Foto : Tiago Petinga/Lusa
“Um dos
défices que identifico na sociedade portuguesa é o da cidadania participativa.
Inquietemo-nos. Participemos“ (1)
Daqui a um mês
comemoramos (ainda que com as necessárias restrições) mais um aniversário do 25
de Abril. Três anos depois, será uma comemoração especial (e, esperemos, sem
condicionantes, para que tenha a devida dimensão e a merecida dignidade): o Cinquentenário.
Em 2024, pelo segundo ano, o nosso País festejará mais anos de Liberdade do que
aqueles que viveu em ditadura.
Para além das
indiscutíveis mudanças e conquistas trazidas por essa data libertadora, há algumas
áreas que ainda têm um longo caminho a percorrer. Refiro, entre outras, a
regionalização e a participação cidadã. Sobre estes dois temas já tive
oportunidade de escrever no Diário do Alentejo (24 de novembro de 2017 e 12 de
julho de 2019, respetivamente). Volto à segunda, muito pela notícia da
“despromoção” da nossa Democracia no Democracy Index, estudo anual da
revista The Economist: de “país totalmente democrático” em 2019, para
“democracia com falhas” em 2020.
Sem querer
escalpelizar esta situação, abordo apenas um parâmetro que até manteve a mesma
pontuação (por sinal muito pouco confortável), a Participação Política (6,11 em
10), muito longe da Noruega ou da Suécia (10) e igual a países como o
Bangladesh e ou o Lesoto.
Não repetindo
o que já escrevi em 2019, onde enumero alguns dos fatores que, em minha
opinião, contribuem para essa tão baixa participação dos cidadãos na “coisa
pública”, acrescento duas outras decisões que irão diminuir ainda mais essa
participação, aprovadas em julho do ano passado, na Assembleia da República,
ambas com os votos dos partidos do chamado “centrão”, o PS e o PSD.
A
primeira, que aumentou o número de cidadãos necessário para uma petição ser
discutida no plenário da AR, de 4000 para 7500 (a proposta inicial, vetada pelo
Presidente da República, era ainda mais restritiva, ao exigir 10000
assinaturas). A segunda (que, na altura teve algum impacto – Expresso, 21 de
agosto), que impõe uma série de exigências aos movimentos independentes
candidatos às autarquias locais. O seu caráter limitador à participação cidadã provocou,
entretanto, um debate tão intenso, que já se fala na eliminação de algumas
dessas medidas no final deste mês.
Petição : 15071 assinaturas em papel, 3651 pela internet. |
Só para termos uma ideia do que se trata, recuemos a 2013. Nas eleições desse ano um grupo de cidadãos resolveu concorrer sob a mesma sigla (Por Beja com Todos) a várias autarquias do concelho de Beja – à Câmara, à Assembleia Municipal e a cinco Assembleias de Freguesia/União de Freguesias. Se a lei aprovada o ano passado (Lei Orgânica 1-A/2020) fosse aplicada, em cada uma dessas autarquias teria de ser apresentada uma candidatura própria, sem qualquer ligação às restantes e sem a mesma sigla. Ou seja, esse grupo de cidadãos, que se juntou por princípios comuns, teria de ser “retalhado” em sete candidaturas diferentes (o que não acontece nas candidaturas partidárias).
Foto : Blogue AlvitrandoSe analisarmos o que se passa a nível regional e local, também não faltam exemplos de atitudes de desvalorização da participação dos cidadãos na vida das suas comunidades. Desde logo, o modo como são tratados os movimentos de cidadãos que lutam por certos direitos, como as acessibilidades (rodo e ferroviárias) em condições. “Alarido” e “gritaria” são apenas dois dos epítetos atribuídos por alguma partidocracia a essas lutas que, entre outras ações, já passaram por petições com milhares de assinaturas, discutidas na AR, por reuniões com deputados, governantes (em várias legislaturas) e com o Presidente da República, deslocação ao Parlamento Europeu, só para citar algumas.
Casa da Cultura - 5/5/2011 Foto : Filipe Campaniço |
Ovibeja - 8/5/2011- à espera do Presidente Foto : Lopes Guerreiro |
29/6/2011 - gravação do hino do Beja Merece + Foto : João Espinho https://www.youtube.com/watch?v=60DIvh1kS4A |
Por outro
lado, embora se fale na falta de “massa crítica” na região, acontece com alguma
frequência (este ano poderá voltar a suceder) que, em períodos pré-eleitorais
autárquicos, se convidem alguns cidadãos ligados a determinadas áreas –
urbanismo, cultura, educação, turismo, desporto – para debates abertos à
sociedade, em que se discutem esses temas. Só que, passado o período eleitoral
e instalados os eleitos locais, estes assumam uma postura oposta a essa
abertura manifestada alguns meses antes, ignorando contribuições e ideias
desses mesmos cidadãos, como se fossem autossuficientes ou lhes bastasse ouvir
os seus correligionários políticos.
E que
dizer do ostracismo a que foi votado um dos primeiros (e poucos) conselhos
municipais da Cultura, precisamente o que foi aprovado em Beja em 2008? Um
instrumento importante para a participação de agentes e associações culturais
na discussão e formulação de políticas culturais concelhias e regionais, foi
pura e simplesmente metido na gaveta pelos três executivos municipais que se
seguiram. Neste momento, nem o seu regulamento consta no site da CM Beja. Não
deixa de ser irónico que há dias, uma notícia sobre a candidatura de Oeiras a
Capital Europeia da Cultura em 2027, indicasse que uma das estratégias seria a
criação de um CMC (treze anos depois de ter sido criado o de Beja).
Regulamento n.º 56/2008, 30/1/2008 : https://dre.pt/application/conteudo/1123100
Mais
haveria para dizer sobre a questão da participação dos cidadãos na vida da sua polis,
mas pelo que atrás se referiu, uma das premissas para que tal aconteça é o fim
da desconfiança e até hostilização com que muitos desses cidadãos são encarados,
a maior parte das vezes porque algumas das suas opiniões não coincidem, em
determinados momentos e sobre determinados temas, com as dos políticos
instalados. Quando isso acontecer, talvez a pontuação na Participação Política
possa subir uns pontos, para que Portugal volte novamente a ser um país
“totalmente democrático”.
(1) António Saraiva, Presidente da CIP, no
último Prós e Contras (RTP1), 28 de setembro de 2020.
O que os cidadãos de Beja querem |
26 de março |
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