Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Quarenta e cinco.


Democracia significa alternativa. Alternativa em relação às ideologias e práticas políticas, às propostas, aos partidos, às pessoas. Significa, igualmente, alternância. No poder, seja ele nacional ou local (por enquanto não há regional). Através de eleições, onde todos podem participar – eleger e ser eleitos – e onde a liberdade de expressão e a participação são (ou devem ser) , entre outras, tónicas dominantes.
Significa, por isso, mudança. De quatro em quatro anos, de cinco em cinco, conforme os casos (e os cargos). Alteração de protagonistas, que trazem consigo novas ideias e projetos, sufragados pelos cidadãos e que, obviamente, enunciam mudanças para melhor (ainda que, o bom senso aconselhe que, em relação ao que estava bem, se opte pela continuidade).
Não admira, pois, que surjam comparações com o que os antecessores políticos fizeram (acompanhadas, por vezes, de críticas, o que é normal), nos quatro ou mais anos anteriores, nas mais diversas áreas de atuação.
O que, não sendo novo, é cada vez mais replicado (e amplificado pelas redes sociais), é o alargamento dessas comparações e críticas a períodos tão longos como trinta ou quarenta anos. Temos assistido a isso nos últimos tempos, não só pelo cidadão “comum”, mais ou menos neófito nas lides políticas, mas por responsáveis políticos locais que, para anunciar esta ou aquela obra, não resistem a acrescentar os anos que a mesma esteve por fazer.
Esta prática, não sendo ilegítima, acarreta, no entanto, vários aspetos sobre os quais se devia refletir. Desde logo, porque a mesma pode ser usada daqui por alguns anos, se e quando houver mudança de protagonistas; depois, porque, numa altura em que a política e os políticos são alvo de campanhas de teor populista, é necessária uma pedagogia democrática, oposta a certas afirmações que, ao invés, podem acicatar sectarismos e intolerâncias sobre o adversário (tornado inimigo); finalmente, porque não é correto e, pior que isso, é injusto, comparar a situação atual do país, do município ou da freguesia, com a de há trinta ou quarenta anos, esquecendo o trabalho de tantos e tantos eleitos que deram o melhor de si nos mais diversos cargos políticos.
Quando se enuncia, por exemplo, a pintura de um pavilhão desportivo ou a intervenção numa piscina e se referem os anos que as mesmas estiveram por fazer, esquecem-se intervenções de fundo em outro pavilhão ou na mesma piscina, que contribuíram para a melhoria da prática das atividades aí praticadas. E o mesmo se aplica a outras situações, numa prática contraproducente, já que atira para debaixo do tapete a raiz de atrasos e deficiências em variados setores (estamos a falar a nível autárquico) : a falta de meios, humanos, técnicos e financeiros, para fazer face a um cada vez maior número de competências (assunto sobre o qual escreverei um dia destes), equipamentos e infraestruturas que têm recaído (e continuam a recair) sobre as autarquias locais.
Por outro lado, se os mais jovens (nascidos no pós 25 de abril) não se recordam, talvez faça parte dessa pedagogia democrática relembrar como era o nosso país em 1974, como eram as nossas aldeias, o que faltava nas nossas vilas e cidades. Falar, por exemplo, da falta de água ao domicílio, dos esgotos ou da luz elétrica. Ou de coisas tão “banais” hoje em dia, como um campo de futebol com balneários e iluminação (nas freguesias do concelho de Beja contavam-se pelos dedos as que tinham esse equipamento desportivo, ainda que sem os “luxos” referidos). Falar das redes de equipamentos culturais – bibliotecas, museus, teatros – e sociais que trouxeram qualidade de vida às populações. Ou, a propósito, falar até do Diário do Alentejo, salvo da sua extinção pela ação dos autarcas, que viabilizaram a sua continuidade até aos dias de hoje, tal como fizeram com o Museu Regional.
Apregoar o trabalho feito, sim. Mostrar as diferenças, sim. Mas sem esquecer que, quando se fazem comparações com o “antes” e o “depois” há, de facto, uma “linha vermelha”, que separa o atraso e o progresso (ainda que haja ainda muito por fazer). Essa linha não tem trinta nem quarenta anos, mas sim quarenta e cinco. Os que separam o Portugal da ditadura, do obscurantismo e do “orgulhosamente sós”, do Portugal democrático, da liberdade de expressão, da cultura sem censura, do direito à diferença, da afirmação internacional.
Chamusca, anos 50 do séc. XX
Amadora, 1974 (foto de Alfredo Cunha)
Duas notas finais. A primeira, para citar uma evocação do Diário do Alentejo do passado dia 23 de agosto (na rubrica Há 50 anos): na Nota do Dia de 17/18 de agosto de 1969, a propósito de uma queixa dos habitantes de Corte do Pinto sobre a falta de energia elétrica nessa localidade, era referido que “na capitação do consumo de energia elétrica o distrito de Beja deve ser um dos últimos num confronto nacional [sendo Portugal o “penúltimo país da Europa]” e que, em Almodôvar e Mértola apenas as vilas, sedes dos respetivos concelhos, possuíam tal benefício. Ia mais longe o autor desse texto: “a manterem-se situações como esta, de tão perniciosos como nítidos reflexos, não será possível suster o êxodo rural, cujas desastrosas consequências foram finalmente reconhecidas, pelo que se procura agora eliminá-las“.
A segunda nota, para relembrar a emoção de todos os que assistiram (entre os quais o autor destas linhas), em 1976, à chegada da luz elétrica à Mina da Juliana, que provocou algumas lágrimas de felicidade e alegria aos habitantes dessa localidade (e não só), “condenada”, primeiro pelo encerramento da mina, depois pela invasão das águas da barragem, mas que resistiu até ao dia em que, graças à Democracia que chegara dois anos antes, pôde concretizar esse desejo, adiado tantos anos.


