Parafraseando Baptista Bastos (mais tarde replicado, à sua maneira, por Herman José): “Onde estavas no dia… 23 de janeiro de 2011?”
Um domingo
que amanheceu frio e com aquela chuva miudinha, que incomoda mais do que molha.
Um domingo de inverno, que podia ser igual a outros, mas que tinha algo de
diferente: eleições presidenciais, que seriam ganhas por Cavaco Silva, com
maioria absoluta, iniciando, assim, o seu segundo mandato.
Tal como
em outros locais onde se votava, nas imediações da escola do Salvador um grupo
de bejenses (onde eu estava incluído) recolhia assinaturas para uma petição,
assinada de forma entusiasta e consciente por centenas de cidadãos. Essa tinha
sido a primeira ação decidida na reunião realizada cinco dias antes, no
auditório da Biblioteca Municipal, na sequência do comunicado da CP, no dia 7,
anunciando o fim da ligação ferroviária direta Beja-Lisboa, com a introdução de
um transbordo em Casa Branca.
Três eram
os objetivos dessa petição: manter as ligações diretas a Lisboa; a eletrificação
da linha Beja-Casa Branca; a manutenção da ligação ao Algarve, através da linha
Beja-Funcheira.
O
descontentamento dos bejenses era tão grande que, em menos de um mês, a petição
recolheu 15071
assinaturas (mais 3561 online), sendo entregue ao Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama,
no dia 16 de fevereiro.
Passados
catorze anos, qual o ponto da situação desses três objetivos? Começando pelo
fim, a linha Beja-Funcheira, encerrada no dia 1 de janeiro de 2012, assim
continua; a ligação Beja-Lisboa continua a fazer-se com o transbordo em Casa
Branca, na mesma linha não-eletrificada, como em janeiro de 2011.
Tal
acontece por uma razão óbvia: a falta de vontade política dos vários governos,
ao esquecer a região, não tomando as medidas que podiam contribuir para a tão
propalada (mas pouco aplicada) “coesão territorial”. Por exemplo, uma das
soluções propostas pelo movimento de cidadãos para manter as ligações diretas a
Lisboa, quando a linha fosse reaberta em 2011, após a eletrificação de Bombel a
Évora, era o recurso a comboios mistos (diesel e elétricos), como acontecia em
algumas linhas de Espanha. Esta proposta foi feita aos secretários de estado
dos governos de José Sócrates e de Passos Coelho, em reuniões realizadas em 25
de março e 29 de julho desse ano e por ambos foi rejeitada.
Em Abril
de 2014 era apresentado pelo governo PSD/CDS o PETI3+, o Plano Estruturante de
Transportes e Infraestruturas, para o horizonte temporal 2014-2020. Sobre as
três reivindicações da petição atrás referida, nem uma linha. O mesmo viria a
acontecer, quase dois anos depois, já com o governo do PS, com o chamado
Ferrovia 2020, apresentado em fevereiro de 2016, para o horizonte temporal
2016-2021.
Enquanto
isso, os passageiros da linha Beja-Casa Branca penavam, face às degradantes condições em que essa viagem
se realizava (bem documentadas nas redes sociais), com constantes atrasos,
avarias e/ou desconforto das composições utilizadas, já para não falar nas
condições a que, por vezes, estavam sujeitos, aquando do transbordo.
Esta é a história (ainda que incompleta) que,
como diz o poema/canção, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
Entretanto, nos últimos dias, surgiu uma luz ao
fundo do túnel, com a abertura do concurso, no âmbito do Programa Regional
Alentejo 2030, para o financiamento em 85% da modernização/eletrificação da linha
Casa Branca-Beja, com fundos comunitários de 80 milhões de euros (e não ainda,
como erradamente tem sido noticiado, já para a realização das obras). Mas, como
não há bela sem senão, esse anúncio foi acompanhado por duas notícias pouco
animadoras: a primeira, é que não haverá ligação ao aeroporto, no projeto de
modernização da linha; a segunda, que, durante as obras, previstas para 21
meses, a ligação Beja-Casa Branca será interrompida. Ou seja, mais uma vez, é
ignorado o tão badalado “triângulo de desenvolvimento da região, Alqueva, Porto
de Sines, Aeroporto de Beja”, quando se realiza uma obra da dimensão da que é
agora se anuncia; por outro lado, tendo em conta os atrasos verificados nas
várias obras ferroviárias em curso, noticiados quase diariamente na comunicação
social, só mesmo por milagre é que as obras durarão os 21 meses, com todas as
contrariedades já sentidas entre maio de 2010 e julho de 2011, durante a
eletrificação do troço Bombel-Évora.
Deixo para o fim uma questão que, até ao momento,
não vi abordada em lado nenhum.
Em 2018 conheci um engenheiro suíço (casado com
uma amiga de infância) que, infelizmente, faleceu poucos anos depois. Era um
apaixonado por comboios, a sua área de trabalho, na empresa Stadler. Quando
vinha a Portugal, viajava centenas de quilómetros e conhecia as linhas, quer as
que funcionavam, quer as que estavam encerradas. Indignava-se, por exemplo,
pelas condições deploráveis da ligação Beja-Casa Branca, ou pelo encerramento
da linha Beja-Funcheira. Comentava como era possível, um país da União Europeia,
não ter aproveitado os fundos comunitários, para desenvolver a ferrovia e,
desse modo, o interior do Alentejo, incluindo, até, o ramal de Moura.
Foi através dele que tive conhecimento do
concurso que iria ser lançado pela CP, para aquisição de automotoras bimodo (as
tais que, sete anos antes, tínhamos proposto aos dois governantes), sendo a sua
empresa uma das possíveis concorrentes.
E foi mesmo a Stadler, a vencedora desse
concurso, lançado em janeiro de 2019, para a construção de doze automotoras
bimodo, algumas das quais destinadas à ligação Beja-Casa Branca-Lisboa,
prevendo-se a entrega das primeiras para outubro deste ano (eco.sapo.pt , 7
março 2023).
E é precisamente aqui que poderemos sentir, de
novo, uma sensação agridoce, tal como aconteceu em 2010, quando, após seis anos
de ligações diretas a Lisboa, pela ponte 25 de Abril (depois de 140 de
transbordo no Barreiro), estivemos mais de um ano sem comboios, que não mais
voltaram a ser diretos. Desta vez, se e quando chegarem as automotoras bimodo,
talvez voltemos a ter essas ligações diretas que, mais uma vez serão
interrompidas se e quando se iniciar a eletrificação da linha, desta vez por
21, 31 ou 41 meses. É mesmo caso para dizer: que triste sina a nossa.
Por isso, não obstante as posições triunfalistas
de protagonistas políticos regionais e locais, cada qual tentando capitalizar a
paternidade de uma parte dos objetivos da petição lançada há catorze anos,
talvez fosse bom refrear um pouco esse entusiasmo/oportunismo político, não só
pelo reconhecimento dos impasses ocorridos, pelo respeito por todos quantos se
empenharam na defesa dos direitos dos cidadãos, mas sobretudo porque esta grande
vitória por eles anunciada, não passa de um primeiro passo, que alguns acharão
“melhor que nada”.
Pessoalmente, pelas razões que atrás expus, mas
por muitas outras que não cabem neste artigo, considero que se trata de um copo
meio cheio.
24 janeiro 2025 |