Ao longo dos quase quinze anos em que trabalhei na área da
Cultura da Câmara Municipal de Beja, e em particular nos últimos cinco e meio,
na programação do Pax Julia, uma das coisas que mais me agradava era o contacto
que tinha com os artistas (da música, do teatro, da dança) que aqui se
deslocavam para apresentar os seus trabalhos.
Esse conhecimento, rico do ponto de vista pessoal e
profissional, serviu também para comprovar algo que, não existindo apenas do
sector das Artes, se aplica neste, de uma forma bem visível : com algumas
excepções, é claro, os melhores distinguem-se dos outros, não só pelas suas
qualidades artísticas, mas, sobretudo, pelas suas qualidades humanas. Em vez da
distância, cultivam a simpatia e a proximidade, no lugar da arrogância, a
simplicidade de quem sabe que é o talento que conquista o público e não essas
posturas de pseudo vedetas.
Conheci, assim, o Bernardo (Sasseti) e a Beatriz (Batarda),
artistas dos melhores nas suas áreas (música e teatro/cinema) e que, nas horas
que partilhavam connosco no Teatro (nos ensaios e nos momentos de descompressão
após os espectáculos), demonstravam as suas intrínsecas qualidades humanas.
A Beatriz esteve por duas vezes no Pax Julia. Na primeira,
interpretou um monólogo – “De homem para homem” –, a 17 de Junho de 2009, no 4º aniversário da reabertura desse espaço.
Um texto forte, uma interpretação arrebatadora, de uma grande entrega, que
deixou a todos, actriz e público, sem fôlego. Em Julho de 2010, não estando
presente fisicamente, deixava essa sua marca, como encenadora da peça “Olá e
Adeusinho”.
O Bernardo visitou-nos três vezes. A primeira em Maio de
2008, a solo, num espectáculo integrado no InJazz, festival descentralizado por
várias localidades. A segunda, em Fevereiro de 2011, com o Trio a quem dava o
nome, composto ainda por outros dois excelentes músicos, o Carlos Barreto e o
Alexandre Frazão. Estes dois espectáculos tiveram em comum duas outras das
paixões do Bernardo, a fotografia e o cinema, já que ambos incluíram fotos
suas, incluídas em apresentação multimédia e em curtas metragens.
A terceira apresentação deu-se ainda não há uma ano, em
Junho de 2011. Tal como na segunda, já eu não trabalhava no Pax Julia, ainda
que tivesse programado ambas (a terceira foi mesmo o último espectáculo que
programei).
Nesta última, o Bernardo compôs e interpretou as músicas que
acompanharam as coreografias dos mais importantes nomes da dança nacional, como
Olga Roriz, Rui Horta ou Paulo Ribeiro. Tratou-se de uma produção da Companhia Nacional
de Bailado, com o título “Uma coisa em forma de assim”, onde foi possível
assistir de novo ao seu grande virtuosismo, através de músicas criadas para
estilos bem diferentes, para um, dois ou vários bailarinos. Ficou na memória de
todos a que assistiram, o “diálogo” entre o pianista e dois bailarinos que,
invadindo o seu espaço, fizeram do piano o seu palco, numa magnífica fusão de
corpos e sons.
Foi apenas quando
esteve em Beja o Bernardo Sasseti Trio que soube que era casado com a Beatriz,
já que esta e as duas filhas de ambos o acompanharam na sua deslocação à nossa
cidade.
E foi também no final desse espectáculo, quando
conversávamos sobre vários temas, desde a reacção dos espectadores, aos
momentos menos bons que a Cultura já nessa altura atravessava, que o Bernardo
disse algo que me (nos) deixou atónitos e satisfeitos: que gostava muito de
actuar no Pax Julia, onde era sempre bem acolhido, pelos profissionais e pelo
público, tendo este uma postura de atenção, respeito e afecto que lhe agradava,
e que, graças a isso e às excelentes condições acústicas do espaço, talvez um
dia viesse aqui gravar um disco a solo.
Não sei se, com tantos projectos em que estava sempre
envolvido, o Bernardo se iria lembrar dessas palavras e se o tal disco não
passaria apenas de mais um momento de entusiasmo tão próprio dele. Sei é que,
numa sexta feira, à hora do almoço, a notícia chegou pela tv. Notícia cruel,
bruta, estúpida: o Bernardo não gravaria mais, nem esse nem outros discos, não
viria uma quarta vez ao Pax, não encantaria os bejenses com os acordes que
saíam, qual passe de magia, das suas mãos únicas, a Beatriz e as filhas não o
acompanhariam mais, alegrando os seus momentos, antes e após os espectáculos. O
Bernardo partira.
Em memória do
Bernardo.
Em solidariedade com a Beatriz.18 Maio |
Bernardo : http://www.youtube.com/watch?v=TG8eYgmUfp0
Beatriz : http://www.youtube.com/watch?v=q7swB5I0VRA
Arrepiante e lindo.
ResponderEliminarSobretudo sentido.
ResponderEliminar