15 novembro 2019

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Camilo


É bem conhecida a frase “Uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade”, atribuída a Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler. Com o advento e a proliferação das redes sociais, mais ainda se tornou omnipresente, sobretudo através do que se convencionou chamar “fake news”, realidade preocupante dos nossos dias.
Por isso, não é de admirar que, numa aula do 12º Ano, ao abordar-se o tema “Portugal – do autoritarismo à democracia”, em que se fala da resistência à ditadura (luta clandestina, exílios, greves, “eleições”, MUD, entre outros aspetos e), e se referem alguns episódios marcantes, como o atentado contra Salazar, em 1937, levado a cabo pelos anarquistas ou, mais tarde, já na década de 60, os desvios do paquete Santa Maria e do voo da TAP Casablanca-Lisboa e os assaltos ao quartel de Beja e ao Banco de Portugal, na Figueira da Foz, e se nomeie o nome de Camilo Mortágua, como um dos participantes nestas quatro últimas ações, um(a) aluno(a) aluda ao que leu/ouviu dizer: “esse assaltante de bancos”?


Afinal, esse foi o argumento utilizado pela imprensa pró-regime, classificando estas ações como terroristas (tal como apelidava a luta dos movimentos que lutavam pela independência das colónias) e os seus autores como criminosos comuns, quando, no fundo, se tratavam de iniciativas cujo principal objetivo era político, visando o derrube da ditadura liderada por Salazar e que já durava há mais de trinta anos.
 
 Triste é que esse argumento, próprio de páginas de uma certa (extrema)”direita política” seja por vezes replicado de uma forma célere, sem o mínimo conhecimento do que se está a escrever (inclusive por alguns “democratas”). É esse o caso do(a) aluno(a) referido(a), ainda que, neste caso, o papel pedagógico do docente o(a) possa e deva esclarecer.
Esse esclarecimento tem passado, por exemplo, por uma visita ao Museu do Aljube, onde se podem ver as principais caraterísticas da ditadura: a pobreza/miséria de grande parte da população, o analfabetismo, a emigração, a repressão política, a censura, o ensino dominado pela ideologia, a cultura controlada, a guerra colonial criminosa, o isolamento internacional. Ou seja, um real “centro interpretativo” do salazarismo, dificilmente substituível por uma outra qualquer interpretação contida num eventual “Museu de Salazar” de que hoje tanto se fala. A não ser que se queira transformar Santa Comba Dão na Gori portuguesa, cidade georgiana, onde nasceu Estaline e existe um museu a ele dedicado (objeto de um interessante artigo na revista do Expresso de 24 de agosto) que é um local de romaria para os saudosistas do ditador soviético.
Pois foi contra Salazar, o amigo e discípulo de Hitler e de Mussolini, que apoiou Franco contra a República, que criou o Tarrafal, onde morreu Bento Gonçalves, que dirigiu a polícia política que assassinou Dias Coelho e Humberto Delgado, foi contra esse ditador que Camilo Mortágua lutou, levando à prática o que há pouco mais de um mês, a insuspeita Angela Merkel dizia : “… há momentos em que a desobediência é obrigatória...”, apelando “… à luta contra os avanços da extrema-direita, por ocasião do 75º aniversário da conspiração mais famosa parra assassinar o líder nazi Adolf Hitler…” (Público, 20 de julho).
Duas notas finais. A primeira, para dizer que conheci o Camilo apenas há quatro anos, aquando da campanha eleitoral de Sampaio da Nóvoa (da qual, ele e o Francisco Fanhais, foram os primeiros impulsionadores no distrito de Beja). Não obstante ser o menos novo dos apoiantes, era o parecia ter mais “sangue na guelra”: se estava combinado distribuir cem folhetos, ele propunha duzentos, se íamos a três localidades, ele avançava com seis. Ou seja, o mesmo espírito revolucionário de cinquenta anos atrás, lutando por uma causa em que acreditava.
A segunda e última nota visa outro aspeto que aparece não poucas vezes nas citadas redes sociais: a associação da prática antifascista de Camilo Mortágua (avaliando-a de modo depreciativo) à atividade política das suas filhas, o que não deixa de ser uma atitude, no mínimo desonesta. O que, de facto, os que o fazem não conseguem aceitar é ver a Mariana e a Joana prosseguirem, não uma “carreira política” baseada em amiguismos e outros esquemas mas, a exemplo do pai, a defesa dos ideais e das causas em que acreditam, através da luta política. E, numa altura, em que se apela a que mais jovens e mais mulheres participem na vida política, não deixa de ser um paradoxo que essas duas jovens mulheres sejam criticadas apenas por serem filhas do antifascista e revolucionário Camilo.
13 setembro 2019



sexta-feira, 12 de julho de 2019

Participação.

