Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Notas d’Abril : Revolução.

“Todos os sonhos eram possíveis, toda a loucura praticável.”
Eduardo Ferro Rodrigues, Júlia/SIC, 7 dezembro 2023

Quando iniciava o tema 25 de Abril nas aulas do 12º Ano, partilhava sempre com os alunos duas notas, a primeira das quais de índole pessoal: foi um privilégio (único na maioria das gerações) ter vivido e participado naqueles momentos de transformação nas nossas vidas; comparar esses dias frenéticos (revolução) com a atualidade (evolução), é o mesmo que comparar um carro à velocidade de 100 km/hora (por vezes desgovernado e imprevisível) com outro a 10 km/hora, em que tudo (ou quase) é previsível.

Perante a sua natural curiosidade, de entre os vários episódios relatados, destaco o visionamento do vídeo da RTP Ensina sobre a prisão dos pides em Beja (que interrompeu a aula de Filosofia na sala 13, mesmo em frente à vivenda da avenida Vasco da Gama onde tudo estava a acontecer). Memorável para os alunos era a visita de estudo ao Museu do Aljube, em Lisboa, onde se confrontavam com os métodos da ditadura, como a censura ou os horrores da tortura, num local onde podiam ainda observar (e aí entrar) os tristemente célebres “curros”, celas minúsculas, claustrofóbicas. Mas era também nesse museu que testemunhavam a Resistência, nos rostos e nas vozes de homens e mulheres que lutaram pela Liberdade, muitos em troca da própria vida.

Os três “D”.

Há cerca de quatro meses (24.11.2023), numa entrevista à revista E/Expresso, o major Mário Tomé, um dos protagonistas do 25 de Abril, disse algo que contradiz, de certo modo, o que se passou a seguir: “Grande parte do pessoal que fez o 25 de Abril (…) o que queria era um 28 de Maio democrático. Derrubavam o Governo e depois iam para os quartéis, como era dantes.”

De facto, Democratizar não era o único objetivo do MFA, havia outros dois, Descolonizar e Desenvolver. Sérgio Godinho, no seu primeiro álbum editado em democracia, interpretou bem esses objetivos ao cantar “Só há liberdade a sério quando houver / A paz, o pão, habitação, saúde, educação”.

Alcançadas as liberdades – individuais, políticas, de expressão, de reunião, de associação – no “golpe de estado” referido pelo major Tomé, quase sem oposição por parte do regime, quase sem derramamento de sangue (apenas manchado pelo assassínio de quatro cidadãos pelos esbirros da PIDE/DGS), o passo seguinte era acabar com a guerra, algo que só poderia ser feito com a aplicação do segundo objetivo: Descolonizar.

Para se explicar esse momento da nossa História (bem como a guerra colonial que o antecedeu), é preciso recuar alguns anos, quando o ditador Salazar preferiu o isolamento internacional (desde a ONU ao Vaticano), ao recusar o que os países europeus fizeram nos anos 50 e 60 do século passado: a descolonização de África. Este “orgulhosamente sós” do ditador custou caro em vidas humanas: mais de oito mil soldados portugueses mortos (jovens empurrados para uma guerra que nada lhes dizia), tal como milhares de guerrilheiros dos movimentos de libertação (os “terroristas”, na linguagem da ditadura) ou os massacres de civis inocentes (como o levado a cabo pela UPA, em Angola ou o de Wiryamu, em Moçambique).

Por tudo isto, foi um processo traumático e doloroso o regresso de milhares de pessoas das colónias africanas, deixando para trás toda uma vida, memórias e afetos, tal como foram dramáticas as guerras civis que se seguiram nos novos países independentes. Não foi o 25 de Abril, mas sim o regime ditatorial derrubado pelos militares o responsável por esta situação vivida nos primeiros anos da nossa democracia.

O PREC.

No dia 20 de abril de 1942, uma delegação dos chamados “sindicatos nacionais” (com direções nomeadas pelo regime) foram recebidos pelo “Chefe da Revolução Nacional”, para lhe expor as linhas gerais de um documento assinado por dirigentes (autointitulados de seus “soldados fiéis”) de 56 sindicatos. E que retrato do país mostrava esse documento? Falava do “agravamento constante do seu [das “massas trabalhadoras”] penoso viver, fustigado, cada vez mais, pelas mais duras misérias”, do “crescimento da miséria social”, ao mesmo tempo que se verificava o “crescimento largo da riqueza de alguns à custa de todos” – J.P. Castanheira, Os últimos do Estado Novo, pág. 260/261.

