Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

terça-feira, 12 de abril de 2011

Fernando Nobre, herói ou vilão


Manuel Fernandes, o "pai" da nossa primeira Constituição
Parte 1.
Estava o País ainda a ressacar da beatificação do “Grande Líder”, que teve lugar no comício (perdão, no congresso) de Matosinhos, quando algum submarino do PS infiltrado na agência de comunicação que o PSD contratou para as eleições de 5 de Junho, segredou a Pedro Passos Coelho : “temos de lançar para a comunicação social algo que abafe completamente os elogios de António Vitorino ao Zé”.
Dito e feito, a “bomba” rebentou, no domingo à tarde : Fernando Nobre, número um da lista por Lisboa e putativo candidato a Presidente da Assembleia da República, a segunda figura do Estado, substituto do Presidente da República, quando este viaja para fora do País.
Esse anúncio provocou de imediato um levantamento nacional, quase semelhante ao que o povo de Lisboa fez contra o conde Andeiro, em 1383 : um coro de vozes, nos jornais, rádios, tvs, blogues, facebooks, logo se levantou, numa enternecedora e quase emocionante unanimidade (ou quase), em que variados Mestres de Avis se destacaram.
Houve de tudo, desde a pedidos de desculpa pungentes, a epítetos vários, como “vaidoso” e “estagiário sem currículo” a “troca-tintas”. Crucificava-se,  não o novo “Senhor de Matosinhos”, mas aquele “Judas” que traíra tantas almas pias e bondosas.
Afinal, contrariando tudo o que se supunha até agora (e que os nossos “parceiros” europeus aproveitavam para colocar mais um ou dois por cento no spread dos 80 mil milhões), Portugal é um País em que a coerência e a ética são os principais elementos que predominam na política nacional, em que a corrupção e o clientelismo são coisas de países subdesenvolvidos. Incoerente é o Nobre, oportunista o PSD. Corrupção é na Itália de Berlusconi, clientelas partidárias só na Líbia de Kadafi.
Exemplos de coerência e de ética na política não faltam, desde  Zita Seabra, que nunca na vida foi estalinista, até aos “franciscanos” Vara e Pedro Soares que tanto têm sacrificado a sua vida pessoal para servir a causa pública.
Até entre nós temos vários exemplos de elogiar, como alguém que, com todo esse espírito de missão, deixou uma câmara municipal para, com todos sacrifícios inerentes, vir para uma empresa pública, onde trabalhou arduamente para voltar a fazer outro sacrifício, novamente numa autarquia. Tanto sacrifico, já merecia uma ou mais medalhas de mérito.
Alguns foram até mais longe e a própria AMI, que até há uns meses era uma organização exemplar, reconhecida em todo o mundo (incluindo Portugal), passou a ser considerada quase como um tenebroso clã familiar, que apenas servia para o senhor Nobre organizar viagens turísticas ao Chade, ao Afeganistão ou ao Burkina Faso.

Parte 2.
Em 1985 fui apoiante activo e votante de Maria de Lurdes Pintassilgo, que considerei uma lufada de ar fresco na vida política de então.
Em 2011, não apoiei nem votei em Fernando Nobre, mas não deixei de considerar essa candidatura como algo de refrescante no sufocante pântano em que a política se move ( fruto, em grande medida das ligações menos claras, que se desenrolam, por via dos partidos do “centrão”, entre os governos e as grandes empresas públicas ).
Agora, poucos meses depois, Nobre vai ser candidato a deputado. Pelo PSD ( que, no caso, é o que menos interessa, já que, se o fosse por qualquer  outro partido, as críticas não deixariam igualmente de chover). Essa candidatura revela alguma incoerência, por parte de Nobre ? Talvez. E algum oportunismo, por parte do PSD ? Sem dúvida.
Mas, daí a tratar esta ligação como algo de contra-natura ou mesmo quase como um crime lesa-democracia,  vai uma grande distância.
Em primeiro lugar, porque qualquer cidadão tem o direito de apoiar quem muito bem entender, nas diversas eleições que se realizam ( o que acontece, por exemplo, com alguns dos seus críticos ) : pode, por exemplo, ser mandatário nacional do Bloco de Esquerda, em 2009 e, nesse mesmo ano, apoiar António Capucho à Câmara de Cascais. Afinal, são duas eleições de cariz diferente, em que os pressupostos que levam alguém a apoiar este ou aquele partido / pessoa são, por vezes, bem diferentes.
Em segundo lugar, o facto de Nobre ir integrar a lista de um partido político às eleições para a Assembleia da República,  é um direito que lhe assiste : qualquer cidadão pode ( e deve , digo eu ), assumir as suas responsabilidades na governação da “coisa pública”, uma lição que os atenienses nos deixaram quando criaram a democracia para governar a sua polis.
Em terceiro lugar, numa altura em que cada vez mais se coloca em causa a nomenclatura que atravessa praticamente todos os partidos políticos, em que, muitas vezes, as caras novas apenas são operações de charme para enganar o eleitorado (exemplos não faltam), no momento em que lutas intestinas se estão a desenrolar para assegurar um lugar elegível nas listas, é preciso dar o benefício da dúvida a quem tem, pelo menos, o mérito de dar a cara por algo em que acredita.
Para além do mais, nesta curva apertada da existência do nosso País, se a palavra de ordem é unidade, é concórdia, que legitimidade existe para afastar quem queira contribuir, melhor ou pior, para dar a volta por cima.
 Ainda que, como estamos a assistir, à boa maneira portuguesa, se sujeite ao fundamentalismo e à falta de tolerância tão característica daqueles que, por se julgarem perfeitos e sem pecado, não hesitam em atirar a primeira pedra.

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