Domus Municipalis - Bragança - um símbolo do poder municipal em Portugal |
Pouco tempo depois de se ter conhecido o conteúdo do Memorando de Entendimento entre Portugal, o FMI, o BCE e a EU, li um comentário num jornal que dizia mais ou menos isto : os negociadores da troika já foram “contagiados” pelos portugueses, porque estão a apresentar propostas que não irão ser concretizadas. As propostas referidas tinham a ver com o ponto 3.44 desse memorando, que diz : “Até Julho 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número destas entidades [municípios e freguesias](…) Estas alterações, que deverão entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral local [2013-2017], reforçarão a prestação do serviço público, aumentarão a eficiência e reduzirão custos.”
Penso que esse comentário se refere, não tanto ao conteúdo, mas sim à surpresa que foi o surgimento dessa mesma proposta e o prazo para a sua implementação.
Essa proposta, que aparece (como todo o Memorando) como uma imposição a um Estado soberano, representa, antes de mais, uma clara derrota (e capitulação) dos partidos do chamado “arco do poder” que, ao longo destes anos, não conseguiram alterar as leis eleitorais das autarquias, de modo a evitar situações aberrantes, como existem, por exemplo, em Évora ou Portalegre, onde apenas três dos sete eleitos das respectivas câmaras municipais estão a tempo inteiro, numa altura em que as competências dos Municípios são cada vez maiores e mais exigentes. Essa derrota foi, implicitamente, reconhecida, por António José Seguro, numa entrevista ao jornal Público (16 de Junho), ao afirmar: “Quando era líder parlamentar, em 2004, tive quase pronta uma proposta acordada com o PSD para se fazer uma alteração da legislação autárquica. (…) Já passaram sete anos”.
Fundir ou extinguir autarquias locais apenas por decreto, é estar a ignorar a importância que, ao longo da nossa História, estas entidades tiveram. Com a sua génese medieval, reformados no século XIX, os municípios (e, mais tarde, as freguesias) atravessaram a República e o Estado Novo, tornando-se, com o advento da Democracia, numa das grandes conquistas do 25 de Abril. Não só pelo facto dos seus órgãos passarem a ser eleitos democraticamente mas, sobretudo, pelo importante contributo que deram para o desenvolvimento local e para a diminuição das assimetrias regionais que, há 37 anos, eram muito superiores às que ainda hoje se mantêm. Parece coisa muito distante, mas o abastecimento de água ou o saneamento básico, as bibliotecas ou as piscinas, entre outros, são progressos que contribuíram para a melhoria das condições de vida das populações das nossas aldeias, vilas e cidades.
Por outro lado, quando se fala em despesismo no Estado, decerto não serão as pequenas e médias autarquias do interior, as suas principais responsáveis, mas antes os mega investimentos mal planeados, como os Estádios do Euro 2004, as SCUT e outras PPP, já para não falar nos elevados deficits das grandes empresas públicas.
Para além disso, pelo seu melindre “…especialistas em poder local contactados pela Lusa concordam que esta reorganização exige um profundo debate e um consenso alargado, e que deve ter em conta não só o critério do número habitantes das autarquias, mas também o da territorialidade e o da distância das pessoas aos centros de decisão e às estruturas locais” (http://aeiou.expresso.pt, 12 de Junho).
Fernando Ruivo, do Observatório do Poder Local, vai mais longe, ao afirmar: “As pessoas no interior já não têm escola, não têm acesso à saúde, já não têm empregos(…) acesso à justiça e a uma data de serviços. Se lhes tiram a identidade institucional, em que eles se reconhecem, tiram-lhes tudo” (Público. 14 de Junho). Apetece perguntar: será que o governo do PS se lembrou destes “pormenores” quando assinou o Memorando? E o PSD e CDS que lhe deram o seu aval e que agora o vão aplicar? Também pensaram nisto? Parece-me bem que não.
Mas, como em tudo na vida, há quem pense apenas em números e se esqueça das pessoas. Por isso, não estranhei as palavras do Presidente da Câmara de Beja, ao afirmar que “…concorda "em absoluto " com a redução de municípios e de freguesias...” e que “…não faz sentido o país ter freguesias e municípios demasiado pequenos, às vezes uns ao lado dos outros, ‘quando apenas um órgão de gestão poderia gerir as necessidades’ sem duplicar órgãos de gestão e eleitos”. (Correio Alentejo, 13 de Maio).
Assim, não será de estranhar se vermos, um dia destes, Pulido Valente a tentar convencer os autarcas e as populações das freguesias de Quintos (pequena), Salvada e Cabeça Gorda (próximas), e dos municípios de Alvito (pequeno), Cuba e Vidigueira (próximos), a iniciar o debate para a sua fusão numa só freguesia e num só município. A bem do cumprimento do Memorando.
24 de Junho |
A margem sul é um dos clarissimos exemplos onde se podem - aliás, devem - extinguir Municípios. Nada justifica que a península de Setúbal esteja repartida por 9 (nove!) concelhos.
ResponderEliminarOu seja, como nas escolas, fazer "mega-municípios". Acha que seria viável, municípios com 500 ou 600 mil habitantes?
ResponderEliminarA questão dos municípios das grandes áreas metropolitanas terá de ser vista de forma diferente, dado que têm especificidades próprias. Não é por acaso que, há uns anos, Odivelas se separou de Loures ou, mais recentemente, se começou a estudar a uma nova organização para Lisboa.
Portanto, não se pode, nem nos grandes centros urbanos, nem no interior, aplicar uma solução igual. Ainda por cima, imposta pela "troika"