Em 1968, último dos trinta e seis de Salazar como Presidente do Conselho, o sociólogo e professor universitário Adérito Sedas Nunes publica a obra Sociologia e Ideologia do desenvolvimento, um conjunto de estudos e ensaios onde, entre outros aspetos, aborda a situação do país em diversas áreas, comparando-a com “16 países da Europa [ocidental]” : “…somos o penúltimo, na capitação do consumo de energia (…) nas taxas de escolarização (…) na capitação do consumo de carne (…) atrás de nós só a Turquia (…) somos o último na capitação do consumo de leite (…) na capitação diária de proteínas (…) na proporção do número de alunos do ensino superior para o conjunto da população…”

Não admira, pois, que, dois anos após a publicação deste livro, os dados estatísticos refletissem os elevados níveis de pobreza e os baixos índices de desenvolvimento, a que não serão alheios os custos da guerra colonial, cerca de 21,8 mil milhões de euros, o que significava um gasto anual médio de 22% das despesas do Estado (estudo de Ricardo Ferraz, editado em 2019).

Assim, por exemplo, em 1970, os dados do INE eram os seguintes: mortalidade infantil – 55 por mil; analfabetismo – 25,7%; casas com água canalizada – 47,4%. Consequência deste atraso eram as elevadas taxas de emigração económica, a que se juntavam o exílio político e a fuga à guerra:  só neste ano emigraram 180 mil portugueses, 110 mil dos quais eram clandestinos.

Conquistada a liberdade, terminada a guerra, inicia-se um período de grandes transformações económicas e sociais, seguindo o terceiro lema do MFA – Desenvolver. É o tempo do PREC – Processo Revolucionário em Curso –, expressão muitas vezes caluniada e denegrida, “… um novo tempo histórico, num novo espaço social…” em que “… três milhões de pessoas participaram diretamente…” – R. Varela e R.D. Santa, Breve História de Portugal –  A era Contemporânea, pág. 380 e 386.

É uma época com um caráter anticapitalista que a maior parte das forças políticas adotou (tal como largos setores militares), para combater o “capitalismo selvagem” protegido pela ditadura, aliada dos grandes grupos monopolistas. Selvagem, mesmo no estrito sentido do termo, ao reprimir violentamente trabalhadores, com aconteceu com o assassinato de Catarina Eufémia em 1954 ou dos dois mineiros de Aljustrel, em 1962.

Em 1974, quase todas as forças políticas defendiam o socialismo, ainda que com cambiantes diferentes, adotado em várias latitudes: na União Soviética e no leste europeu, na China, na Albânia, na Jugoslávia ou na Europa do Norte. À distância de quase cinquenta anos, não deixa de ser esclarecedor ler declarações como esta, de António Rebelo de Sousa, destacado militante do então PPD, numa mesa redonda onde estavam também dirigentes do PS, a LUAR e do MRPP (!): “… não há qualquer possibilidade objetiva de uma democracia de tipo conservador em Portugal (…) a sua [do PPD] opção é uma opção socialista a longo prazo, no sentido em que defende que as alavancas do poder político e económico devem ser controladas pelas classes trabalhadoras…” – in revista Manifesto, nº 5, Janeiro de 1975.

De resto não deixa de ser significativo o facto de na Constituição de 1976 (aprovada já depois do 25 de Novembro) que apenas teve o voto contra do CDS, continuarem expressões como “o caminho para a sociedade socialista” ou uma “República soberana empenhada na transformação numa sociedade sem classes”.

Cinquenta anos depois, mais do que criticar a posteriori os eventuais excessos de um período revolucionário, nada comparáveis com a violência radical das duas grandes Revoluções da História, a Francesa, em 1789 e a Russa, em 1917, interessa conhecer e estudar às suas causas mais profundas, que encontramos, precisamente, na História. Como dizia Alberto Martins, a propósito dos cinquenta anos da crise académica de 1969:  “ Só quem compreende o passado pode sonhar e construir o futuro “ (Público, 23 de abril de 2019).

Aspetos importantes deste período único da nossa História, não podem (nem devem) ser justificados com discursos simplistas ou ideológicos, com expressões como “se tivesse sido assim” ou mesmo considerados tabus, impedindo a sua análise e discussão.

