Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Defender a Região – unidade e coerência nas posições.


No passado dia 21 de Maio, nove entidades da nossa região (Associação de Municípios, Instituto Politécnico, Turismo do Alentejo, as associações de empresários, comerciantes e agricultores, entre outros), reuniram-se com um objectivo bem definido : defender o Aeroporto de Beja, como complemento ao de Lisboa, a chamada “solução Portela + 1”, de que se tem falado ultimamente. Essa defesa foi, nomeadamente, expressa num documento entregue ao primeiro-ministro.
Uma boa notícia, sem dúvida, quando essas entidades, representadas por pessoas com posições e interesses diferentes, se unem em torno de uma causa comum, a defesa de um equipamento que tão atacado e denegrido tem sido.
Este exemplo é, no entanto, uma excepção à regra que, infelizmente, tem vigorado quando se trata de lutar pelos direitos das populações do nosso território. É que são muitos os exemplos que exigiam a unidade e não a divisão, deixando de lado o acessório e privilegiando o essencial.
Basta olhar à nossa volta e deparamo-nos com uma espécie de “síndroma dos 50 (ou 60, ou 70)”: faltarão cerca de 50 km para nos ligarmos à A2, cerca de 60 de linha férrea electrificada, até Casa Branca, cerca de 70, para concluir a ligação ao Algarve, via IC 27, ou ainda os 60 da “esquecida” EN 260, até à fronteira de Ficalho. Estamos a falar, é claro, de ligações rodo/ferroviárias a partir de Beja, mas outros muitos outros exemplos existem, no distrito e na região, nessa e noutras áreas, que exigem essa unidade, sem complexos nem preconceitos, sobretudo os de natureza político-partidária.
Tal como o fizeram os seus colegas de Coimbra, Lousã e Miranda do Corvo, que se juntaram ao movimento cívico que reivindica o metro do Mondego, para substituir o desactivado ramal da Lousã, também seria muito bom vermos os autarcas de Beja, Cuba, Alvito, Viana do Alentejo, Vendas Novas, unidos, ao lado dos cidadãos que lutam pelas ligações directas a Lisboa, por comboio; ou os de Beja, Mértola, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real, lutando por um IC 27, amputado há muitos anos e que tarda em avançar para além dos 40 km já construídos; ou ainda os de Beja, Ferreira, Grândola, Alcácer, Santiago e Sines, juntos pela A26, que tão tarde arrancou e que vai parando e avançando aos soluços.
É claro que estes são apenas alguns exemplos, que não são exclusivo dos actuais executivos municipais, mas que reflectem aquilo que atrás foi escrito: quando se trata de defender os interesses das populações, as cores partidárias devem ficar de lado, para que se fale a uma só voz, perante os poderes instalados na centralista e macrocéfala Lisboa (sejam eles de que partido forem).
Finalmente, tão importante como a acção intermunicipal, deve ser a actuação dos políticos locais e regionais (autarcas e deputados), perante esses poderes lisboetas. E aí, infelizmente, temos assistido a maus exemplos, protagonizados por eleitos que mudam de posição, consoante o seu partido está ou não no poder. Falamos, é claro, dos partidos do chamado “arco do poder”, PS e PSD e, nada melhor para ilustrar estas mudanças, do que a luta pela electrificação da linha férrea e pelo Intercidades Beja-Lisboa, e as posições tomadas ao longo dos meses por esses políticos.
Daria, certamente, para uma ou duas crónicas de jornal, mas, para exemplo, refiro apenas a errática (e oportunista) postura do actual presidente da câmara de Beja, bem documentada em vários suportes mediáticos – rádios, tvs, jornais, internet, etc.
Começou por aceitar e defender a proposta da CP, que previa a solução do transbordo em Casa Branca, induzindo em erro, mais tarde, a população de Beja, ao escrever no boletim municipal que iria haver cinco intercidades diários. Quando surgiu o movimento dos cidadãos (mais tarde, o Beja Merece), a sua primeira posição foi desvalorizá-lo (no dia 19 de Janeiro de 2011, em entrevista ao Jornal da Tarde da RTP), tratando esse assunto como algo de um qualquer “movimento”, em vez de lhe exprimir o seu apoio.
Esse “apoio”  (ou colagem) só chegou uma semana depois, quando os cidadãos de Beja se manifestaram pela primeira vez no largo da estação (o famoso “assalto à estação ferroviária”). Com cerca de 500 pessoas presentes, claro que o presidente da câmara não podia “perder o comboio” e deixar de aparecer na primeira linha da luta.
Finalmente, para terminar esta novela trágico-cómica, não faltou o recado paternalista, deixado numa entrevista a um jornal local (14 Outubro 2011), em jeito de reprimenda a um grupo de irresponsáveis que estavam a afastar os investidores, com a sua luta “contra o fim dos comboios” (coisa que só pela sua cabeça deve ter passado).
Para concluir, apetece apenas dizer: “apoios” desses, não obrigado.
8 Junho



Um dos cinco "intercidades"  a que JPV se referiu

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Nos 80 anos do Diário do Alentejo:Um conto juvenil ( "A Moda" - 23 Dezembro 1973)


Na minha infância e juventude, dois dos meus locais preferidos (entre outros), na aldeia onde nasci e onde vivia, eram a Biblioteca Itinerante nº 18, da Gulbenkian, que ali se deslocava uma vez por mês e a Casa do Povo, que ficava mesmo em frente à escola primária que frequentei durante três anos (o primeiro foi na escola da estação).