Foi há pouco mais de um mês que se realizaram as eleições para o Parlamento Europeu. Percentagem de votantes: 51% (global); 31% (Portugal); 55% (Suécia, onde, nas legislativas de 2018, se registou uma participação de 87%). Sobre estes números, diversas podem ser as explicações (de natureza económica, social ou religiosa) mas aquela que mais justifica tal diferença é, sem dúvida, a política. De facto, 48 anos de ditadura no nosso país, fazem a diferença e contribuem para que, no Índice de Democracia 2018 (da revista The Economist), numa escala até 10, Portugal tenha as pontuações de 6,11 e 6,88 e a Suécia tenha 8,33 e 10, nos parâmetros Participação Política e Cultura Política, respetivamente.
Deixando de lado explicações mais simplistas e populistas (ampliadas nas redes sociais), a dicotomia “eles/nós” (explorada por João Miguel Tavares no 10 de junho), interessa relembrar apenas dois dos fatores que levam a este aparente divórcio dos portugueses pela vida política.
Desde logo, os fenómenos de corrupção e de enriquecimento ilícito (não exclusivos de políticos), acrescidos por uma sensação de impunidade, contrários ao nobre desígnio de “servir o povo e não servir-se do povo”, enunciado pelo padre Max (assassinado pela extrema-direita em abril de 1976). Depois, os vários episódios de nomeações familiares (extensivas a vários partidos), a que se junta outro fenómeno (este menos divulgado e conhecido), as nomeações para gabinetes governamentais de jovens recém-licenciados (normalmente oriundos das “jotas”), como “especialistas”, ainda que sem conhecimentos ou experiência profissional, mas com “generosos” vencimentos.
A estes fatores, juntam-se outros, de natureza regional e/ou local que levam igualmente aos apelos de abstenção, voto nulo ou branco. Por razões muitas vezes incompreensíveis para o “cidadão comum”, arrastam-se situações de incapacidade dos poderes públicos perante problemas, que revelam o esquecimento ou até o ostracismo a que é votado o interior do país.
Como explicar, por exemplo, que a ligação ferroviária direta a Lisboa, após mais de século e meio desejada (e apenas concretizada entre 2004 e 2010) tenha sido suprimida e substituída por outra, caraterizada por avarias, atrasos, desconforto e (de novo) por um transbordo? Ou que a ligação de Beja à A2 tenha sido iniciada, interrompida e que, depois de retomada (parcialmente) esteja ainda sem uso, não obstante já estarem concluídos há longos meses treze quilómetros dos menos de cinquenta desse troço da A26?
Para além de outros temas, como as indefinições sobre o aeroporto ou as carências e debilidades na saúde, registe-se que os dois temas atrás citados já atravessaram três legislaturas e três governos. Falando apenas no último, como classificar a atitude de um primeiro-ministro que, durante o seu mandato, praticamente ignorou Beja nas suas deslocações oficiais? Ou do ministro da tutela que apenas veio a uma reunião com autarcas poucos dias antes de deixar as suas funções, para se dedicar à campanha das eleições que o levariam ao Parlamento Europeu?
Por outro lado, quando os cidadãos se mobilizaram para defender essas causas coletivas, formando movimentos e levando a cabo várias iniciativas, essa participação foi alvo de todo o tipo de reações, vindas sobretudo das forças políticas : alheamento, desconfiança, hostilidade, oportunismo, de tudo um pouco se assistiu, quando deveria ter havido um apoio incondicional e desinteressado desde a primeira hora.
Há outros aspetos que não incentivam os cidadãos à participação na discussão de temas essenciais para o futuro da sua terra. Como, por exemplo, realizar uma sessão de esclarecimento/debate (promovida por uma comissão nomeada pela Assembleia da República) sobre a Regionalização, às catorze horas de uma segunda-feira? Quem estava a trabalhar a essa hora dificilmente poderia comparecer (ainda que estivesse interessado).
Por outro lado, a nível local, ainda que em altura de eleições se apele à participação cívica, se promovam encontros para “ouvir” os cidadãos sobre diversos temas, ou se prometa um orçamento participativo (para escolher entre o polidesportivo ou o centro de convívio), assuntos muito próximos dos munícipes são pouco (e de forma deficiente) esclarecidos, levando às mais diversas especulações, em particular nas redes sociais (mas não só), dado o casulo em que muitos dos decisores eleitos se encerram (a que se junta alguma autarcia política).
Citemos apenas alguns que deveriam ter sido alvo de um claro e cabal esclarecimento: a demolição do depósito de água, a passagem da gestão de Pisões para a Universidade de Évora e do Museu Regional para o Ministério da Cultura, o futuro do Centro de Artes e do fórum romano (ainda sem decisão). Em todos estes assuntos, faltou informação e, na maior parte deles, os munícipes só tiveram conhecimento do que foi decidido depois de notícias na comunicação social, como factos consumados.
     