Por exemplo, a Reforma Agrária, cujas causas encontramos na literatura (Seara de Vento, de Manuel da Fonseca) ou no cinema (Raiva, de Sérgio Tréfaut): a pobreza da maioria do povo alentejano, que contrastava com a riqueza dos grandes proprietários agrícolas, apoiantes do regime (que os protegia com as suas forças repressivas, PIDE e GNR) e que contavam, ainda, com a cumplicidade de parte significativa da Igreja Católica.

Mas também em estudos académicos, como o que foi publicado originalmente pela Universidade de Oxford em 1971 e que, por razões óbvias, só em 1977 foi editado em Portugal (com o título “Ricos e Pobres no Alentejo”). Nele, José Cutileiro dá-nos uma pormenorizada visão da freguesia alentejana por si estudada (com o pseudónimo de Vila Velha), nomeadamente na primeira parte, Posse da Terra – Estratificação Social. Como escrevia a revista The Political Quarterly em 1976, “ José Cutileiro (…) estudou uma sociedade dominada ainda pelo analfabetismo, pela superstição e pela miséria, cujas reivindicações políticas eram implacavelmente reprimidas “. E citando o autor, “… quem quer que esteja familiarizado com os trabalhadores sabe que estes reprovam vivamente a actual distribuição da terra (…) São unânimes em sustentar que, pelo menos os grandes latifundiários deveriam ser sistematicamente expropriados da maior parte das suas terras “.

23 fevereiro 2024
 






sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Notas d’Abril: Janeiro 1974.

 

A aldeia.

Em Janeiro de 1974 morava na aldeia. Não já na casa onde nascera 15 anos antes, mas numa outra, distante cem metros que, naquela tarde de 1972, quando saí do autocarro, vindo de Beja, me pareceram cem quilómetros, tal a tristeza que senti. Os meus amigos, vizinhos, sítios de brincadeira, ficavam para trás, tal como a casa da Rua da Estrada Nova, substituída pela da Rua das Eiras, maior, com melhores condições e com um quintal mais amplo.

A rua onde nasci e vivi 14 anos tinha esse nome pouco convencional, que nós abreviávamos para “Estrada Nova”. Não era assim tão nova, tinha sido construída no final do século XIX, tal como a ponte sobre a ribeira.

A “estrada nova”, que ligava a aldeia a Beja, numa distância de 16 quilómetros, trouxe inúmeras vantagens, de que se destaca a ligação à capital do distrito, passando junto à estação ferroviária situada na linha Barreiro-Beja-Vila Real de Santo António, o que facilitava a mobilidade da população.

A nova estrada trouxe também outras alterações, sobretudo no urbanismo da aldeia, até aí desenhado sobre uma pequena colina, debruçada sobre a ribeira que a abraçava. A “nova” aldeia vai estender-se ao longo da nova via, com a construção de habitações, incluindo mercearias, tabernas, sapateiros e ferradores. Mas, o que mais marca a agora Rua 25 de Abril, é aquilo que podemos designar como um complexo agroindustrial, que englobava uma fábrica de moagem, um lagar de azeite, uma grande cavalariça, para além de vários casões de apoio à atividade agrícola.

A estrada trouxe ainda outras mudanças, que transformaram a fisionomia da aldeia, com a construção, na nova entrada desta, da escola e da Casa do Povo. Junto a elas nasceria ainda o campo de futebol, tornando-se os três espaços novos polos de atração para os habitantes de todas as idades.

Era na Casa do Povo que quase tudo se passava (a sociedade recreativa já tinha sido extinta): desde as consultas do médico aos bailes, da televisão ao cinema ambulante e onde se liam os jornais. Foi aí que assisti ao mundial de 1966, aos Sete Magníficos e era no seu exterior que esperávamos, nas noites quentes de Agosto, pela música que abria o resumo do dia da Volta a Portugal.

Em 1974, ainda que sem balneários, iluminação (desde crianças que corríamos atrás da bola, muitas vezes até se ver apenas esta e os nossos vultos) ou vedação (a primeira foi feita com sulipas cedidas pela CP e com trabalho voluntário), Santa Vitória tinha o “privilégio” de possuir um campo de futebol (algo que muitas aldeias da região não tinham), o que fez com que, desde 1968, a equipa da Casa do Povo participasse no campeonato da FNAT.

E foi também em 1968 que um novo elemento veio fazer parte da aldeia: a Barragem do Roxo. O seu enchimento foi vertiginoso, com as suas águas a invadir quintais e hortas, entrando até pela oficina situada junto à ponte. E era na barragem, para onde ia de bicicleta, em grupo ou sozinho, que passava parte do meu tempo (sobretudo nas férias escolares), na pesca ao achigã, o novo peixe aí introduzido, mais aliciante que as pardelhas ou os bordalos da ribeira.