À biblioteca ia buscar os livros que o senhor Alberto (Veríssimo) me incentivava a levar (e eram alguns, todos os meses). À Casa do Povo ia ler as publicações que aí chegavam e, de entre todas, duas preferia: a revista semanal Flama e o Diário do Alentejo. Este último tem acompanhado toda a minha vida. Logo que pude, tornei-me seu assinante, o que acontece até hoje.
O Diário do Alentejo sempre se distinguiu da restante imprensa da chamada “província”. Antes do 25 de Abril fazia parte de um reduzido leque de jornais (como o Notícias da Amadora, o Jornal do Fundão ou o Comércio do Funchal), que ousava enfrentar a censura e a ditadura. Além disso, os seus conteúdos escapavam ao banal registo de casamentos, formaturas e outros eventos locais e, tal como ainda hoje, distinguia-se também por ser um projeto profissional, feito por profissionais.
Foi, por isso, muito por “culpa” do DA que ganhei o gosto (que ainda mantenho) pela leitura (e pela escrita).
Espicaçado por uma professora de Português, colaborei, durante dois anos no suplemento juvenil do jornal Época (que também chegava a Santa Vitória). Experiência que terminou no dia em que soube que esse jornal pertencia ao partido único, a Acção Nacional Popular, sucessor da União Nacional, de Salazar.
Estávamos em 1973, tinha quinze anos e começara a frequentar o 6º ano do Liceu de Beja. Um dia, em Outubro ou Novembro, entrei timidamente na redação do Diário do Alentejo, instalada na Praça da República, no mesmo prédio da livraria e da gráfica que o imprimia.
Lá estavam o José Moedas e o Manuel Sousa Tavares, de quem admirava os seus escritos. E o diretor, Melo Garrido, a quem me dirigi, falando-lhe do meu gosto pelos jornais, da intenção de ser jornalista e de como gostaria de ver publicado no Diário do Alentejo algo da minha autoria.
Melo Garrido disse-me, então, para lhe enviar um texto, para ele analisar e decidir sobre a sua publicação. Assim fiz e, no dia 23 de Dezembro desse ano, era publicado um conto com o título “A Moda”.
Como forma de homenagear os 80 anos do Diário do Alentejo e todos os profissionais que por ele têm passado, é esse conto que agora volto a publicar. Quase quarenta depois, à exceção da guerra colonial, que nele estava presente, mantém uma atualidade que a todos nos deve inquietar e interrogar.
A Moda
Depois de um copo e de uma palmada nas costas, começou a moda. Era o melhor alto da aldeia. Do Alentejo. Até já cantara na rádio. Com o grupo da Casa do Povo.
Nesse dia, houve feriado na aldeia. Todos quiseram ouvir cantar os da moda. Entre estes, Tóino, o melhor alto de Portugal.
O Tóino era um tipo com sorte…
Sorte malvada, dizia ele. Até já lhe morrera um moço na tropa e agora já lá estava outro.
Há anos, ouvindo falar nos que estavam além fronteira, viu-se na mesma situação que eles: um bom carro, um bom par de notas no banco e uma boa vida. Isto, diziam eles, os emigrantes, quando escreviam às mulheres. Os filhos brincavam na lama… Mas que importa isso?
“Tou-me lixando para isto” – disse o Tóino, um dia. Um homem é um homem. Iria para a França. Veriam, então, quem era ele.
Pediu emprestados os oitos contos para o gajo que os passaria. A ele e a mais três da aldeia. Partiram numa noite chuvosa.
“Não chores, mulher” – disse ele à partida – “Verás quem é rico daqui a uns meses”. Beijou os filhos e montou-se no automóvel.
Andou com água pelo pescoço. Viu as pontas das carabinas dos guardas. Mas chegou. São (?) e salvo (?)
De repente viu-se sozinho em Paris. O passador, logo que chegou à capital francesa, deixou-os à mercê da sorte.
Chorou. Como nunca antes o fizera. Nem no enterro do filho que morrera na tropa. Andou aos pontapés. Passou fome. Roubou.
Voltou meses depois. Sem “massa”. Dizendo “merci”, debaixo do qual escondia a miséria. Passou a embriagar-se todas as noites. Depois dava pancada na mulher, som o choro dos filhos.
Não queria trabalhar. Os ricos que o fizessem. Nele, já ninguém punha as mãos em cima.
Esteve na cadeia por roubo. Saiu um mês depois. Roto. Sujo.
Agora, canta a moda na taberna. Reles. Miserável.
Mas isso que interessa?
Não é ele o melhor alto do mundo?
1 Junho




Casa do Povo - onde conheci e comecei a gostar do Diário do Alentejo
( um jornal que é Património Cultural da Região )