                      Foto : João Espinho

 
Voltando ao início, se quase meio século de ditadura impediu (e até reprimiu) os cidadãos de terem voz ativa na vida da sua aldeia, cidade, concelho ou até do país, daqui a cinco anos comemorar-se-á meio século de democracia. Para que esta seja mais do que o ato formal de depositar o voto nas urnas, importa refletir sobre a forma de incentivar e promover o que de mais importante têm os regimes democráticos: a participação do cidadão, o “animal cívico” descrito por Aristóteles no século IV a.C.
12 julho 2019

sábado, 1 de junho de 2019

Leonel Borrela.


Contracapa da Agenda Cultural nº 1
Julho-Agosto 1999

Este texto será publicado na véspera da homenagem, justa e merecida, a Leonel Borrela. Mais do que uma evocação, pretende ser o meu tributo a este bejense “adotivo”, cuja vida e obra foram tão bem recordadas pela sua filha Sílvia, neste mesmo jornal, no passado dia 17.
Dele recordo as nossas conversas, dentro ou à porta do Farnel (mesmo em frente ao seu local de trabalho, o convento onde viveu Mariana), que abordavam os mais variados temas, em particular os que mais nos aproximavam: a História, o Património e a Cultura. A sua formação multifacetada nessas áreas, expressa na quantidade e variedade de publicações ou na sua extensa produção, enquanto artista plástico, faziam dele um intelectual, palavra e condição tantas vezes injustamente esquecidas (quando não hostilizadas) na nossa terra.
Recordo ainda o entusiasmo com que recebeu o convite que lhe fiz para colaborar na Agenda Cultural de Beja. Ao longo de seis anos, os seus textos (incluídos na secção “ À descoberta de… “, tanto abordavam os azulejos de Jorge Colaço (na Estação da CP e no Jardim Público) – nº5, Fevereiro 2000 -, como a restauração do Arco de Avis – nº 36, Fevereiro 2005. É neste último texto que ele expressou uma das suas mágoas, que comigo não poucas vezes partilhava: o descaso perante o rico património da vetusta Pax Julia. Escreveu ele, na altura: “… o património de Beja sofreu uma delapidação profunda neste período de transição do século XIX para XX, mais precisamente a partir de 1876 (demolição das Portas romanas de Mértola) até 1919 (demolição da Igreja paroquial de S. João…) “.
Não obstante esse desencanto que, por vezes, o assolava, esse entusiasmo voltava, ao guiar, em Maio de 2011, um grupo de alunos e seus professores do Clube de Jornalismo da Escola Mário Beirão, falando-lhes com todo o seu saber e paixão, junto da famosa janela do convento, de uma outra paixão, a da “sua” Mariana Alcoforado (a quem dedicou uma parte da obra) com o cavaleiro francês, imortalizada nas Cartas, cuja primeira edição data de há 350 anos.
Alunos com a saudosa Professora Ana Albuquerque
Maio 2011

Se a sua obra é conhecida sobretudo pelos textos publicados em jornais, revistas, livros, pelas ilustrações de publicações ou pelas aguarelas, deve também recordar-se o que nos deixou num conjunto de blogues, cujos títulos são sugestivos: “Cartas Portuguesas”, “Beja dos tempos idos”, “Iconografia Pacense”, “Beja Cidade Monumental”, entre outros. Para além dos textos, realce para as perfeitas ilustrações que os acompanhavam, dos capitéis romanos, ou das cabeças de touro, como a que se encontra no exterior do Museu Regional.
Esta sua “conversão” às novas tecnologias estender-se-ia também ao Facebook onde, na sua página, continuava o trabalho de divulgação, promoção e defesa da História, da Arte e do Património. E foi precisamente numa das suas publicações desta rede social, em Outubro de 2013, que relembrou alguém que admirava, pela obra que deixara na sua cidade e região adotivas, Abel Viana. Escreveu então: “No próximo ano cumprem-se cinquenta anos sobre a sua morte, ocorrida em 1964. É provável que algumas instituições recordem o seu desaparecimento e comemorem o seu cinquentenário. Veremos!”
Foi na sequência desta publicação que, no início de 2014, apresentei uma proposta para a realização das “Jornadas de Arqueologia e Património”, em Outubro ou Novembro desse ano, onde, para além da comemoração da efeméride, se faria um “ponto da situação” sobre vários temas: Arqueologias da Cidade de Beja, Outeiro do Circo, Escavações da EDIA , villa romana de  Pisões, revista Arquivo de Beja, património religioso do Baixo Alentejo, entre outros. Nesta proposta, Leonel Borrela ocupava um lugar de destaque, que não era mais que o reconhecimento do seu mérito, através de atos concretos, que tardavam em acontecer.
Abel Vaiana
Para além da destinatária da proposta (Câmara Municipal de Beja), apenas ele teve conhecimento da mesma. Não esqueço as suas palavras, que se revelaram premonitórias: “Pensas que alguém vai ligar a isso? O mais certo é não teres resposta”. Este seu ceticismo, assente em tantas outras desilusões, viria a estar certo e a proposta não saiu da caixa de correio eletrónico para onde foi enviada, perdendo-se assim uma oportunidade para se refletir sobre esses importantes assuntos, tão atuais ainda hoje em dia.
E foi precisamente um ano antes da sua prematura morte que, a propósito da demolição do depósito de água, viria a ter o seguinte desabafo, igualmente no Facebook : “ É mais uma mágoa que fico da cidade que, afinal, em absoluto, não é a minha, embora a defenda como se sabe” (14 Maio 2016).
É este o Borrela que recordo, amigo, culto, sonhador, inconformado, resistente, que vai ser merecidamente homenageado amanhã, ainda que, em minha opinião, a melhor homenagem que ele e outros (Abel Viana, Nunes Ribeiro, José Luís Soares, Figueira Mestre, só para citar alguns dos que já não estão entre nós) merecem, é recordar o que escreveu no Beja Cidade Monumental: “ … aquela que nos cativa para a preservarmos que mais não seja na memória, pois Beja tem quase tudo aquilo que se disse, tem tudo aquilo que é belo, com o cimo do castelo, do qual se avista a planície…” (16 Agosto 2009).
31 maio 2019