Em Janeiro de 1974 éramos felizes na aldeia, ainda que, devido à pobreza e à falta de trabalho de muitos dos seus habitantes, amigos de infância e suas famílias a deixassem. Aos poucos deixou de haver barbeiros e sapateiros, algumas “vendas” e mercearias fecharam mesmo. “Luxos” como o abastecimento de água ou os esgotos das habitações e a recolha do lixo não existiam. A Mina da Juliana, que pertencia à freguesia não tinha luz elétrica (além de uma parte das casas ter sido destruída pelas águas da barragem).

Os habitantes da aldeia não tinham qualquer participação na escolha do presidente da Junta de Freguesia, que era nomeado pela ditadura.

A escola.

Em Janeiro de 1974 era aluno do Liceu Nacional de Beja, no 1º Ano do Curso Complementar (antigo 6º Ano, atual 10º Ano). Fizera, até aí, um percurso um pouco diferente do habitual.

Com cinco anos e meio, frequentei a escola de Santa Vitória-Gare, onde a professora era a minha tia Bia, regente escolar e que acolhia alunos de vários locais, como os filhos dos ferroviários (a estação ficava mesmo em frente), de trabalhadores do monte do Outeiro e de outros montes à volta. No ano letivo seguinte, quando completei a idade legal para entrar na escola primária, fui para a escola da aldeia onde, graças a esse ano que passei na escola da estação, apenas estive três anos.

Em 1968 iniciou-se uma nova etapa, as aulas em Beja, que durou até 1975. E, com ela, grandes mudanças, logo no primeiro ano. A escolha entre ensino liceal e ensino técnico logo após a 4ª classe, fora reconhecida pelo regime como “demasiado precoce”, tendo sido criado o “ciclo preparatório do ensino secundário”, com duração de dois anos, iguais para todos os alunos, tendo sido abolidos os exames de admissão. Fui, assim, aluno do primeiro ano de funcionamento da Escola Preparatória de Mário Beirão, criada por uma portaria de 9 de setembro de 1968 e que iria funcionar num anexo do liceu de Beja. Sinal dos tempos, a turma era exclusivamente masculina.

Seguiram-se os três anos do Curso Geral dos Liceus (a unificação desse ciclo, o atual terceiro, só se iniciaria em 1976), findos os quais iniciei o Curso Complementar, na área de Letras (atual área de Humanidades), numa turma quase exclusivamente feminina. Estes dois últimos anos tiveram claramente duas etapas, antes e após o 25 de Abril.

Em Janeiro de 1974, além das disciplinas normais, ainda tínhamos a OPAN, Organização Política e Administrativa da Nação e havia a política do livro único. Como, entretanto, deixara de ser obrigatória a frequência, “safei-me” da Mocidade Portuguesa.

Numa escola conservadora, como era o Liceu de Beja, destacava-se a professora de Filosofia (que me tratava por “Sócrates”), jovem, recém-chegada da faculdade e que não tinha problemas em citar Marx, além de Aristóteles ou Platão e que chegou a levar um grupo de alunos a Lisboa, para assistir, na cave de uma conhecida cervejaria, a uma peça de teatro (A Ceia) de um grupo com um nome bem elucidativo: Comuna. Um dia, para a “provocar”, deixei à vista, na aula, o livro (proibido na altura) “A História me absolverá”, de Fidel Castro, emprestado por um colega. No final da aula, chamou-me para me repreender por andar com esse livro à mostra, dado o perigo que isso representava. Foi essa mesma professora que me incentivou a ler Sartre e Camus.

Os livros e os jornais.

A minha relação com os livros começou muito cedo, tal como muitas crianças que viviam nas aldeias, através da biblioteca itinerante da Gulbenkian, neste caso a 28, com o inestimável contributo do senhor Alberto Veríssimo, que nos aconselhava este ou aquele livro. Após o 25 de Abril tive uma agradável surpresa, ao conhecer o seu passado antifascista, com passagens pelo MUD e CDE e apoio a Norton de Matos e Humberto Delgado.

