Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Histórias de Abril (1)

Memórias dos dias de sonhos e esperança  
O regresso do herói

Ervidel, Maio de 1974. Dia de festa. Pela liberdade recente, pela homenagem a um ilustre filho da terra, o Coronel Alexandre Mourão, republicano dos sete costados, mentor de uma escola “primária e elementar agrícola”, com frases nas paredes das salas de aula que “exaltavam o valor do estudo, do trabalho e da democracia”. Algo que a ditadura não permitiria, pintando essas paredes, apeando o obelisco que homenageava a Criança e arrancando o painel de azulejos com o nome do patrono da escola.
Ervidel estava feliz e orgulhosa. Nesse dia de Maio, outro filho da terra, que se vira forçado ao exílio na Bélgica, o Heduíno Gomes, militante do PCP desde os anos 60 (ainda jovem), também estava de regresso. Um verdadeiro “regresso do herói”.
É então que, durante a festa, que rebaptizava a escola com o nome do Coronel Mourão, começam a ser distribuídos uns folhetos, com um título que deixa a maioria dos presentes espantados e indignados: “Soares e Cunhal, lacaios da burguesia”. Assinava essa “provocação”, um tal PCP- ml (marxista-leninista), cujo líder era, nem mais, nem menos, que o Heduíno ( ou Vilar, nome da clandestinidade).
Como era possível, perguntava-se, que, nesse dia de unidade, em que se festejava a democracia e a liberdade, alguém lançar sobre esses dois símbolos da resistência ao fascismo, também eles recém chegados do exílio, palavras tão insultuosas?
Heduíno começa, então, um trabalho de doutrinação política, promovendo nas casas do povo da sua terra e de outras vizinhas cursos de marxismo-leninismo, aliciando os futuros militantes com viagens à República Popular da China. Sim, porque, numa época em que proliferavam os movimentos e partidos maoistas, o PCP-ml era o único reconhecido oficialmente pelo governo chinês, o que deixava roídos de inveja os inimigos do “renegado Vilar”.
Heduíno visita a China, em Maio de 1975, sendo recebido com honras de estado. No verão de 1978, quando ainda não há relações diplomáticas entre Portugal e esse país, uma associação de amizade ligada ao PCP-ml, organiza uma digressão da equipa de futebol do Sporting, que defronta a selecção nacional, em Pequim, perante 80 mil espectadores.
Para concorrer às “eleições burguesas”, Heduíno funda a AOC-Aliança Operário-Camponesa e, um ano depois do seu regresso, em Maio de 1975, organiza um comício em Ervidel.  Famosa é a expressão “Um voto na AOC é uma espinha cravada na garganta do Cunhal” mas, pelos resultados obtidos nas eleições de 1976 (557 votos no distrito de Beja), é mesmo caso para dizer que “santos de casa não fazem milagres”. Ou, por outras palavras, um herói… com pés de barro.
Nos anos 80 opera-se uma reviravolta na vida de Heduíno Gomes : converte-se ao cristianismo e adere ao PSD (assumindo-se como o “militante nº 7210”), onde desempenha funções importantes, com Mota Pinto.
Hoje em dia luta para “defender a Civilização Ocidental dos bárbaros contemporâneos”. Acusa Pedro Passos Coelho de ser “integralmente inimigo dos valores da Civilização e da coesão nacional”. E não perdoa a Cavaco que “promulga sem tossir as leis abjectas contra os valores da família natural e da vida – aborto e chamados ‘casamentos’ entre invertidos”.
Distante está o dia em que regressou a Ervidel como um herói. No tempo e nas ideias. Para ele, esse dia ocorreu “no ano da desgraça de 1974”.
Como cantou o Poeta, “Mudam-se os tempos, Mudam-se as vontades”.
5 de Abril


Escola Coronel Mourão



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