Agenda Cultural nº 16 - Novembro/Dezembro 2001

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Abril : Revolução

Foto : Acácio de Almeida
Filme Raiva, de Sérgio Tréfaut, 2018
 “ Eu trocava um ano da minha vida por uma hora desse dia “. Esta foi a frase com que Raphael, um jovem de 30 anos comentou uma das muitas fotografias que Alfredo Cunha tirou no dia 25 de Abril de 1974 e que foi publicando na sua página do Facebook nas últimas semanas.
Nessa frase se expressa a magia que, ainda hoje, esse “dia inicial inteiro e limpo”, como lhe chamou Sophia, desperta em todos os que amam a Liberdade e a Democracia. Sim, porque foram estas duas as grandes, as maiores conquistas que os militares que, nessa madrugada que todos esperávamos, saíram dos seus quartéis para derrubar a ditadura que oprimia os portugueses, nos trouxeram.
Mas o 25 de Abril não foi apenas o golpe militar, preparado por jovens oficiais, alguns dos quais não tinham ainda os 30 anos de Raphael, que afastou do poder o sucessor de Salazar. Nas semanas e meses que se seguiram, Portugal viveu uma Revolução, com todas as caraterísticas (e consequências) que daí advêm. Como costumo dizer aos meus alunos, na época atual vivemos em “evolução”, com a História a “caminhar a 10 à hora”; em 1974 e 1975 essa mesma História fazia-se a uma velocidade dez vezes maior quando, muitas vezes, se agia primeiro e se pensava depois. Esses, eram os tempos da Revolução.
Quatro décadas e meia depois é curioso ouvir ou ler alguns dos protagonistas da época dizer ou escrever “se tivesse acontecido assim…” ou “devia ter sido assim…”, como se a História fosse feita de “ses” ou pudesse ser refeita ou reescrita de acordo com o que pensamos ser “politicamente correto” nos dias de hoje.
Por outro lado, aspetos importantes dessa Revolução não podem (nem devem) ser justificados com discursos simplistas ou ideológicos, enquadrando-os no chamado (e odiado por muitos) PREC, expressão já de si simplista (e pejorativa na maior parte das vezes), apontando-o como a causa de muitos dos “males” provocados pelo 25 de Abril.
Dois exemplos apenas, de mudanças provocadas pela Revolução e que deixaram traumas na sociedade, a tal ponto que, por vezes, falar delas ou discuti-las é ainda tabu : a descolonização e a reforma agrária. Quase meio século depois, não bastam as análises simplistas e/ou ideológicas, é preciso ir às suas causas mais profundas, que encontramos, precisamente, na História. Ainda esta semana, a propósito dos cinquenta anos da crise académica de 1969, Alberto Martins dizia : “ Só quem compreende o passado pode sonhar e construir o futuro “ (Público, 23 de abril).
No primeiro dos casos, foi dolorosa, sem dúvida, a viagem de regresso de milhares de pessoas, deixando para trás toda uma vida, memórias e afetos, como foram dramáticas as guerras civis que se seguiram nos novos países independentes. Só que, para se explicar esse momento dramático da nossa História (bem como a guerra colonial que o antecedeu), é preciso recuar algumas dezenas de anos, quando o ditador Salazar preferiu o isolamento internacional, recusando o que os países europeus fizeram nos anos 50 e 60 do século passado, a descolonização de África; ou ainda, ir um pouco mais atrás, aos anos de 1884/85, quando as potências europeias, na Conferência de Berlim, retalharam o continente africano, criando fronteiras artificiais e dividindo e separando etnias e tribos, causando algumas guerras que ainda hoje ocorrem em África.
África depois da Conferência de Berlim

Em relação à reforma agrária, descobrimos as suas causas na literatura (Seara de Vento, de Manuel da Fonseca) ou no cinema (Raiva, de Sérgio Tréfaut) : a pobreza da maioria do povo alentejano, que contrastava com a riqueza dos grandes proprietários agrícolas, apoiantes do regime (que os protegia com as suas forças repressivas, PIDE e GNR) e que contavam, ainda, com a cumplicidade de parte significativa da Igreja Católica.

