“ Liberdade essa [devida aos capitães de Abril] que permitiu ter-se erguido em Beja, o
monumento ao 25 de Abril, que é uma referência aos prisioneiros políticos de
todo o mundo… “
Estas palavras mostram o afeto
que Jorge Vieira nutria por Beja, a cidade que acolheu e erigiu, em 25 de Abril
de 1994, essa sua obra, premiada num concurso realizado em Londres, no ano de
1953, quando ele era um jovem artista de 30 anos, e que esteve mais de quatro
décadas apenas em forma de maquete (exposta, aquando do concurso, na Tate
Gallery).
E foi precisamente que, graças a
esse gesto da autarquia, em particular à “…intervenção
de José Manuel Carreira Marques (…) viria a desencadear o processo que findou
na doação, ao Município de Beja, de um grupo de esculturas e desenhos…” (excertos
de um texto do artista para o Catálogo de Desenhos editado por altura da
exposição realizada em novembro e dezembro de 1999).
Passado pouco mais de um ano da
inauguração do monumento referido, abria no dia 25 de maio de 1995, num
edifício adquirido para o efeito, a Casa das Artes/Museu Jorge Vieira, que iria
acolher essa coleção doada a Beja.
Para além de acolher a exposição
permanente das obras do artista, este novo equipamento cultural municipal
desenvolveu um importante trabalho no campo da promoção e divulgação das artes
plásticas, fruto, não só da sua direção artística (Noémia Cruz e Rui Pereira),
mas do apoio e incentivo do poder autárquico. Por falta de espaço, refiro
apenas as exposições temporárias, quer de consagrados – Rogério Ribeiro, Sá
Nogueira, Daciano da Costa, Rui Chafes, - quer de artistas locais e regionais –
António Paizana, Heitor Figueiredo, Susana Monteiro, Tiago Mestre (num caso e
noutro, entre muitos outros).
Só que, ao longo dos anos, vários
problemas de natureza estrutural do edifício (não obstante as obras realizadas
e a mudança da coleção para o piso superior) criaram problemas que se foram
agravando, (nomeadamente no último mandato autárquico), que levaram (e bem) que
o atual executivo municipal tivesse encerrado o museu, poucos meses depois de
ter tomado posse. Mais de um ano depois, impõe-se, pois, uma reflexão acerca do
futuro do Museu Jorge Vieira.
Em minha opinião, esse futuro
passa pela sua instalação no edifício recuperado pela autarquia no centro
histórico (Rua do Sembrano), apoiado por fundos comunitários, numa operação
designada por “Casa Criativa” e que visava a "Reabilitação do edifício do antigo clube Bejense e sua reutilização para novos usos”. Só que, estranhamente (ou não), em julho de 2017, é aí instalado o Centro
UNESCO, criado um ano antes. Não obstante a atividade desta entidade, creio
que, não só o espaço está claramente subaproveitado, como as suas
caraterísticas estão mais vocacionadas para receber o Museu Jorge Vieira,
dando-lhe a dignidade e a visibilidade que merece.
Resolvida questão da
acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida, o edifício possui espaços
para acolher a coleção de escultura e de desenho, para a realização de
exposições temporárias, para o acolhimento de criadores (não só desta área)
para residências artísticas, para a promoção de oficinas e ateliers e,
eventualmente, para a criação de um espaço para a exposição de obras de
artistas locais (ideia expressa por Jorge Castanho numa entrevista ao Diário do
Alentejo há alguns meses).
Desconheço quais as intenções do
executivo municipal sobre este assunto e não sei qual o ponto da situação do
edifício da Praça da República (que já foi “de arqueologia e artes” e que
perdeu depois esta última valência), mas julgo que seria tempo de inverter a
decisão de 2017, para que, com um bom projeto museográfico, a memória e a obra
de Jorge Vieira fossem recuperadas (como merecem) e dadas de novo a conhecer
aos bejenses e a todos os visitantes da cidade.
Duas notas finais, de toda a
justiça. A primeira para relembrar o excelente trabalho de Jorge Castanho,
anterior ao Museu Jorge Vieira, que colocou Beja na primeira linha da arte contemporânea,
enquanto Diretor da Galeria dos Escudeiros, ao organizar um conjunto de
iniciativas que trouxeram à cidade o trabalho de alguns dos mais conceituados
artistas nacionais (entre elas, a Retrospetiva da Arte Portuguesa no Anos 50,
organizada numa parceria entre a CMB e a Gulbenkian, em outubro e novembro de
1992, onde estava patente a maquete do monumento de Jorge Vieira, referido no
início deste artigo).
A segunda, para sublinhar o bom
trabalho que André Tomé tem vindo a realizar no Centro UNESCO e que merece,
claramente, continuar. Onde? Num espaço que, depois de recuperado devidamente,
tem as condições necessárias para o tipo de atividades desenvolvidas no âmbito do
Património Imaterial, sem perder a qualidade que as tem marcado: o edifício
municipal da Rua do Touro onde foi instalado, em 1995, o rico espólio de um dos
grandes artistas nacionais contemporâneos, Jorge Vieira.
29 março 2019 |