Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O ESTADO DO PATRIMÓNIO (a propósito da assinatura do contrato de financiamento para a construção do Centro de Arqueologia e Artes - 17 de abril - e do Dia Internacional de Monumentos e Sítios - 18 de abril).

Relativamente ao primeiro acontecimento, registe-se como positivo o facto de ir ser recuperado um edifício da Praça da República, o que diminui o número de prédios degradados nesse espaço nobre da cidade. Também deve ser realçado o destino dado a esse espaço, a arqueologia e as artes, ou seja, a Cultura, embora não se conheça em concreto qual o programa para áreas significativas a recuperar e a construir. Por outro lado, aguardemos que esse projecto seja complementado com os necessários trabalhos arqueológicos da zona envolvente e, já agora, que se resolva de uma vez por todas a novela "depósito da água". Só assim se justificarão os mais de dois milhões de euros que irão ser investidos na obra referida.
Quanto às iniciativas destinadas a comemorar os "monumentos e sítios", efeméride instituída pela ICOMOS Internacional, organização que fez 50 anos precisamente ontem, dia 18, focaram-se na região de Santa Vitória, através de uma conferência e de uma caminhada, ambas sobre a temática da Idade do Bronze, e de uma pequena exposição sobre as "Arqueologia das Cidades de Beja", com base nos trabalhos realizados junto ao local onde será construído o Centro de Arqueologia e Artes.
Iniciativas simples, mas meritórias, que procuraram, cada uma à sua maneira, realçar a importância da preservação e da divulgação do património.

No entanto, estas mesmas iniciativas deixam no ar duas questões: será que o novo e moderno equipamento (que, no anterior executivo municipal chegou a ser apresentado como um projecto tão avançado que até mereceu o interesse de técnicos da NASA -  http://www.vozdaplanicie.pt/index.php?go=arquivo&id=16488 )  irá coexistir com outros edifícios históricos que estão votados ao quase abandono há vários anos? E, se no passado dia 18, turistas (ou bejenses) quisessem visitar alguns desses edifícios, dos espaços mais emblemáticos da nossa cidade, o que iriam encontrar?
Façamos, então, essa visita.

1. Castelo.
Depois de alguns anos com o acesso ao cimo da torre interditado, eis que, no momento em que se realizavam obras no sentido de alterar essa situação e em que uma nova iluminação é inaugurada, uma parte do varandim cai, provocando ainda alguns danos na muralha e no piso térreo. E logo se levanta um coro de protestos e uma indignação sem limites, como se o ex-libris da cidade estivesse em risco de desmoronar logo a seguir. 
É claro que se tratou de uma situação lamentável, mas que, num monumento com setecentos anos pode perfeitamente acontecer. Basta observar a foto do Arquivo Fotográfico de Beja, em baixo, para ver como estava a torre de menagem há algumas décadas ( recuperada, juntamente com as muralhas e a alcáçova a partir da década de 30 no século passado). 
Isto não invalida que se coloquem algumas questões. Por exemplo, se num artigo do Público, é referido que "Elementos metálicos 'que terão sido introduzidos ou na construção ou em restauros antigos' do balcão saliente que contorna a torre de menagem do castelo de Beja estarão na origem da derrocada parcial da estrutura..." - http://www.publico.pt/local/noticia/corrosao-de-pecas-de-ferro-tera-provocado-a-derrocada-na-torre-de-menagem-do-castelo-de-beja-1677820 -  podemos questionar a influência que poderá ter tido a realização de várias festas no local, nos últimos anos - Beja Wine Night, Festa M80, etc - cuja característica comum era a presença de DJs até altas horas da madrugada com níveis impróprios de decibéis, quer para o descanso dos moradores da zona, quer para a própria torre.
Esta moda recente tem muito a ver com um conceito de "animação" dos centros históricos muito em voga, que confunde frequentemente cultura com entretenimento, onde vale tudo, desde essas festas até às reconstituições históricas - romanas, medievais, renascentistas, republicanas - como se essa amálgama de eventos seja o "ovo de Colombo" para o tão apregoado turismo cultural.
Ao mesmo tempo tomam-se decisões no mínimo discutíveis, como foi o de transformar o posto de turismo em cafetaria, transformando o que podia ser um local digno e com condições para receber os visitantes e ponto de partida para o conhecimento da cidade e da região, em mais um (desnecessário) espaço, igual a tantos outros espalhados por locais bem mais apetecíveis  (Piscina Municipal, Parque da Cidade, etc). Enquanto isso, o acolhimento de turistas é confinado a um acanhado e pouco acolhedor local, que não é bom, nem para os visitantes, nem para quem os recebe.
Esperemos, então, que resolvam os problemas de financiamento e que não demore muito a reconstrução da torre e a fruição de tão rico emblema do nosso património, e que se evitem outro tipo de "atentados" como os atrás referidos.




