Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

domingo, 5 de abril de 2015

As duas velocidades

Na edição do passado dia 31, o jornal “Expresso” publicou dois trabalhos sobre a nossa região: o primeiro, com direito à foto de primeira página e às centrais do primeiro caderno, sobre a “ex-futura autoestrada” A26; e o segundo, no caderno de economia, sobre “Alqueva recordista mundial”. Ou seja, no mesmo dia, um inesperado destaque às “duas velocidades” que marcam, nesta altura, o desenvolvimento da nossa terra.
Comecemos pelo lado positivo. Num trabalho do jornalista Vítor Andrade, complementado por uma elucidativa infografia, fala-se do “milagre” da água, que transforma os terrenos irrigados pela grande barragem do Sul, nos que apresentam uma produtividade média bem acima da verificada a nível mundial. Além deste aspeto, melão, milho, tomate, uva de mesa, entre outros, são produzidos em menos tempo, em maior quantidade e com melhor sabor, fruto da junção de um conjunto de vários fatores naturais e, claro, da abundância de água.
Está, pois, mais que justificada a razão de todos (sobretudo os alentejanos) que, ao longo de décadas se bateram pela construção da barragem, adiada no tempo por indecisões e receios de políticos que, nos governos centrais, tardaram em olhar para o Sul com a vontade política que faltava para avançar. Além da produção de energia elétrica e do turismo, este ainda a uma velocidade menor, espera-se que esta “revolução verde”, que veio mudar a paisagem dos nossos campos, traga o desenvolvimento e, sobretudo, o emprego, tão necessários, desejados e, infelizmente, adiados ao longo de décadas.
Mas, como “não há bela sem senão”, neste artigo são também apontados alguns constrangimentos, entre os quais o preço da água e a distância entre os locais de produção e os grandes centros populacionais produtores, nacionais e europeus.
É neste último aspeto que o artigo sobre o Alqueva entronca no outro, de Paulo Paixão, sobre a obra que “já levou €35 milhões”, cujas fotos ocupam dois terços das centrais do “Expresso”. Porque, neste aspeto, não concordo que “as distâncias” sejam um problema, mas sim a outra parte que falta para complementar o desenvolvimento que Alqueva trouxe: a conclusão da rede de acessibilidades que liguem o Alentejo ao mundo, quer seja por mar (Sines), pelo ar (aeroporto de Beja), por estradas ou por via férrea, que minimizem precisamente essas distâncias.
E, se no caso do porto e do aeroporto, eles aí estão para cumprirem os seus desígnios, já no que respeita às ligações por terra, a falta de vontade política, faz com que, a exemplo do que aconteceu com Alqueva, tenhamos que ver passar os anos, numa espera que esgota a paciência de quem aqui vive e trabalha. Ainda por cima, quando estamos a falar de investimentos que, comparados com outros semelhantes já efetuados ou a efetuar no nosso país, são bastante menores e não menos necessários.
Por exemplo, a eletrificação da linha Beja-Casa Branca, para a ligação ferroviária a Lisboa, atualmente efetuada em condições degradantes, mas cuja conclusão é por demais urgente, se pensarmos em termos de tempo e do conforto dos muitos que ainda resistem em utilizá-la. Os custos desta obra serão uma gota de água, comparados, por exemplo, com o anúncio, há pouco tempo, da ligação entre o porto de Aveiro e a fronteira (com passagem por Viseu), numa obra que ficará por mais de mil milhões de euros (um artigo do jornal “Sol”, no passado dia 21 de janeiro, falava em 10 milhões de euros por quilómetro).
O mesmo se aplica à conclusão da A26 (pelo menos até à ligação com a A2). No artigo do “Expresso” fala-se que irão apenas avançar os 10 quilómetros entre essa ligação e o nó de Santa Margarida, aproveitando, nomeadamente, a ponte sobre o Sado. Numa citação “sem rosto”, da EP – Estradas de Portugal, afirma-se que “não está prevista a retoma da A26, por não haver tráfego que suporte esta autoestrada”. Não sabemos se esta afirmação se baseia em algum estudo ou se é feita a partir de algum gabinete do Pragal, o que é certo é que ela não corresponde minimamente à verdade, se atentarmos na quantidade de veículos que diariamente percorrem os 50 quilómetros entre Beja e a A2. Se quisermos comparar, falemos apenas nas autoestradas fantasmas (A10 e A17, por exemplo) ou até na A13 que, não obstante ter uma importância indesmentível, na ligação norte-sul, é uma via sazonal, já que durante três quartos do ano quase não tem tráfego.
 
Hoje mesmo, no dia em que escrevo esta crónica – domingo – percorri os 80 quilómetros da A13, sem ver um único carro no sentido norte-sul e muito poucos no sentido contrário, com as duas áreas de serviço desse troço desertas, num cenário desolador. Pelo contrário, nos 50 quilómetros entre Santa Margarida e Beja, foram várias dezenas de viaturas nos dois sentidos, desmentindo, dessa forma, a tal fonte anónima da EP. Cinquenta quilómetros que, em termos financeiros, é uma “gota de água”, se compararmos, por exemplo, com a anunciada conclusão do Túnel do Marão.
Para além deste aspeto, há ainda outro que é aflorado no artigo do “Expresso” e que todos nós constatamos diariamente: o verdadeiro crime estético e ambiental que as obras inacabadas provocaram, que levam a presidente da junta a classificar Figueira de Cavaleiros como uma freguesia “mutilada”. Este verdadeiro “cenário de guerra” (comparado há algum tempo com fotos de pontes bombardeadas na Bósnia), levam a que essas obras (bem como as do IP2, em situação idêntica) tenham de ser concluídas. Nem que, mais uma vez, tenhamos que lutar (e esperar pacientemente, como aconteceu com Alqueva), e que alguém escreva num viaduto inacabado “Acabem-me, porra”, para que os nossos governantes decidam um dia, como fizeram com a barragem.
Até porque, como já se provou em outros contextos, esse abandono pode não ser o “fim da História” e o adiamento agora verificado poderá não significar a não realização das obras. Ao contrário do que algumas aves agoirentas afirmam, estas não serão um “sorvedouro de dinheiro” (expressão usada pelo Infante D. Pedro, no século XV, a propósito da conquista de Ceuta). Porque, como dizia ao “Expresso” o professor Jorge Paulino-Pereira, do Instituto Superior Técnico, “voltar para trás é pior do que ir para a frente”.
13 fevereiro 2015

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