Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 29 de março de 2019

Um Museu que preserve e dignifique a memória e a obra de Jorge Vieira.


“ Liberdade essa [devida aos capitães de Abril] que permitiu ter-se erguido em Beja, o monumento ao 25 de Abril, que é uma referência aos prisioneiros políticos de todo o mundo… “

Estas palavras mostram o afeto que Jorge Vieira nutria por Beja, a cidade que acolheu e erigiu, em 25 de Abril de 1994, essa sua obra, premiada num concurso realizado em Londres, no ano de 1953, quando ele era um jovem artista de 30 anos, e que esteve mais de quatro décadas apenas em forma de maquete (exposta, aquando do concurso, na Tate Gallery).

E foi precisamente que, graças a esse gesto da autarquia, em particular à “…intervenção de José Manuel Carreira Marques (…) viria a desencadear o processo que findou na doação, ao Município de Beja, de um grupo de esculturas e desenhos…” (excertos de um texto do artista para o Catálogo de Desenhos editado por altura da exposição realizada em novembro e dezembro de 1999).

Passado pouco mais de um ano da inauguração do monumento referido, abria no dia 25 de maio de 1995, num edifício adquirido para o efeito, a Casa das Artes/Museu Jorge Vieira, que iria acolher essa coleção doada a Beja.

Para além de acolher a exposição permanente das obras do artista, este novo equipamento cultural municipal desenvolveu um importante trabalho no campo da promoção e divulgação das artes plásticas, fruto, não só da sua direção artística (Noémia Cruz e Rui Pereira), mas do apoio e incentivo do poder autárquico. Por falta de espaço, refiro apenas as exposições temporárias, quer de consagrados – Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Daciano da Costa, Rui Chafes, - quer de artistas locais e regionais – António Paizana, Heitor Figueiredo, Susana Monteiro, Tiago Mestre (num caso e noutro, entre muitos outros).

Só que, ao longo dos anos, vários problemas de natureza estrutural do edifício (não obstante as obras realizadas e a mudança da coleção para o piso superior) criaram problemas que se foram agravando, (nomeadamente no último mandato autárquico), que levaram (e bem) que o atual executivo municipal tivesse encerrado o museu, poucos meses depois de ter tomado posse. Mais de um ano depois, impõe-se, pois, uma reflexão acerca do futuro do Museu Jorge Vieira.
Em minha opinião, esse futuro passa pela sua instalação no edifício recuperado pela autarquia no centro histórico (Rua do Sembrano), apoiado por fundos comunitários, numa operação designada por “Casa Criativa” e que visava a                    "Reabilitação do edifício do antigo clube Bejense e sua reutilização para novos usos”. Só que, estranhamente (ou não), em julho de 2017, é aí instalado o Centro UNESCO, criado um ano antes. Não obstante a atividade desta entidade, creio que, não só o espaço está claramente subaproveitado, como as suas caraterísticas estão mais vocacionadas para receber o Museu Jorge Vieira, dando-lhe a dignidade e a visibilidade que merece.

Resolvida questão da acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida, o edifício possui espaços para acolher a coleção de escultura e de desenho, para a realização de exposições temporárias, para o acolhimento de criadores (não só desta área) para residências artísticas, para a promoção de oficinas e ateliers e, eventualmente, para a criação de um espaço para a exposição de obras de artistas locais (ideia expressa por Jorge Castanho numa entrevista ao Diário do Alentejo há alguns meses).

Desconheço quais as intenções do executivo municipal sobre este assunto e não sei qual o ponto da situação do edifício da Praça da República (que já foi “de arqueologia e artes” e que perdeu depois esta última valência), mas julgo que seria tempo de inverter a decisão de 2017, para que, com um bom projeto museográfico, a memória e a obra de Jorge Vieira fossem recuperadas (como merecem) e dadas de novo a conhecer aos bejenses e a todos os visitantes da cidade.
Duas notas finais, de toda a justiça. A primeira para relembrar o excelente trabalho de Jorge Castanho, anterior ao Museu Jorge Vieira, que colocou Beja na primeira linha da arte contemporânea, enquanto Diretor da Galeria dos Escudeiros, ao organizar um conjunto de iniciativas que trouxeram à cidade o trabalho de alguns dos mais conceituados artistas nacionais (entre elas, a Retrospetiva da Arte Portuguesa no Anos 50, organizada numa parceria entre a CMB e a Gulbenkian, em outubro e novembro de 1992, onde estava patente a maquete do monumento de Jorge Vieira, referido no início deste artigo).

A segunda, para sublinhar o bom trabalho que André Tomé tem vindo a realizar no Centro UNESCO e que merece, claramente, continuar. Onde? Num espaço que, depois de recuperado devidamente, tem as condições necessárias para o tipo de atividades desenvolvidas no âmbito do Património Imaterial, sem perder a qualidade que as tem marcado: o edifício municipal da Rua do Touro onde foi instalado, em 1995, o rico espólio de um dos grandes artistas nacionais contemporâneos, Jorge Vieira.
29 março 2019


sexta-feira, 1 de março de 2019

Serviços mínimos.



