Primeiro no YouTube, depois numa sessão promovida pelo Bloco de Esquerda na Biblioteca, finalmente na Sic Notícias. Por três vezes, assisti a um documentário, feito por dois realizadores gregos, sintomaticamente intitulado Dividocracia. Vale a pena conhecer uma versão diferente daquela que diariamente nos é trazida pelos meios de comunicação social, que mostra as causas e as consequências da crise económica e social (e também política) que nos assola.
Não vou, aqui, descrever em pormenor o filme, aconselho antes que o vejam. Vou deter-me, apenas, sobre uma das questões aí colocadas: a existência da “dívida ilegítima” (ou “odiosa”), um conceito que surgiu na década de 20 do século passado. Segundo este conceito, há dívidas assumidas pelos governantes de um país que, não sendo ilegais, não contribuem para a satisfação das necessidades dos governados, podendo assumir contornos de esbanjamento e até de corrupção e/ou enriquecimento ilícito.
Ao ver esse documentário, onde são dados alguns exemplos da Grécia (desde a compra de cinco submarinos à Alemanha, até ao escândalo que foram os custos dos Jogos Olímpicos de 2004, em que um orçamento inicial de 1300 mil euros terá chegado aos 20 mil milhões, envolvendo subornos de multinacionais a vários responsáveis, incluindo mesmo os dois grandes partidos políticos), lembrei-me, obviamente, do nosso País.
Para além dos dois submarinos, lembrei-me, nomeadamente, das PPPs, das autoestradas sem carros e, claro, dos estádios do Euro 2004, apenas alguns dos exemplos de dívidas assumidas que, caso haja a auditoria que é citada no filme, não será muito difícil considerar como ilegítimas. Talvez seja a isso que Boaventura Sousa Santos se refere, quando há pouco tempo defendeu que “…Portugal não deve pagar toda a dívida, deve pagar aquilo que é legal, legítimo e sustentável…”.
Em relação às autoestradas, basta viajar em duas, a A17 e a A10, para ver como se desperdiçou o dinheiro que agora vamos ter de pagar: autênticos desertos, quase sem viaturas e, no caso da segunda, com seis faixas e uma travessia do Rio Tejo, completamente desnecessárias.
Quanto aos estádios, fruto de uma onda de novo-riquismo, típico de um país bipolar (cuja esplendor foi admitir uma candidatura aos Jogos Olímpicos), o resultado está à vista : exceptuando os cinco que têm correspondido (os três “grandes”, Braga e Guimarães), os restantes cinco são o exemplo acabado do desperdício : o Bessa, com o Boavista pós-Loureiros a atravessar penosamente o deserto; do Algarve, nem vale a pena falar; em Aveiro, é a Câmara Municipal que recusa “oferecer” o estádio ao Beira-Mar, como pretendia o seu presidente; o de Leiria, cujo Município quer vender e onde, nos próximos anos, a equipa da cidade não vai jogar, optando pela vizinha Marinha Grande; resta o Cidade de Coimbra, de que não se conhecem crises semelhantes, mas que padece do mesmo problema dos restantes quatro : a crónica falta de público nos jogos aí disputados.
Aqui há uns dias (7 Julho), num trabalho do jornal Público, indica-se a média de espectadores nas três últimas épocas, no estádio de Leiria : 2576. Ora, se considerarmos que nessa média entram jogos com o Benfica (cerca de 23 mil) fácil é de concluir que há jogos com… 600 espectadores. Se juntarmos a isso os mais de cinco mil euros/dia de juros, que a autarquia paga, pelo empréstimo de 74,5 milhões, contraído para a construção do estádio, impõe-se a pergunta : não será essa uma dívida ilegítima?
E não foi por falta de avisos: em Janeiro de 2000, num seminário sobre Desporto, promovido pela ANMP em Santarém, ouvi o então presidente da câmara de Rio Maior, Silvino Sequeira (que dirigia os trabalhos), perante mais de mil pessoas, questionar o então ministro que tutelava essa área, Fernando Gomes, sobre a necessidade de se construírem tantos estádios que, passado o Euro, não iriam ter mais de três mil pessoas nos trinta mil lugares criados. Ninguém o ouviu e o resultado está à vista.
Uns anos mais tarde, em Junho de 2003, num outro seminário, em Lisboa, ouvi também um autarca de Charleroi, cidade belga com 200 mil habitantes, dizer com toda a frontalidade que, como a Bélgica não tinha condições para apresentar oito estádios para o Euro 2000, a opção foi unir-se à Holanda, contribuindo cada país com quatro. Ou seja, a Bélgica, com um PIB per capita de 37900 dólares (em 2010), não tinha condições para construir oito estádios. Nós, com um PIB per capita de 23 000 dólares (em 2010), construímos dez.
Ainda por cima, de acordo com esse trabalho do Público, os cinco estádios construídos por autarquias, que estavam orçamentados em 124 milhões de euros, custaram 410 milhões. É por isso que, neste momento grave que passamos, todos os decisores que gerem os dinheiros públicos (membros do Governo, autarcas, gestores de empresas públicas), devem, mais do que nunca, ponderar muito bem todos os gastos que fazem. Porque o dinheiro não é deles, é de todos os cidadãos.
Para terminar, dois exemplos de eventuais dívidas, justas e legítimas : a conclusão dos pavilhões desportivos das duas escolas secundárias de Beja e a electrificação da linha Beja-Casa Branca.
22 de Julho |
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