Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Histórias de Abril (3) Oficial e cavaleiro.

Santa Vitória, Outubro de 1975. No quintal da Casa do Povo é instalado um palco provisório, onde se instalam os convidados daquele momento histórico : a formação da primeira UCP – Unidade Colectiva de Produção –que adoptara um sugestivo nome, Vanguarda do Alentejo.
A história começara um ano atrás, no Monte do Outeiro, quando o seu proprietário, além de não aceitar os trabalhadores que tinham sido colocados pela comissão formada por representantes do sindicato, dos agricultores (ALA) e do governo, despedira a maioria dos que aí laboravam, alguns já de idade avançada e com muitos anos de trabalho (e de fidelidade) nessa herdade.
Essa colocação de trabalhadores que acontecia um pouco por todo o Alentejo, visava, por um lado, diminuir o elevado desemprego que se verificava e, por outro, rentabilizar as herdades que tinham vastas parcelas subaproveitadas. O que era o caso do Monte do Outeiro, onde uma parte das suas centenas de hectares estava por cultivar, servindo, principalmente para caçadas onde era figura assídua o então Presidente da República, Américo Tomás. E onde os habitantes locais não podiam sequer entrar, perseguindo alguma perdiz, pois que se arriscavam a ser penalizados pela justiça.
A Vanguarda do Alentejo, que nesse dia 17 de Outubro era constituída, para além do Outeiro, por diversas outras herdades da freguesia, que tinham entretanto sido ocupadas pelos trabalhadores, com o apoio dos militares e do governo de então. Por isso, lá estava a representar o poder político, o Major Brissos de Carvalho, governador civil, bem como outras entidades civis e militares. Entre elas, um representante da GNR, oficial garboso e orgulhoso da farda que vestia, ao serviço do jovem estado democrático.
Passada aquela cerimónia, de aparente unidade entre os presentes, começam a surgir divergências entre os trabalhadores, fruto de dois conceitos diferentes do que deveria ser a Reforma Agrária : de um lado, os defensores da UCP, que preconizavam a existência de uma única estrutura produtiva, onde estivessem integradas todas as terras ocupadas (apoiados pelo PCP) e, do outro, os que defendiam a existência de cooperativas autónomas, formadas a partir de cada uma das herdades que compunham as UCP (apoiados pelo PS).
Assiste-se, então, à tentativa de separação de algumas dessas herdades – Carriços, Corte Ripais, Chaminé, entre outras, num processo conflituoso e traumático entre os próprios trabalhadores e que divide a comunidade local.
Setembro de 1976 – Monte da Chaminé do Passarinho. Algumas centenas de trabalhadores da Vanguarda do Alentejo, suas famílias e outros habitantes locais, estão concentrados, para evitar a desanexação da propriedade e a formação de uma cooperativa independente. Viviam-se os primeiros tempos do primeiro governo constitucional, após os diversos governos provisórios. O primeiro-ministro é Mário Soares, vencedor das primeiras eleições legislativas e o ministro da agricultura é Lopes Cardoso, que aprova essa desanexação.
Para cumprir as ordens governamentais e desalojar os contestatários, uma força da GNR, num aparato bélico impressionante : guardas a cavalo e em jipes, carros blindados e até ambulâncias. Na estrada nacional, os veículos que aí passavam não podem parar ou sequer diminuir a velocidade.
A comandar essa força estava o mesmo oficial que assistira à formação da UCP, um ano antes. Desta vez, assumindo o papel de cavaleiro orgulhoso da sua farda, levanta a voz para os manifestantes, dando-lhes cinco minutos para dispersar, sob a ameaça de “levar tudo à sua frente”.
Gritos, choros, revolta, medo, resistência, de tudo um pouco se assiste. Valem a clarividência e o bom senso dos dirigentes da UCP que, vencidos mas não convencidos, apelam à retirada. Para que não houvesse vítimas, para que não surgissem novas Catarinas no Alentejo.
Três anos depois, em Setembro de 1979, em Santiago do Escoural, Caravela e Casquinha, 65 e 17 anos, serão as vítimas que então se evitam, os mártires dessa época de sonhos e de utopias.
20 Abril




(Foto do Blogue Alvitrando)



                             

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