Em janeiro de 1974 já tinha uma pequena biblioteca, sobretudo com livros de duas coleções de bolso, das editoras Minerva e Europa América, comprados na SAMID durante o ano anterior (“Os homens e os outros”, de Elio Vittorini foi adquirido em 27-7-1973, a data que nele registei). Seguindo o conselho da professora de Filosofia, li dois dos livros que me marcaram para toda a vida (por sinal, peças de teatro): “As mãos sujas”, de Sartre e “Os justos”, de Camus. Sobre esta, retive uma mensagem que, embora pareça contraditória, me tem acompanhado desde que a li: a justiça é uma abstração, logo, não existe; há homens justos, que procuram, ao longo da sua vida, praticar a justiça.

Em 1971 comecei a comprar, na Tó-Pequi do senhor Barrocas, a revista Mundo da Canção que, além de escrever sobre o festival Vilar de Mouros e Elton John, reproduzia letras de músicas que desconhecia, de cantores como José Mário Branco ou Adriano Correia de Oliveira, que iriam mesmo surgir em capas.

Desde muito novo que lia, na Casa do Povo, o Diário do Alentejo e a revista Flama. Em 1971, apareceu na aldeia o jornal Época, que era distribuído gratuitamente e que me chamou a atenção porque tinha um suplemento juvenil. Incentivado pela professora de Português da altura, comecei a enviar textos, inicialmente composições da escola, que foram publicados durante dois anos, mas que evoluíram depois para outros temas mais “sérios”, como “Porquê há hippies” (9.6.71), “A poluição” (8.2.72) ou sobre o barulho dos aviões alemães na pacatez da planície bejense. Até que, em 1973, descobri que o jornal pertencia à ANP, o partido único do regime e deixei de colaborar nesse suplemento. Entretanto, num espaço que comecei a frequentar em novembro desse ano – o Centro de Juventude -, lia o Diário de Lisboa, jornal oposicionista.

Um dia, em Outubro ou Novembro, entrei timidamente na redação do Diário do Alentejo, instalada na Praça da República, no mesmo prédio da livraria e da gráfica que o imprimia. Lá estavam o José Moedas e o Manuel Sousa Tavares, cujos escritos eu admirava. E, ao fundo, o diretor, Melo Garrido, a quem me dirigi, falando-lhe do meu gosto pelos jornais, da intenção de ser jornalista e de como gostaria de ver publicado no Diário do Alentejo algo da minha autoria. Disse-me, então, para lhe enviar um texto, para ele analisar e decidir sobre a sua publicação. Assim fiz e, no dia 23 de Dezembro desse ano, era publicado um conto com o título “A Moda”, de que retiro estas citações: “ Sorte malvada, dizia ele. Até já lhe morrera um moço na tropa e agora já lá estava outro (…) Não queria trabalhar. Os ricos que o fizessem. Nele, já ninguém punha as mãos em cima. “

Janeiro de 1974 : nestas duas frases de um jovem de 15 anos, estava, afinal, a forma como iria encarar o futuro, fruto das vivências e das circunstâncias, em parte (pequena) aqui relatadas: a aldeia, a escola, os livros e os jornais. Mal sabia esse jovem que, dois meses depois, tudo iria mudar: a Revolução.

