No passado dia 21 de fevereiro faleceu em Beja D. Manuel Falcão, que aqui chegou em Janeiro de 1975, num período da nossa História (nacional e regional) bastante atribulado, após a reconquista da liberdade e da democracia, com o 25 de Abril.
Com uma postura simples, uma grande humildade e um humanismo cristão próprios de um pastor que desempenhava as suas funções para servir o próximo, D. Manuel foi, muitas vezes, apelidado de “Bispo Vermelho”, tal como sucedeu com outro bispo, também ele Manuel (felizmente ainda vivo), que dirigiu a Diocese de Setúbal entre 1975 e 1998. Esta designação, se em alguns casos não tinha uma conotação negativa, reconhecendo antes o papel desses clérigos junto dos mais desprotegidos das populações em que estavam inseridos, foi igualmente utilizada em tom depreciativo, com uma conotação político-partidária que pretendia denegrir a sua importante actividade pastoral.
Ora, quer D. Manuel Martins, quer D. Manuel Falcão, mais não fizeram do que perceber a História dos territórios que administravam : o primeiro, ao denunciar a situação de milhares de operários do distrito de Setúbal, nos anos 80 do século passado, colocados em situações de miséria e de pobreza, por uma grave crise económica e social, para a qual não tinham contribuído; o segundo, ao verificar que o afastamento dos alentejanos em relação à Igreja Católica, tinha razões que vinham de tempos antigos, e que esse distanciamento não significava ausência de religiosidade, bem presente nas suas vidas.
D. Manuel Falcão encontrou um povo que, durante décadas, passou fome, foi explorado e humilhado, a coberto de uma aliança entre uma ditadura, apoiada numa força repressiva (a GNR) e os grandes proprietários fundiários, perante uma Igreja conformista, quando não mesmo colaboracionista (com excepções, é claro).
Por isso, mais do que uma luta política ou ideológica, o que o Bispo de Beja viu nesses camponeses que se entregaram a uma Reforma Agrária onde depositaram todas as suas esperanças numa vida melhor, foi um conjunto de homens e mulheres que, para além do material, aspiravam sobretudo à dignidade e à cidadania, que não lhes era reconhecida durante as décadas de opressão. E foi junto a estes homens e mulheres, com quem se identificou, que desenvolveu a sua acção evangelizadora, promoveu uma obra obra social assinalável, prestigiando assim a Igreja a quem dedicou a sua vida.
Curiosa é também a atitude de espanto daqueles que referem o seu diálogo com os presidentes de câmara comunistas (durante muitos anos, a maioria no território abrangido pela Diocese que D.Manuel dirigia). É que, mais uma vez, o Bispo de Beja percebeu que os autarcas alentejanos (e não apenas os comunistas) estavam a realizar um trabalho que visava, acima de tudo, tirar do atraso as aldeias e lugares da região, dando aos seus habitantes condições de vida dignas, em acções como a electrificação, o abastecimento de água ao domicílio ou o saneamento básico. Como não dialogar, então, com quem trabalhava em prol de todos, católicos ou não, que viam, finalmente, chegar às suas casas e às suas terras, o progresso e o bem-estar a que também tinham direito?
Duas notas finais. A primeira para destacar uma outra faceta de D.Manuel Falcão, ao perceber o importante e inigualável património religioso da Diocese, criando os meios para a sua preservação e promoção, aquém e além fronteiras, através de um departamento específico, dirigido pelo Arquitecto José António Falcão, com um trabalho único no País. As várias exposições realizadas, os museus de arte sacra criados e o Festival Terras sem Sombras são marcas de uma actividade que dignifica e prestigia a Igreja e o Alentejo.
A segunda nota, para sublinhar o facto de, passados quase 40 anos da chegada de D.Manuel Falcão ao Alentejo, a situação é, felizmente, bem diferente daquela que ele bem percebeu : hoje vive-se em democracia, a GNR é uma força militarizada ao serviço do regime democrático, enquadrada por leis aprovadas pela Assembleia da República, existe uma nova geração de agricultores, com uma mentalidade diferente das que a precederam e há uma nova atitude da própria Igreja, que desenvolve um importante papel pastoral, social e cultural, em que vários dos seus membros se destacam, a nível regional e até nacional.
Onde se integra, obviamente, o sucessor de D.Manuel, o bispo D.António Vitalino, homem do nosso tempo, adepto das novas tecnologias, que reconhece a importância da comunicação social, onde colabora com regularidade, e que não hesita em denunciar o absurdo consumismo da época natalícia ou a “escravatura humana” de alguns emigrantes que trabalham nos campos do Alentejo (ele próprio é Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana).
13 de Abril |
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