2. Museu.
Sobre o antigo Convento da Conceição - edifício - e Museu Regional - instituição - pouco mais há a dizer, para além do que tem sido escrito e discutido ao longo dos últimos anos. Beja, a sua história, o seu património e a sua cultura, não merecem o abandono a que tem sido votado esse espaço e quem lá trabalha. Basta atentar nas duas imagens em baixo, uma de 2012 e outra de há poucos dias, para se comprovar essa negligência por parte de quem devia zelar pelo bem público.
Para que se entenda melhor toda esta novela, deixo aqui três artigos publicados na imprensa local :
23 jan 2015 : http://da.ambaal.pt/noticias/?id=7096
17 abr 2014 : http://da.ambaal.pt/noticias/?id=5370
17 fev 2012 : http://www.correioalentejo.com/?opiniao=1017&page_id=56 .
Fica, então, mais uma vez, a pergunta : para quando a resolução definitiva deste problema, que traga a paz aos trabalhadores e que permita o usufruto pleno de tão belo monumento e das colecções que contém?
  
      

3. Igreja da Misericórdia.
Tal como em relação ao museu, as imagens da Igreja da Misericórdia, tiradas ontem, dizem tudo, valendo mais do que muitas palavras. O desleixo é mais que evidente, tornando-a em mais um mau postal turístico e patrimonial da cidade. Nada que tenha a ver com Loggia del Mercato Nuovo, de Florença, igualmente da segunda metade do século XVI, na qual a "loggia" bejense se terá inspirado e que, não obstante alojar um mercado diário, a forma é conservada impede que tenha os problemas que o edifício bejense tem.
Por outro lado, há também questões que não podem deixar de ser colocadas. Porque não encontrar um outro local para alojar a ARABE (uma Loja do Artesão), onde possam ser expostos e vendidos os trabalhos dos nossos artífices (provavelmente em melhores condições), de modo a proporcionar aos visitantes uma melhor visibilidade desse património? E para quando o fim do lançamento de fogo de artifício a partir do telhado que, tal como em relação ao som muito alto no castelo, poderá provocar danos no interior do edifício?

   
   
                                                            Loggia del Mercato Nuovo, Florença

4. Pisões.
Relativamente a Pisões, não dispondo de imagens recentes, fica o testemunho de alguns dos muitos "visitantes/praticantes" de geocaching, já que nesse local se encontra uma "cache":
em 2013 -Pena as ruínas estarem fechadas "temporáriamente" ;
em 2014 - "Chegado ao local fiquei super admirado: aquilo são ruinas? nããã aquilo são templos Maias cobertos com vegetação porque ainda n foram descobertos lol. Cum camano. Ninguém se importa com aquele espaço??? fica a critica.";
em 2015 (janeiro) - "Encontrada em equipa com o meu mugle depois da visita às ruínas romanas de Pisões. A cache está em péssimas condições e o logbook está encharcado... Adorei as ruínas, mas lamento o estado de abandono em que se encontrada, à mercê da chuva e do sol que aos poucos vão destruindo as heranças deixadas há séculos atrás pelos nossos antepassados. A Sr. Conceição foi uma querida por nos ter feito a visita guiada pelo espaço, uma vez que este se encontra fechado..."
Esclarecedoras, sem dúvida, estas (e outras, não reproduzidas) afirmações, sobre o estado em que se encontra outra das "jóias da coroa" do nosso património. Passam os anos, mudam os protagonistas, mas o estado de Pisões não muda, ou melhor, se muda é para pior : encerrado, sem estrada de acesso em condições, sem condições de acolhimento e de visita condignas.
Fica um excerto do artigo atrás citado, que publiquei em fevereiro de 2014, sobre o Museu Regional e em que fazia também um apelo para "salvar" Pisões :
"Têm a palavra, então, a Assembleia Distrital, a Câmara Municipal de Beja, a Direção Regional da Cultura do Alentejo, a Direção Geral do Património Cultural, a Secretaria de Estado da Cultura. Que se sentem à mesa e discutam esta ou outras propostas, em nome da cultura, em nome da justiça, da não discriminação de cidades ou regiões, e da solidariedade nacional [sobre o museu].
Duas notas finais. A primeira é a de que se elabore uma parceria idêntica para “salvar” Pisões, incluindo, por motivos óbvios, a EDIA no lugar da Assembleia Distrital. Para que, também nas estações arqueológicas, essa importante villa romana não continue a ser o parente pobre, ao lado de São Cucufate ou de Miróbriga, já para não falar de Conímbriga, todas elas sob a tutela do poder central."

  
Fotos de cm-beja.pt

Resta-nos, por fim, o consolo de que, a cada "buraco" que se abre em Beja, mais um vestígio dos nossos antepassados se encontra. Desta vez numa obra da Águas do Alentejo, junto à estrada para o Penedo Gordo, logo a seguir à rotunda. Ficam as fotos e a legenda da empresa que procede ao estudo do local.


   
"A ERA em escavações arqueológicas nos arredores de Beja. Um sítio do período romano com uma extensa ocupação e diversos momentos de construção e ocupação."  -    www.facebook.com/EraumavezaERA


Ao longo dos anos tenho partilhado estas e outras opiniões sobre o nosso património, quer na forma escrita, quer em reuniões, colóquios e debates. Pena que muitas vezes de pouco ou nada têm servido, tal como a de outras pessoas que se interessam por estes temas. É que, tal como a sabedoria do nosso povo bem descreve, "santos de casa não fazem milagres" ou, de uma forma mais assertiva, "vozes de burro não chegam ao céu", pois aí só chegam a dos "génios", autosuficientes na sua sabedoria, que nunca se enganam e raramente têm dúvidas.


   
   

Sem comentários:

Enviar um comentário