Democracia significa alternativa.
Alternativa em relação às ideologias e práticas políticas, às propostas, aos
partidos, às pessoas. Significa, igualmente, alternância. No poder, seja ele
nacional ou local (por enquanto não há regional). Através de eleições, onde
todos podem participar – eleger e ser eleitos – e onde a liberdade de expressão
e a participação são (ou devem ser) , entre outras, tónicas dominantes.
Significa, por isso, mudança. De
quatro em quatro anos, de cinco em cinco, conforme os casos (e os cargos). Alteração
de protagonistas, que trazem consigo novas ideias e projetos, sufragados pelos
cidadãos e que, obviamente, enunciam mudanças para melhor (ainda que, o bom
senso aconselhe que, em relação ao que estava bem, se opte pela continuidade).
Não admira, pois, que surjam
comparações com o que os antecessores políticos fizeram (acompanhadas, por
vezes, de críticas, o que é normal), nos quatro ou mais anos anteriores, nas
mais diversas áreas de atuação.
O que, não sendo novo, é cada vez
mais replicado (e amplificado pelas redes sociais), é o alargamento dessas
comparações e críticas a períodos tão longos como trinta ou quarenta anos.
Temos assistido a isso nos últimos tempos, não só pelo cidadão “comum”, mais ou
menos neófito nas lides políticas, mas por responsáveis políticos locais que, para anunciar esta ou aquela obra, não resistem a
acrescentar os anos que a mesma esteve por fazer.
Esta prática, não sendo
ilegítima, acarreta, no entanto, vários aspetos sobre os quais se devia
refletir. Desde logo, porque a mesma pode ser usada daqui por alguns anos, se e
quando houver mudança de protagonistas; depois, porque, numa altura em que a
política e os políticos são alvo de campanhas de teor populista, é necessária
uma pedagogia democrática, oposta a certas afirmações que, ao invés, podem
acicatar sectarismos e intolerâncias sobre o adversário (tornado inimigo);
finalmente, porque não é correto e, pior que isso, é injusto, comparar a
situação atual do país, do município ou da freguesia, com a de há trinta ou
quarenta anos, esquecendo o trabalho de tantos e tantos eleitos que deram o
melhor de si nos mais diversos cargos políticos.
Quando se enuncia, por exemplo, a
pintura de um pavilhão desportivo ou a intervenção numa piscina e se referem os
anos que as mesmas estiveram por fazer, esquecem-se intervenções de fundo em
outro pavilhão ou na mesma piscina, que contribuíram para a melhoria da prática
das atividades aí praticadas. E o mesmo se aplica a outras situações, numa
prática contraproducente, já que atira para debaixo do tapete a raiz de atrasos
e deficiências em variados setores (estamos a falar a nível autárquico) : a falta
de meios, humanos, técnicos e financeiros, para fazer face a um cada vez maior
número de competências (assunto sobre o qual escreverei um dia destes),
equipamentos e infraestruturas que têm recaído (e continuam a recair) sobre as
autarquias locais.
Por outro lado, se os mais jovens
(nascidos no pós 25 de abril) não se recordam, talvez faça parte dessa
pedagogia democrática relembrar como era o nosso país em 1974, como eram as
nossas aldeias, o que faltava nas nossas vilas e cidades. Falar, por exemplo,
da falta de água ao domicílio, dos esgotos ou da luz elétrica. Ou de coisas tão
“banais” hoje em dia, como um campo de futebol com balneários e iluminação (nas
freguesias do concelho de Beja contavam-se pelos dedos as que tinham esse
equipamento desportivo, ainda que sem os “luxos” referidos). Falar das redes de
equipamentos culturais – bibliotecas, museus, teatros – e sociais que trouxeram
qualidade de vida às populações. Ou, a propósito, falar até do Diário do
Alentejo, salvo da sua extinção pela ação dos autarcas, que viabilizaram a sua
continuidade até aos dias de hoje, tal como fizeram com o Museu Regional.
Apregoar o trabalho feito, sim.
Mostrar as diferenças, sim. Mas sem esquecer que, quando se fazem comparações
com o “antes” e o “depois” há, de facto, uma “linha vermelha”, que separa o
atraso e o progresso (ainda que haja ainda muito por fazer). Essa linha não tem
trinta nem quarenta anos, mas sim quarenta e cinco. Os que separam o Portugal
da ditadura, do obscurantismo e do “orgulhosamente sós”, do Portugal
democrático, da liberdade de expressão, da cultura sem censura, do direito à
diferença, da afirmação internacional.
Chamusca, anos 50 do séc. XX |
Amadora, 1974 (foto de Alfredo Cunha) |
Duas notas finais. A primeira,
para citar uma evocação do Diário do Alentejo do passado dia 23 de agosto (na
rubrica Há 50 anos): na Nota do Dia de 17/18 de agosto de 1969, a propósito de
uma queixa dos habitantes de Corte do Pinto sobre a falta de energia elétrica
nessa localidade, era referido que “na capitação do consumo de energia elétrica
o distrito de Beja deve ser um dos últimos num confronto nacional [sendo
Portugal o “penúltimo país da Europa]” e que, em Almodôvar e Mértola apenas as
vilas, sedes dos respetivos concelhos, possuíam tal benefício. Ia mais longe o
autor desse texto: “a manterem-se situações como esta, de tão perniciosos como
nítidos reflexos, não será possível suster o êxodo rural, cujas desastrosas
consequências foram finalmente reconhecidas, pelo que se procura agora
eliminá-las“.
A segunda nota, para relembrar a
emoção de todos os que assistiram (entre os quais o autor destas linhas), em
1976, à chegada da luz elétrica à Mina da Juliana, que provocou algumas
lágrimas de felicidade e alegria aos habitantes dessa localidade (e não só),
“condenada”, primeiro pelo encerramento da mina, depois pela invasão das águas
da barragem, mas que resistiu até ao dia em que, graças à Democracia que
chegara dois anos antes, pôde concretizar esse desejo, adiado tantos anos.
15 novembro 2019 |