Mas, para além destas duas obras, baseadas, de resto em factos reais ocorridos bem perto de Beja, num estudo académico de Antropologia Social, publicado originalmente pela Universidade de Oxford em 1971 e que, por razões óbvias, só em 1977 foi editado em Portugal (com o título “Ricos e Pobres no Alentejo”), José Cutileiro dá-nos uma pormenorizada visão da freguesia alentejana por si estudada (com o pseudónimo de Vila Velha), nomeadamente na primeira parte, Posse da Terra – Estratificação Social. Como escrevia a revista The Political Quarterly em 1976, “ José Cutileiro (…) estudou uma sociedade dominada ainda pelo analfabetismo, pela superstição e pela miséria, cujas reivindicações políticas eram implacavelmente reprimidas “. E citando o autor, “… quem quer que esteja familiarizado com os trabalhadores sabe que estes reprovam vivamente a actual distribuição da terra (…) São unânimes em sustentar que, pelo menos os grandes latifundiários deveriam ser sistematicamente expropriados da maior parte das suas terras “.

É pois, com este espírito, despido de complexos e de preconceitos, que deve ser analisada a complexa época vivida no nosso País, logo a pós a data libertadora do 25 de Abril. E, voltando à frase do jovem Raphael, partilho um sentimento pessoal : com vitórias e derrotas, sonhos e desilusões, considero um privilégio ter vivido e participado na Revolução que queria terminar com a sociedade onde, como Soeiro Pereira Gomes retratou, eram muitos “…os filhos dos homens que nunca foram meninos “.
3 maio 2019


sexta-feira, 29 de março de 2019

Um Museu que preserve e dignifique a memória e a obra de Jorge Vieira.


“ Liberdade essa [devida aos capitães de Abril] que permitiu ter-se erguido em Beja, o monumento ao 25 de Abril, que é uma referência aos prisioneiros políticos de todo o mundo… “

Estas palavras mostram o afeto que Jorge Vieira nutria por Beja, a cidade que acolheu e erigiu, em 25 de Abril de 1994, essa sua obra, premiada num concurso realizado em Londres, no ano de 1953, quando ele era um jovem artista de 30 anos, e que esteve mais de quatro décadas apenas em forma de maquete (exposta, aquando do concurso, na Tate Gallery).

E foi precisamente que, graças a esse gesto da autarquia, em particular à “…intervenção de José Manuel Carreira Marques (…) viria a desencadear o processo que findou na doação, ao Município de Beja, de um grupo de esculturas e desenhos…” (excertos de um texto do artista para o Catálogo de Desenhos editado por altura da exposição realizada em novembro e dezembro de 1999).

Passado pouco mais de um ano da inauguração do monumento referido, abria no dia 25 de maio de 1995, num edifício adquirido para o efeito, a Casa das Artes/Museu Jorge Vieira, que iria acolher essa coleção doada a Beja.

Para além de acolher a exposição permanente das obras do artista, este novo equipamento cultural municipal desenvolveu um importante trabalho no campo da promoção e divulgação das artes plásticas, fruto, não só da sua direção artística (Noémia Cruz e Rui Pereira), mas do apoio e incentivo do poder autárquico. Por falta de espaço, refiro apenas as exposições temporárias, quer de consagrados – Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Daciano da Costa, Rui Chafes, - quer de artistas locais e regionais – António Paizana, Heitor Figueiredo, Susana Monteiro, Tiago Mestre (num caso e noutro, entre muitos outros).

Só que, ao longo dos anos, vários problemas de natureza estrutural do edifício (não obstante as obras realizadas e a mudança da coleção para o piso superior) criaram problemas que se foram agravando, (nomeadamente no último mandato autárquico), que levaram (e bem) que o atual executivo municipal tivesse encerrado o museu, poucos meses depois de ter tomado posse. Mais de um ano depois, impõe-se, pois, uma reflexão acerca do futuro do Museu Jorge Vieira.
Em minha opinião, esse futuro passa pela sua instalação no edifício recuperado pela autarquia no centro histórico (Rua do Sembrano), apoiado por fundos comunitários, numa operação designada por “Casa Criativa” e que visava a                    "Reabilitação do edifício do antigo clube Bejense e sua reutilização para novos usos”. Só que, estranhamente (ou não), em julho de 2017, é aí instalado o Centro UNESCO, criado um ano antes. Não obstante a atividade desta entidade, creio que, não só o espaço está claramente subaproveitado, como as suas caraterísticas estão mais vocacionadas para receber o Museu Jorge Vieira, dando-lhe a dignidade e a visibilidade que merece.

Resolvida questão da acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida, o edifício possui espaços para acolher a coleção de escultura e de desenho, para a realização de exposições temporárias, para o acolhimento de criadores (não só desta área) para residências artísticas, para a promoção de oficinas e ateliers e, eventualmente, para a criação de um espaço para a exposição de obras de artistas locais (ideia expressa por Jorge Castanho numa entrevista ao Diário do Alentejo há alguns meses).

Desconheço quais as intenções do executivo municipal sobre este assunto e não sei qual o ponto da situação do edifício da Praça da República (que já foi “de arqueologia e artes” e que perdeu depois esta última valência), mas julgo que seria tempo de inverter a decisão de 2017, para que, com um bom projeto museográfico, a memória e a obra de Jorge Vieira fossem recuperadas (como merecem) e dadas de novo a conhecer aos bejenses e a todos os visitantes da cidade.
Duas notas finais, de toda a justiça. A primeira para relembrar o excelente trabalho de Jorge Castanho, anterior ao Museu Jorge Vieira, que colocou Beja na primeira linha da arte contemporânea, enquanto Diretor da Galeria dos Escudeiros, ao organizar um conjunto de iniciativas que trouxeram à cidade o trabalho de alguns dos mais conceituados artistas nacionais (entre elas, a Retrospetiva da Arte Portuguesa no Anos 50, organizada numa parceria entre a CMB e a Gulbenkian, em outubro e novembro de 1992, onde estava patente a maquete do monumento de Jorge Vieira, referido no início deste artigo).

