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sexta-feira, 1 de março de 2019

Serviços mínimos.



Daqui a pouco mais de dois meses passam nove anos da suspensão das ligações ferroviárias diretas entre Beja e Lisboa. Que, de resto, tinham apenas seis anos de existência: entre 1864 e 2004, essa viagem era feita com um transbordo no Barreiro, onde se apanhava o barco até ao Terreiro do Paço.
Só com a abertura da Ponte 25 de Abril à ferrovia é que esse sacrifício acabou e deu lugar a viagens mais rápidas e cómodas, “privilégio” que foi sol de pouca dura. Com o início das obras de eletrificação do troço Bombel-Évora, em maio de 2010 (que duraram mais de um ano), terminaram as ligações diretas Beja-Lisboa, substituídas por uma (por vezes penosa) viagem até Casa Branca, seguida de transbordo para o comboio vindo de Évora.
Foi na sequência do anúncio deste retrocesso, feito no início de 2011, que se iniciou um movimento cívico de protesto que, num mês, realizou duas concentrações públicas, recolheu mais de quinze mil assinaturas (as primeiras centenas na manhã fria e chuvosa do dia das eleições presidenciais desse ano), entregues no dia 16 de fevereiro ao então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, reuniu com os grupos parlamentares, secretário de estado, presidente do CA da CP, entre outras iniciativas.
Que queriam, com todas estas ações (repetidas várias vezes, nesses e em outros formatos, ao longo dos anos), os cidadãos? Tão somente que não fosse eliminada a ligação direta por comboio de Beja a Lisboa (que servia igualmente Cuba, Alvito e Viana do Alentejo, bem como os concelhos limítrofes). Eram esses os “serviços mínimos” exigidos em dezenas de reuniões, comunicados, ações de rua e que foram transmitidos, aos secretários de estado Correia da Fonseca e Sérgio Monteiro, em março e julho de 2011. O resultado, esse, todos nós sabemos.
Depois, à revolta que esta injusta decisão provocou (a que se juntou o fim da ligação à Funcheira), outras situações ocorreram, como a interrupção da construção da A26 e de parte do IP2 (esta, mais tarde concluída), a “novela” da abertura do troço de 13 quilómetros de ligação à A2 (adiada para as calendas gregas), para além dos atrasos, avarias, interrupções na viagem Beja-Casa Branca. Não admira, por isso, a perda de 18 mil passageiros nesta ligação, noticiada na última edição do Diário do Alentejo.
Ao mesmo tempo, nos vários planos apresentados pelos governos, em 2014 e em 2016, bem como na reprogramação do Portugal 2020, efetuada em 2018, as justas pretensões por que os bejenses (e não só) lutavam, eram ignoradas e, só muito recentemente, se falou no concurso para a aquisição de comboios (que, como o DA também noticiou, só lá para 2023 chegarão) e a eletrificação da linha (bem como um conjunto de outras obras, entre as quais a A26) foi incluída num “pacote”, incluído no chamado PNI 2030, que o ex-ministro Pedro Marques veio apresentar aos autarcas da região poucos dias antes de deixar o governo (ele que, durante os mais de três anos de funções governativas, nunca tinha vindo a Beja).
Perante este cenário e, tendo em conta a mudança da equipa ministerial da área (ainda que com um limitado período temporal – até às eleições legislativas de setembro), coloca-se a questão: é ou não possível reverter a situação, de modo a voltar a haver, pelo menos três ligações diretas Beja-Lisboa-Beja? Em minha opinião, é. Basta, para isso, que haja a vontade política que tem faltado nos últimos anos, aliada à “discriminação positiva” para o interior, tão falada, mas tão pouco praticada.
É claro que o ideal seria numa linha eletrificada mas, à falta desta (e dos tais comboios híbridos, anunciados há um ano), porque não recorrer ao que existe e que fazia as citadas ligações diretas entre 2004 e 2010? Em artigo publicado no dia 19 de fevereiro no jornal Público, Carlos Cipriano escreveu : “Pedro Nuno Santos vai ter de decidir se quer aproveitar o material que a CP tem imobilizado e que pode ser colocado a transportar passageiros (…), 30 carruagens Sorefame (…) quatro locomotivas a diesel (…) além de outro material que está parado”.
Tem a palavra, pois, o novo ministro. Será ele capaz de corrigir esta injustiça, que já dura há quase oito anos? Será que continuará esta contínua degradação do transporte ferroviário (mais próximo de um país de Terceiro Mundo), condenando-o a uma morte lenta, que levará, no limite, ao encerramento de mais uma linha?
Ao contrário dos revolucionários do maio de 68, em Paris, não “exigimos o impossível”, somos “razoáveis”, apenas gostaríamos de sair de Beja, de comboio, às 8 da manhã e, pouco mais de duas horas depois, estarmos em Sete Rios ou no Oriente (como em 2004). São estes os “serviços mínimos” que se pedem a Pedro Nuno Santos.

1 março 2019


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