Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Extinção e fusão de freguesias : uma tragicomédia em seis actos e um epílogo.

Foto Diário do Alentejo
Presumimos que por opção editorial, o Diário do Alentejo dedicou duas das suas últimas edições, às freguesias de Gomes Aires e Pereiras-Gare, cuja extinção/fusão foi aprovada, entre outras, pelas assembleias municipais em que se integram, Almodovar e Odemira, respectivamente. De resto, foram estas as únicas assembleias do distrito de Beja que tomaram tal decisão, já que todas as outras se pronunciaram contra esta medida, na linha do que a maior parte fez, a nível nacional.
Nessas duas reportagens podemos sentir diversas reações, quer entre a população, quer entre os autarcas das duas freguesias : a desilusão, a resignação, a injustiça, a revolta. “Têm levado tudo daqui para fora. A única coisa que não conseguem levar é a nossa igreja e a nossa fé”, alguém dizia em Gomes Aires ou  “É mais um prejuízo para as pessoas que cá moram”, desabafava um morador de Pereiras-Gare.
Curiosamente, nesta interessante rúbrica do DA dedicada às localidades da nossa região, já tinham sido abordadas (premonitoriamente, dizemos nós), as quatro freguesias do concelho de Beja vítimas deste processo, neste caso através da proposta da UTRAT, o organismo que o governo encarregou de levar à prática esta alteração político-administrativa : São Brissos, Trindade, Quintos e Mombeja. E foi nesta última que um poeta popular local afirmou, referindo-se ao encerramento da escola :  “Uma aldeia sem escola/É como uma casa sem pão”. Que dirá ele, agora que, depois da escola fechada, é a própria freguesia que se extingue?
Este tem sido um processo muito atribulado, com situações que quase fazem lembrar uma tragicomédia, com vários actos, que começa em Maio de 2011.
Acto 1.
Do Memorando assinado entre a troika e o governo de José Sócrates, no dia 3 de Maio : “3.44. Reorganizar a estrutura da administração local. Existem actualmente 308 municípios e 4259 freguesias. Até Julho de 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número dessas entidades”. Sobre este ponto, escrevia, poucos dias depois, um comentador num jornal nacional, que esta era uma das medidas que não iria ser concretizada na totalidade. Referia-se, é claro à redução de municípios, que, como se vê ficou para as calendas gregas, já que apenas o “elo mais fraco”, as freguesias, foi objecto dessa “reorganização”. O que revela que há, entre os nossos políticos, muitos “Cabrais” que temeram novas “Marias da Fonte”, caso a extinção de municípios fosse para a frente.
Acto 2.
Uma semana depois, no dia 10 de Maio, o Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios aprova, por unanimidade, uma resolução em que, nomeadamente se dizia : ““No caso das freguesias, a diminuição do seu número poderá também não implicar reduções significativas de custos e não deverá ser feita com base em regras cegas e universais (…) Deve ainda ter-se em conta que, em freguesias mais longe das sedes de concelho, onde já fecharam serviços como escola, correios, centro de saúde, entre outros, o único ponto de contacto das populações com quaisquer serviços públicos é a Junta de Freguesia que, por um lado, as representa e, por outro lado, funciona como elo de ligação. Nestas situações, a redução do número de freguesias pode contribuir para acentuar o isolamento e abandono das populações.”
Acto 3.
A contrariar esta resolução, numa posição mais “troikista” que o próprio memorando, como que a justificar a posição do seu partido, o presidente da Câmara Municipal de Beja apressou-se a dizer que “"…concorda ‘em absoluto’ com a redução de municípios e de freguesias" e que "não faz sentido o país ter freguesias e municípios demasiado pequenos, às vezes uns ao lado dos outros, ‘quando apenas um órgão de gestão poderia gerir as necessidades’ sem duplicar órgãos de gestão e eleitos (…)  O autarca considerou ainda que em Beja existem condições para a supressão de algumas freguesias, dando outra dimensão às freguesias que se mantiverem.". (Correio Alentejo, 13 de Maio).
É claro que, mudada a conjuntura política, com a vitória do PSD, Pulido Valente vai mudar de opinião (tal como já tinha feito, aliás, com a questão das ligações ferroviárias directas a Lisboa e da extinção dos Intercidades).
Acto 4.
Entretanto, vão sendo conhecidas algumas situações que, para além de caricatas, pressupõem oportunismos políticos conjunturais, fruto da “ditadura das maiorias” em algumas assembleias municipais, que aprovaram propostas de extinção/fusão de freguesias.