26 de janeiro de 2024








quarta-feira, 27 de setembro de 2023

NOTAS SOLTAS

Notas soltas - 13.1.
Ligação ferroviária Beja-Lisboa, 1872.
O transporte ferroviário em Portugal inicia-se em 1856, com a ligação Lisboa-Carregado. Oito anos depois chega a Beja, dando início à ligação Beja-Lisboa, com o transbordo fluvial no Barreiro.
Em 1872, a viagem terminava na estação de Casével. Em 1889 chega a Faro, em 1906 a Vila Real de Santo António (apenas em 1922 o comboio chegaria a Lagos).
Ficava, assim, concluída a ligação que iria durar durante várias décadas do século XX, entre Vila Real e Barreiro/Lisboa, com Beja a desempenhar um papel muito importante (tal como Casa Branca), como se pode ver no horário de 1913. Além desta linha principal, destacavam-se outras ligações, como o ramal de Moura, concluído em 1902 e que em 1872 ia apenas até Quintos. Realce, também, para a ligação a Évora, concluída em 1863 (um ano antes da chegada a Beja), cuja linha, em 1872, se estendia até Vale do Pereiro. No ano seguinte, esta ligação iria chegar a Estremoz e, em 1905, a Vila Viçosa.
Ou seja, no início do século XX, o transporte ferroviário era determinante para a ligação Algarve-Alentejo-Lisboa-Norte, numa altura em que a rede de estradas era ainda muito deficitária, como se pode ver na “Carta de Portugal contendo as estradas em macadam e caminhos de ferro – publicada para comemorar o 6º anniversário da fundação [em 1899] da União Velocipédica Portugueza”. Por exemplo, a partir de Beja, estavam por concluir as ligações ao Algarve, a Évora, a Aljustrel (a estrada terminava em Ervidel) ou a Serpa (ficava em Baleizão).
Como se vê no documento de 1872, algumas das estações tinham designações que foram alteradas: Monte-Mor/Torre da Gadanha, Outeiro/Santa Vitória-Ervidel, Carregueiro/Castro Verde-Almodôvar. Estas e ainda outras – Alvito, Vianna, Alcáçovas – estavam distantes das povoações: “O caminho de ferro devia ser equidistante das localidades na bissetriz que servisse uma maior quantidade de população. Para se transformar numa verdadeira rede de viação teria de estar ligado por estradas às povoações.” (Magda Pinheiro, Nuno Miguel Lima e Joana Paulino, Ler História nº 61, 2011). Como se pode ver no mapa, em 1906, isto ainda não se verificava.
Entre as estações do Outeiro e do Carregueiro situava-se a da Figueirinha que, tal como a primeira, tinha sido batizada com o nome da herdade onde se situava. Em 1876 foi construída, em via estreita, um ramal entre as minas de Aljustrel e esta estação, passando pelo complexo das Pedras Brancas, destinado ao transporte do minério até à Linha do Alentejo, com destino ao Porto de Setúbal. Sobre a ribeira dos Louriçais, junto ao Vila Galé Clube de Campo, ainda se pode observar uma ponte desta linha (substituída, mais tarde, pela ligação entre Aljustrel e o Carregueiro).
Em 1872 já estavam operacionais, mas não constam no horário apresentado, os apeadeiros de São Matias e de Represas, que estão incluídos no horário de 1913.
Em 1872, a ligação entre o Algarve, o Alentejo e Lisboa era assegurada pela companhia Caminho de Ferro do Sueste, formada por três empresários ingleses em 1860 e que seria nacionalizada em 1869, estando na origem dos designados Caminhos de Ferro, arrendados em 1927 à CP, Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Duas curiosidades:
- em 1872, a viagem entre Beja e Lisboa durava 7 horas e 38 minutos; em 1913 demorava 4 horas e 30 minutos.
- em 1872 a ligação fluvial era feita pelo “vapor”, que ligava o Seixal ao Barreiro e a Lisboa, entre estas duas localidades, a viagem durava 40 minutos;
Uma perplexidade inicial:
- Lisboa-Beja era feita pelos “Comboios Ascendentes”; Lisboa-Beja era feita pelos “Comboios Descendentes”.
Teria sido lapso?
- “via ascendente – via em que os comboios circulam do início para o fim da linha”;
- “via descendente – via em que os comboios circulam do fim da linha para a sua origem”.
Uma nota pessoal:
pode não ser no mesmo horário de 1913, mas era no comboio da noite (Beja - 1h.35 / Santa Vitória-Ervidel - 2h), seguido de 3kms a pé, até à aldeia, que os jovens voltavam a Santa Vitória, depois do cinema no Pax Julia, de bailes, feiras ou do regresso da inspeção militar.




