Foto : Acácio de Almeida Filme Raiva, de Sérgio Tréfaut, 2018 |
“ Eu trocava um ano da minha vida por uma hora
desse dia “. Esta foi a frase com que Raphael, um jovem de 30 anos comentou uma
das muitas fotografias que Alfredo Cunha tirou no dia 25 de Abril de 1974 e que
foi publicando na sua página do Facebook nas últimas semanas.
Nessa
frase se expressa a magia que, ainda hoje, esse “dia inicial inteiro e limpo”,
como lhe chamou Sophia, desperta em todos os que amam a Liberdade e a
Democracia. Sim, porque foram estas duas as grandes, as maiores conquistas que
os militares que, nessa madrugada que todos esperávamos, saíram dos seus
quartéis para derrubar a ditadura que oprimia os portugueses, nos trouxeram.
Mas o
25 de Abril não foi apenas o golpe militar, preparado por jovens oficiais,
alguns dos quais não tinham ainda os 30 anos de Raphael, que afastou do poder o
sucessor de Salazar. Nas semanas e meses que se seguiram, Portugal viveu uma
Revolução, com todas as caraterísticas (e consequências) que daí advêm. Como
costumo dizer aos meus alunos, na época atual vivemos em “evolução”, com a
História a “caminhar a 10 à hora”; em 1974 e 1975 essa mesma História fazia-se
a uma velocidade dez vezes maior quando, muitas vezes, se agia primeiro e se
pensava depois. Esses, eram os tempos da Revolução.
Quatro
décadas e meia depois é curioso ouvir ou ler alguns dos protagonistas da época
dizer ou escrever “se tivesse acontecido assim…” ou “devia ter sido assim…”,
como se a História fosse feita de “ses” ou pudesse ser refeita ou reescrita de
acordo com o que pensamos ser “politicamente correto” nos dias de hoje.
Por
outro lado, aspetos importantes dessa Revolução não podem (nem devem) ser
justificados com discursos simplistas ou ideológicos, enquadrando-os no chamado
(e odiado por muitos) PREC, expressão já de si simplista (e pejorativa na maior
parte das vezes), apontando-o como a causa de muitos dos “males” provocados pelo
25 de Abril.
Dois
exemplos apenas, de mudanças provocadas pela Revolução e que deixaram traumas
na sociedade, a tal ponto que, por vezes, falar delas ou discuti-las é ainda
tabu : a descolonização e a reforma agrária. Quase meio século depois, não
bastam as análises simplistas e/ou ideológicas, é preciso ir às suas causas
mais profundas, que encontramos, precisamente, na História. Ainda esta semana,
a propósito dos cinquenta anos da crise académica de 1969, Alberto Martins
dizia : “ Só quem compreende o passado pode sonhar e construir o futuro “
(Público, 23 de abril).
No
primeiro dos casos, foi dolorosa, sem dúvida, a viagem de regresso de milhares
de pessoas, deixando para trás toda uma vida, memórias e afetos, como foram
dramáticas as guerras civis que se seguiram nos novos países independentes. Só
que, para se explicar esse momento dramático da nossa História (bem como a
guerra colonial que o antecedeu), é preciso recuar algumas dezenas de anos,
quando o ditador Salazar preferiu o isolamento internacional, recusando o que
os países europeus fizeram nos anos 50 e 60 do século passado, a descolonização
de África; ou ainda, ir um pouco mais atrás, aos anos de 1884/85, quando as
potências europeias, na Conferência de Berlim, retalharam o continente
africano, criando fronteiras artificiais e dividindo e separando etnias e
tribos, causando algumas guerras que ainda hoje ocorrem em África.
África depois da Conferência de Berlim |
Em relação à reforma agrária, descobrimos as suas causas na literatura (Seara de Vento, de Manuel da Fonseca) ou no cinema (Raiva, de Sérgio Tréfaut) : a pobreza da maioria do povo alentejano, que contrastava com a riqueza dos grandes proprietários agrícolas, apoiantes do regime (que os protegia com as suas forças repressivas, PIDE e GNR) e que contavam, ainda, com a cumplicidade de parte significativa da Igreja Católica.
Mas,
para além destas duas obras, baseadas, de resto em factos reais ocorridos bem
perto de Beja, num estudo académico de Antropologia Social, publicado
originalmente pela Universidade de Oxford em 1971 e que, por razões óbvias, só
em 1977 foi editado em Portugal (com o título “Ricos e Pobres no Alentejo”),
José Cutileiro dá-nos uma pormenorizada visão da freguesia alentejana por si
estudada (com o pseudónimo de Vila Velha), nomeadamente na primeira parte,
Posse da Terra – Estratificação Social. Como escrevia a revista The Political
Quarterly em 1976, “ José Cutileiro (…) estudou uma sociedade dominada ainda
pelo analfabetismo, pela superstição e pela miséria, cujas reivindicações
políticas eram implacavelmente reprimidas “. E citando o autor, “… quem quer
que esteja familiarizado com os trabalhadores sabe que estes reprovam vivamente
a actual distribuição da terra (…) São unânimes em sustentar que, pelo menos os
grandes latifundiários deveriam ser sistematicamente expropriados da maior
parte das suas terras “.
É pois,
com este espírito, despido de complexos e de preconceitos, que deve ser
analisada a complexa época vivida no nosso País, logo a pós a data libertadora
do 25 de Abril. E, voltando à frase do jovem Raphael, partilho um sentimento
pessoal : com vitórias e derrotas, sonhos e desilusões, considero um privilégio
ter vivido e participado na Revolução que queria terminar com a sociedade onde,
como Soeiro Pereira Gomes retratou, eram muitos “…os filhos dos homens que
nunca foram meninos “.
3 maio 2019 |
Sem comentários:
Enviar um comentário