento surreal, hilariante e criativo, quando um alto responsável político regional afirmou, no rescaldo de uma reunião com o ministro Pedro Nuno Santos, que não teremos para já a A26, mas sim “… uma semi-autoestrada (…) o que é ótimo para nós …” (sic). 
Tal como no anúncio da eletrificação, também da requalificação do IP8 (a que o autarca atrás se referia) nãocomeçou da melhor maneira: o concurso do troço da EN 259, entre a rotunda da Malhada Velha e Ferreira do Alentejo já vai na segunda versão, enquanto o concurso do troço da EN 121, entre Ferreira e Beja ainda não foi lançado. Com o primeiro a prever obras com a duração de 540 dias, talvez o “novo” IP8 (que, abono da verdade, devia rebatizado como IC) consiga estar concluído até final de 2026, quando terminar o prazo do PRR, onde se integra (se, por milagre, não houver derrapagens dos prazos). Entretanto, ao lado desta “semi-autoestrada”, ficarão campos esventrados e uma verdadeira “arqueologia rodoviária”, onde não faltam obras de arte (no seu duplo significado), algumas delas decoradas com ninhos de cegonha. Uma verdadeira “arte na planície”, com milhões de euros deitados fora (aproveitam-se as variantes de Figueira dos Cavaleiros e Beringel, há muito aguardadas), em expropriações e obras inacabadas ad aeternum. Para concluir, como corolário destas “vitórias de Pirro”, fica a história fica a tragédia (ou comédia?) dos 14 quilómetros da A26 construídos entre a A2 e a nova rotunda com a EN 121, que estiveram mais de dois anos por abrir, por falta de portagens, perante o ensurdecedor silêncio de responsáveis políticos regionais e, onde, mais uma vez, tiveram de ser algumas iniciativas de cidadãos a pôr o dedo na ferida e a denunciar tão absurdo atraso.

14 de julho de 2013


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