Notas soltas – 14.
1974 - 25 de Abril - 2024.
50 anos de Liberdade.
A um ano de distância, a Câmara Municipal de Beja anuncia a criação de uma comissão para comemorar o 10º Aniversário da classificação do Cante como Património Cultural e Imaterial da Humanidade. Nada a opor, antes pelo contrário.
O que não deixa de ser estranho é que, a cinco meses do 50º Aniversário do 25 de Abril, não haja qualquer notícia sobre as eventuais comemorações de tão importante data, no concelho de Beja, ao contrário do que já está a acontecer, na região e no país.
Mais estranho se torna, quando já passaram quatro meses e meio sobre a aprovação, por unanimidade, da criação da chamada "Comissão Organizadora das Comemorações do 50º Aniversário do 25 de Abril de 1974" e não haja, até ao momento, qualquer nota sobre a sua atividade
Relembro, a este propósito, o que escrevi, nesta mesma plataforma, uma semana depois dessa aprovação (texto que, à data de hoje, ainda é mais atual):
“Em Beja parece que não há mais vida para além dos partidos políticos (que têm, obviamente, o seu insubstituível lugar na Democracia reimplantada em 1974, mas que não são os únicos construtores e protagonistas da vida política, económica, social, educativa, cultural, desportiva do concelho, ao longo dos últimos quase 50 anos).
Atente-se nesta decisão tomada na Assembleia Municipal do passado dia 12 (não estão em causa, naturalmente, os nomes indicados pelos partidos/coligação, legitimamente eleitos nos dois órgãos políticos):
" 2.4. – Proposta de Constituição da Comissão Organizadora das Comemorações do 50º Aniversário do 25 de Abril de 1974; A Assembleia deliberou, por unanimidade, aprovar as propostas apresentadas ficando a Comissão Organizadora constituída pelos seguintes eleitos:
Presidente da Assembleia Municipal de Beja, Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova;
Pelo Grupo do Partido Socialista, Ana Cristina Ribeiro Horta e Patrícia Margarida de Carvalho dos S. Duarte Loução Patriarca;
Pela PCP-PEV-CDU – Coligação Democrática Unitária, Miguel Machado Quaresma e o Presidente da Junta de Freguesia de Stª Clara do Louredo, Luís Miguel da Silva Gaspar;
Pelo PPD/PSD.CDS-PP.PPM.IL.A – Coligação Consigo “Beja Consegue”, José Manuel Pinela Coelho Fernandes e Bernardo Maria Parreira Cabral Cruz Nascimento;
Pela Câmara Municipal de Beja, Paulo Jorge Lúcio Arsénio, Presidente da Câmara e a senhora vereadora, Ana Marisa de Sousa Martins Saturnino."
Excerto da minuta da Ata da referida assembleia. “


Notas soltas - 13.
Ligação ferroviária Beja-Lisboa em 3 atos :
1 - 1872; 2 - 2008; 3 - 2021.
Descubra as diferenças (há bastantes, umas para melhor, outras para pior).

2008 2021
Notas soltas - 12.
Ninguém de indigna?
Ninguém questiona?
"Unidade Hospitalar do Baixo Alentejo (Hospital de Beja) – Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica (Via Verde AVC), sem resposta a 2 de dezembro. Instituição para referência: Hospital Garcia de Orta, EPE – SUP." Daqui : https://lidadornoticias.pt/ .
A notícia do Lidador Notícias é de ontem, precisamente o dia em que a Direção Executiva do SNS publicou esta nota de imprensa https://www.sns.min-saude.pt/.../Deliberacao-SU-Nacional... .-
Estranhamente, mais nenhum órgão de comunicação social local se referiu ainda a este assunto. Adiante!
Ninguém se indigna? Talvez por ser "apenas" um dia, talvez por ser a banalização do "novo normal" dos últimos meses, o certo é que nem uma única voz (que eu tenha conhecimento) se fez ouvir sobre o tema.
Ninguém questiona: porquê Almada, porque não Évora?
Segundo a ARS Alentejo, "A Unidade de AVC do Hospital do Espírito Santo de Évora é uma unidade de referência regional, com acesso a Via Verde AVC, cuidados diferenciados e específicos." http://www.arsalentejo.min-saude.pt/ . De acordo com a nota de imprensa citada, não vai estar encerrada nesse dia e, sendo "uma referência regional", menos ainda se percebe a opção Garcia de Orta (cuja competência não está, obviamente, em causa).
Sendo a Via Verde AVC decisiva para salvar vidas e/ou minimizar impactos graves, exigindo uma intervenção o mais rápido possível, porquê, então, fazer 170 Km, ou invés dos 80 que separam as duas cidades alentejanas? A transferência dos doentes será por helicóptero ou por ambulância?
É que, nesta última hipótese, os quase 40 km de Beja até ao acesso à autoestrada, na rotunda da Malhada Velha, nas duas degradadas estradas nacionais (eufemisticamente designadas por IP8), podem ser um autêntico martírio para quem estiver a ser transferido, por muito que os profissionais envolvidos façam o seu melhor.
Por outro lado, 40 km é um pouco mais de metade da distância entre Beja e Évora, num razoável IP2.
Sinceramente: alguém consegue explicar esta opção, tomada a partir do Porto?
Foto : Ricardo Zambujo, daqui : https://www.ulsba.min-saude.pt/2020/10/25 .