Daqui a pouco mais de dois meses passam nove anos da suspensão das ligações ferroviárias diretas entre Beja e Lisboa. Que, de resto, tinham apenas seis anos de existência: entre 1864 e 2004, essa viagem era feita com um transbordo no Barreiro, onde se apanhava o barco até ao Terreiro do Paço.
Só com a abertura da Ponte 25 de Abril à ferrovia é que esse sacrifício acabou e deu lugar a viagens mais rápidas e cómodas, “privilégio” que foi sol de pouca dura. Com o início das obras de eletrificação do troço Bombel-Évora, em maio de 2010 (que duraram mais de um ano), terminaram as ligações diretas Beja-Lisboa, substituídas por uma (por vezes penosa) viagem até Casa Branca, seguida de transbordo para o comboio vindo de Évora.
Foi na sequência do anúncio deste retrocesso, feito no início de 2011, que se iniciou um movimento cívico de protesto que, num mês, realizou duas concentrações públicas, recolheu mais de quinze mil assinaturas (as primeiras centenas na manhã fria e chuvosa do dia das eleições presidenciais desse ano), entregues no dia 16 de fevereiro ao então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, reuniu com os grupos parlamentares, secretário de estado, presidente do CA da CP, entre outras iniciativas.
Que queriam, com todas estas ações (repetidas várias vezes, nesses e em outros formatos, ao longo dos anos), os cidadãos? Tão somente que não fosse eliminada a ligação direta por comboio de Beja a Lisboa (que servia igualmente Cuba, Alvito e Viana do Alentejo, bem como os concelhos limítrofes). Eram esses os “serviços mínimos” exigidos em dezenas de reuniões, comunicados, ações de rua e que foram transmitidos, aos secretários de estado Correia da Fonseca e Sérgio Monteiro, em março e julho de 2011. O resultado, esse, todos nós sabemos.
Depois, à revolta que esta injusta decisão provocou (a que se juntou o fim da ligação à Funcheira), outras situações ocorreram, como a interrupção da construção da A26 e de parte do IP2 (esta, mais tarde concluída), a “novela” da abertura do troço de 13 quilómetros de ligação à A2 (adiada para as calendas gregas), para além dos atrasos, avarias, interrupções na viagem Beja-Casa Branca. Não admira, por isso, a perda de 18 mil passageiros nesta ligação, noticiada na última edição do Diário do Alentejo.
Ao mesmo tempo, nos vários planos apresentados pelos governos, em 2014 e em 2016, bem como na reprogramação do Portugal 2020, efetuada em 2018, as justas pretensões por que os bejenses (e não só) lutavam, eram ignoradas e, só muito recentemente, se falou no concurso para a aquisição de comboios (que, como o DA também noticiou, só lá para 2023 chegarão) e a eletrificação da linha (bem como um conjunto de outras obras, entre as quais a A26) foi incluída num “pacote”, incluído no chamado PNI 2030, que o ex-ministro Pedro Marques veio apresentar aos autarcas da região poucos dias antes de deixar o governo (ele que, durante os mais de três anos de funções governativas, nunca tinha vindo a Beja).
Perante este cenário e, tendo em conta a mudança da equipa ministerial da área (ainda que com um limitado período temporal – até às eleições legislativas de setembro), coloca-se a questão: é ou não possível reverter a situação, de modo a voltar a haver, pelo menos três ligações diretas Beja-Lisboa-Beja? Em minha opinião, é. Basta, para isso, que haja a vontade política que tem faltado nos últimos anos, aliada à “discriminação positiva” para o interior, tão falada, mas tão pouco praticada.
É claro que o ideal seria numa linha eletrificada mas, à falta desta (e dos tais comboios híbridos, anunciados há um ano), porque não recorrer ao que existe e que fazia as citadas ligações diretas entre 2004 e 2010? Em artigo publicado no dia 19 de fevereiro no jornal Público, Carlos Cipriano escreveu : “Pedro Nuno Santos vai ter de decidir se quer aproveitar o material que a CP tem imobilizado e que pode ser colocado a transportar passageiros (…), 30 carruagens Sorefame (…) quatro locomotivas a diesel (…) além de outro material que está parado”.
Tem a palavra, pois, o novo ministro. Será ele capaz de corrigir esta injustiça, que já dura há quase oito anos? Será que continuará esta contínua degradação do transporte ferroviário (mais próximo de um país de Terceiro Mundo), condenando-o a uma morte lenta, que levará, no limite, ao encerramento de mais uma linha?
Ao contrário dos revolucionários do maio de 68, em Paris, não “exigimos o impossível”, somos “razoáveis”, apenas gostaríamos de sair de Beja, de comboio, às 8 da manhã e, pouco mais de duas horas depois, estarmos em Sete Rios ou no Oriente (como em 2004). São estes os “serviços mínimos” que se pedem a Pedro Nuno Santos.

1 março 2019