Por exemplo, na Assembleia Municipal de Santarém que visava a revogação da pronúncia desse órgão, aprovada na sessão de 20 de Julho deste ano, os presidentes de duas juntas de freguesia que irão ser agregadas quase chegaram a vias de facto, tendo mesmo sido chamada a PSP, para serenar os ânimos (Diário de Notícias, 11 de Outubro). Nesta reorganização, que elimina nove freguesias, o PSD (que tem a maioria na AM) foi acusado de “cozinhar” o mapa com base em expectativas eleitorais.
Talvez não tenha sido por acaso que, já em Dezembro de 2011, o jornal regional O Mirante tenha escrito que “Autarcas [de Tomar] receiam que extinção de freguesias leve a motins”.
Acto 5.
Bem mais perto de nós, ainda que não seja conhecido qualquer acto de violência, a pronúncia da Assembleia Municipal de Odemira (de maioria PS), uma das únicas quatro do Alentejo a tomar esta decisão, tem sido igualmente acusada desse oportunismo político, ao aprovar um novo mapa, em que todas as quatro freguesias rurais extintas são, neste momento, geridas pela CDU. Curiosamente, como se pode ver na excelente infografia publicada no Diário do Alentejo de 26 de Outubro, a proposta da UTRAT apenas propunha a extinção de uma freguesia rural – Luzianes-Gare – para além da junção das três consideradas urbanas. Para adensar mais as desconfianças, a proposta da AM agrega apenas duas destas, ficando a terceira – Boavista dos Pinheiros – de fora (por sinal, esta autarquia é dirigida pelo PS).  
E, se uma das justificações apontadas nessa pronúncia é a de que as quatro freguesias a extinguir são recentes (criadas entre 1985 e 1989) e vão voltar a integrar as freguesias de onde tinham saído, “por razões de natureza histórica e cultural”, o que dizer, então, da última freguesia criada em Odemira, precisamente Boavista dos Pinheiros, desanexada (com toda a razão) das freguesias urbanas de Salvador e de Santa Maria apenas em 2001? Neste caso, os critérios temporais, histórico e cultural já não se aplicam?
Razão tinham os que, na concentração em Beja, no passado dia 27 de Outubro, empunhavam uma faixa preta onde se podia ler “A Freguesia de Zambujeira do Mar está de luto”.
Acto 6.
E agora? Passado que foi o prazo para a pronúncia das assembleias municipais, a UTRAT apresentou a proposta de reorganização, que prevê a extinção de mais de mil freguesias, levantando desde logo um coro de críticas por todo o País e por todo o espectro político, da maioria ou da oposição, e de ameaças de tomadas de posição mais duras por partes de várias autarquias e populações atingidas. Também já se escreveu que este processo poderá, inclusivamente, pôr em causa as eleições autárquicas do próximo ano. A ANAFRE, por seu lado, diz que esta reorganização originará uma poupança de apenas 6,5 milhões de euros e apoia as freguesias que queiram apresentar providências cautelares a suspender a proposta de extinção, enquanto aguarda a decisão do Tribunal Constitucional sobre o assunto.
Epílogo.
Como se pode ler na última edição do Diário do Alentejo, também no nosso distrito são várias as vozes a levantar-se contra esta proposta, desde partidos políticos, a juntas de freguesia e a câmaras municipais. Autarquias como Aljustrel, Ourique, Mértola, Serpa ou Santiago do Cacém, já se manifestaram publicamente contra as alterações nos seus municípios e preparam acções concretas para as contestar.
Enquanto isso, ainda segundo este trabalho do DA, o presidente da Câmara de Beja, com a sua habitual ambiguidade, limita-se a dizer que se mostra “…contrário a qualquer proposta sem que haja um estudo aprofundado sobre a realidade do território do concelho, não compreendendo as razões para que a freguesia de Mombeja seja integrada em Santa Vitória e Quintos na freguesia da Salvada. “. Ou seja, sem se manifestar frontalmente contra, limita-se a questionar porque vai Mombeja juntar-se a Santa Vitória (e não a Beringel?) e Quintos à Salvada (e não a Baleizão?), sem se pronunciar sobre as restantes freguesias que vão ser agregadas (São Brissos, Trindade e as urbanasa) ou sobre iniciativas que contrariem estas medidas.
Tal como escrevíamos em 24 de Junho de 2011, no Correio Alentejo, acerca da sua posição sobre esta imposição antidemocrática do memorando no Poder Local Democrático, apetece terminar com a mesma frase (com as devidas alterações, entretanto verificadas) : “Assim, não será de estranhar se vermos, um dia destes, Pulido Valente a tentar convencer os autarcas e as populações das freguesias de Quintos (pequena), Salvada e Cabeça Gorda (próximas), e dos municípios de Alvito (pequeno), Cuba e Vidigueira (próximos), a iniciar o debate para a sua fusão numa só freguesia e num só município.
A bem do cumprimento do Memorando.”
30 Novembro                                               




Foto de José Baguinho


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