A segunda, para sublinhar o bom trabalho que André Tomé tem vindo a realizar no Centro UNESCO e que merece, claramente, continuar. Onde? Num espaço que, depois de recuperado devidamente, tem as condições necessárias para o tipo de atividades desenvolvidas no âmbito do Património Imaterial, sem perder a qualidade que as tem marcado: o edifício municipal da Rua do Touro onde foi instalado, em 1995, o rico espólio de um dos grandes artistas nacionais contemporâneos, Jorge Vieira.
29 março 2019


sexta-feira, 1 de março de 2019

Serviços mínimos.



Daqui a pouco mais de dois meses passam nove anos da suspensão das ligações ferroviárias diretas entre Beja e Lisboa. Que, de resto, tinham apenas seis anos de existência: entre 1864 e 2004, essa viagem era feita com um transbordo no Barreiro, onde se apanhava o barco até ao Terreiro do Paço.
Só com a abertura da Ponte 25 de Abril à ferrovia é que esse sacrifício acabou e deu lugar a viagens mais rápidas e cómodas, “privilégio” que foi sol de pouca dura. Com o início das obras de eletrificação do troço Bombel-Évora, em maio de 2010 (que duraram mais de um ano), terminaram as ligações diretas Beja-Lisboa, substituídas por uma (por vezes penosa) viagem até Casa Branca, seguida de transbordo para o comboio vindo de Évora.
Foi na sequência do anúncio deste retrocesso, feito no início de 2011, que se iniciou um movimento cívico de protesto que, num mês, realizou duas concentrações públicas, recolheu mais de quinze mil assinaturas (as primeiras centenas na manhã fria e chuvosa do dia das eleições presidenciais desse ano), entregues no dia 16 de fevereiro ao então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, reuniu com os grupos parlamentares, secretário de estado, presidente do CA da CP, entre outras iniciativas.
Que queriam, com todas estas ações (repetidas várias vezes, nesses e em outros formatos, ao longo dos anos), os cidadãos? Tão somente que não fosse eliminada a ligação direta por comboio de Beja a Lisboa (que servia igualmente Cuba, Alvito e Viana do Alentejo, bem como os concelhos limítrofes). Eram esses os “serviços mínimos” exigidos em dezenas de reuniões, comunicados, ações de rua e que foram transmitidos, aos secretários de estado Correia da Fonseca e Sérgio Monteiro, em março e julho de 2011. O resultado, esse, todos nós sabemos.
Depois, à revolta que esta injusta decisão provocou (a que se juntou o fim da ligação à Funcheira), outras situações ocorreram, como a interrupção da construção da A26 e de parte do IP2 (esta, mais tarde concluída), a “novela” da abertura do troço de 13 quilómetros de ligação à A2 (adiada para as calendas gregas), para além dos atrasos, avarias, interrupções na viagem Beja-Casa Branca. Não admira, por isso, a perda de 18 mil passageiros nesta ligação, noticiada na última edição do Diário do Alentejo.
Ao mesmo tempo, nos vários planos apresentados pelos governos, em 2014 e em 2016, bem como na reprogramação do Portugal 2020, efetuada em 2018, as justas pretensões por que os bejenses (e não só) lutavam, eram ignoradas e, só muito recentemente, se falou no concurso para a aquisição de comboios (que, como o DA também noticiou, só lá para 2023 chegarão) e a eletrificação da linha (bem como um conjunto de outras obras, entre as quais a A26) foi incluída num “pacote”, incluído no chamado PNI 2030, que o ex-ministro Pedro Marques veio apresentar aos autarcas da região poucos dias antes de deixar o governo (ele que, durante os mais de três anos de funções governativas, nunca tinha vindo a Beja).
Perante este cenário e, tendo em conta a mudança da equipa ministerial da área (ainda que com um limitado período temporal – até às eleições legislativas de setembro), coloca-se a questão: é ou não possível reverter a situação, de modo a voltar a haver, pelo menos três ligações diretas Beja-Lisboa-Beja? Em minha opinião, é. Basta, para isso, que haja a vontade política que tem faltado nos últimos anos, aliada à “discriminação positiva” para o interior, tão falada, mas tão pouco praticada.
É claro que o ideal seria numa linha eletrificada mas, à falta desta (e dos tais comboios híbridos, anunciados há um ano), porque não recorrer ao que existe e que fazia as citadas ligações diretas entre 2004 e 2010? Em artigo publicado no dia 19 de fevereiro no jornal Público, Carlos Cipriano escreveu : “Pedro Nuno Santos vai ter de decidir se quer aproveitar o material que a CP tem imobilizado e que pode ser colocado a transportar passageiros (…), 30 carruagens Sorefame (…) quatro locomotivas a diesel (…) além de outro material que está parado”.
Tem a palavra, pois, o novo ministro. Será ele capaz de corrigir esta injustiça, que já dura há quase oito anos? Será que continuará esta contínua degradação do transporte ferroviário (mais próximo de um país de Terceiro Mundo), condenando-o a uma morte lenta, que levará, no limite, ao encerramento de mais uma linha?
Ao contrário dos revolucionários do maio de 68, em Paris, não “exigimos o impossível”, somos “razoáveis”, apenas gostaríamos de sair de Beja, de comboio, às 8 da manhã e, pouco mais de duas horas depois, estarmos em Sete Rios ou no Oriente (como em 2004). São estes os “serviços mínimos” que se pedem a Pedro Nuno Santos.

1 março 2019


sábado, 5 de janeiro de 2019

Participação cidadã e redes sociais: uma contradição insanável?


No início deste ano foi divulgado um estudo da revista The Economist, sobre o índice de democracia no mundo, relativo a 2017, que colocava Portugal no 26º lugar, entre os 167 países analisados. Fora do grupo de dezanove países considerados “totalmente democráticos” (liderado por três países nórdicos), encontramo-nos no segundo, o dos países onde existirá uma “democracia com falhas”. Para esta posição contribuem dois dos cinco itens que integram esse estudo: participação política e cultura política, com 6,11 e 6,88 (em 10,00), respetivamente.
Acontece que, em minha opinião, a pontuação obtida no primeiro dos itens não está de acordo com o que tem acontecido nas duas últimas eleições autárquicas (2013 e 2017) no concelho de Beja (que é aquele que conheço melhor), em que se tem registado uma significativa participação nas listas, em particular para as das assembleias de freguesia, onde concorreram inúmeros cidadãos jovens e muitos outros nascidos já depois do 25 de abril. Ou seja, numa época em que muitos destes candidatos criticam e desconfiam (e, em alguns casos, com razão) da chamada “classe política” (sobretudo deputados e governantes), esses mesmos cidadãos não se excluem de participar na luta por melhores condições para as freguesias onde residem ou onde nasceram, num ato de cidadania de louvar.
Uma maior participação cidadã, em Beja ou em outra qualquer parte do país é sempre de enaltecer, o que poderia ser reforçado com a “democratização da opinião” proporcionada pela internet, nomeadamente pela blogosfera e depois pelo facebook, pelo facto de o acesso a estes novos meios de comunicação ter trazido novas possibilidades para a difusão e para o debate de ideias, em liberdade e quase sem limites.
Só que, infelizmente, não é isso que se passa, gerando-se uma improvável e insanável contradição entre o que parecia ser um importante contributo para a participação cidadã e os resultados obtidos nas redes sociais. Isso mesmo foi abordado, de forma bem clara e assertiva, num artigo de opinião do Doutor Hugo Lança, no passado dia 20 de novembro, neste mesmo jornal, sintomaticamente intitulado “Liberdade de expressão – RIP”.
Ao ler este artigo, lembrei-me de duas coisas. A primeira, uma publicação que fiz na minha página do Facebook há mais de dois anos, criticando Putin e Assad aquando da destruição de Allepo, na Síria. Pois bem, alguém com quem tinha cordiais relações pessoais e profissionais, baseadas no respeito mútuo, reagiu de uma forma de tal modo agressiva que, se me tivesse acusado de agente da CIA essa seria a menor das diatribes com que me brindou. Como escreveu Hugo Lança, “… qualquer pensamento diferente do meu é cobardemente atacado pelas hordas, com uma trivialidade e uma superficialidade inebriante, sem um milésimo de esforço para compreender a raiz dos argumentos”.
A leitura do artigo de HL remeteu-me para um outro, que lera há alguns anos, na publicação digital cartamaior.com.br , intitulado “A semente do ódio” (Luiz Claudio Tonchis, 4 de agosto de 2015). Ainda que reportado à realidade brasileira (e premonitório do que viria a acontecer na última eleição presidencial nesse país), descobre-se aí algo que viria a ser abordado mais tarde por outros: o fascismo das redes sociais, “não necessariamente político”, mas que “emerge do comportamento social”. Um comportamento marcado pelo “… racismo, xenofobia, dificuldade em aceitar as diferenças, desejo de exclusão ou descarte daquilo que não lhe agrada, intolerância e o fundamentalismo religioso, preconceito, etc”.
Não admira, pois, que, em Portugal (como no Brasil) existam tantos comportamentos intolerantes nas redes sociais, em especial quando se trata de política (nacional ou local), dando razão ao estudo da Economist atrás citado, em que, no item “Cultura Política”, atribui ao nosso país o nível 6,88, longe do 10 (o máximo) dos três países lideres (mas também da Irlanda). Voltando ao artigo da Carta Maior, LCT vai mais longe ao escrever que “O analfabeto político é aquele que não entende de história política, que não sabe interpretar os acontecimentos históricos e contextualizá-los”.
Por isso, nesta época de intolerância, nada melhor que recuar 255 anos e, como fez Hugo Lança no seu artigo, terminar com Voltaire (e, desta vez, com palavras do próprio) : “Seria o cúmulo da loucura pretender pôr todos os homens a pensar de maneira uniforme (…). Mais facilmente se conseguiria subjugar o universo inteiro pela força das armas do que subjugar todos os espíritos de uma só cidade” Tratado Sobre a Tolerância, 1763.
Ilustração de Paulo Monteiro


4 janeiro 2019