Notas soltas - 11.
" Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se o imenso Portugal… "
Pena que não tenha conseguido captar toda a canção e que a qualidade da imagem e do som não seja a melhor.
Fica um pequeno registo da (boa) surpresa, ao passear no Jardim Público, numa tarde que estava a arrefecer, e está a passar, nas colunas instaladas no coreto, o Fado Tropical do grande Chico (com a declamação do Ruy Guerra) - na Antena 1.
Música composta em 1973, era um libelo contra as ditaduras que oprimiam os dois povos - português e brasileiro - nessa altura e às quais não queremos voltar.
Para ouvir na totalidade esta linda e simbólica canção:




Notas soltas - 10.
Colaborador? Não, obrigado.
Os trabalhadores da Autoeuropa são, aquilo que se designa por desmancha-prazeres. A empresa, tão fofinha, colocou na entrada uma placa onde pode ler “Colaboradores” mas eles, certamente só para contrariar, insistem em manter uma Comissão de… Trabalhadores.
Até para referir o mesmo acontecimento, as designações diferem :
"Os colaboradores da Volkswagen Autoeuropa aprovaram hoje o acordo laboral para o período de 01 de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2020” - nota de imprensa da Administração.
"Estou muito satisfeito pela participação dos trabalhadores no referendo, a maior de sempre (82,6%), e pela aprovação do acordo por 72,8% dos trabalhadores” - declaração do Coordenador da Comissão de Trabalhadores. (Excertos de notícia da LUSA, 9 Nov. 2018).
Cá para mim, esta "teimosia" da CT deve ter sido alguma recomendação vinda do Reino Unido, mais concretamente do partido Labour, que já estava a temer a tradução portuguesa: “Partido Colaboracionista”. Ou, então, o fantasma de Arnaldo Matos, a imaginar o que seria o PCCP, Partido Comunista dos Colaboracionistas Portugueses”. E que dizer das putativas designações das organizações laborais : CGCP, Confederação Geral dos Colaboracionistas Portugueses e UGC – União Geral dos Colaboracionistas?
Já para não falar (exagero dos exageros) de colaboradores a substituir os proletários, na história do movimento operário do século XIX. Karl Marx até perdia a barba, se um dia lesse "Colaboradores de todos os países, UNI-VOS". E, um dia, este mesmo slogan na capa do AVANTE, o escândalo que seria?
De resto, nos anos 60 do século passado, via-se nos rostos dos "colaboradores" mineiros de São Domingos a sua satisfação, não só pelas excelentes condições de trabalho, mas também pela decisão dos seus patrões ingleses de abdicarem de uma grande parte dos seus dividendos, para os distribuir por eles, como recompensa pela sua "colaboração".
Indo um pouca mais atrás na História, destaca-se a visão futurista do Dr. António de Santa Comba, ao proclamar, na linha do seu amigo Mussolini (que ele admirava tanto, ao ponto de ter uma fotografia do Duce na sua secretária), o fim da luta de classes e a implantação do estado corporativo, sem greves e com sindicatos de direções nomeadas, para uma mais eficaz colaboração com os grémios patronais.
Como escrevia o oficioso Diário da Manhã, no dia 23 de maio de 1942, "... é indispensável que todos compreendam que sem esse espírito de colaboração não há ação corporativa que valha..." (in Os últimos do Estado Novo, de José Pedro Castanheira, setembro de 2023, pág. 264).
Perante esta moderna nomenclatura no mundo laboral, tão do agrado de modernos gestores, que adoram também os anglicismos, só me resta uma escolha : Colaborador? Não, obrigado!



Notas soltas - 9.
Modas: rádios e telemóveis.
“Alguém conhece estas jovens?”
Esta foi a questão colocada há dias, na página do grupo Amigos de Santa Vitória , pela Maria Serra.
Depois de algumas tentativas menos conseguidas, a Maria identifica as cinco jovens, quatro delas suas cunhadas.
Com base nesta identificação e depois de as ter reconhecido, o João Costa avança com uma data e um local : “Eram novinhas, talvez 1957 (…) A sinalização conheço. Essa placa estava na passagem de linha nos pocinhos [linha férrea Beja-Funcheira]”.
A Dora pergunta: “O que elas têm nas mãos, são malas?”
Responde a Maria: “Não são. Rádios, era moda nesse tempo, era a novidade, andava tudo de rádios na mão, quem os tinha.”
Completa o João: “Naquele tempo era moda andar com a rádio na mão. Agora é telemóveis”.

(Da esquerda para a direita: Rosinda, Maria Alice, Mariana, Gertrudes e Irene. Só a Maria Alice não era cunhada da Maria).

Notas soltas - 8.
A cantiga é uma arma / Mundo da Canção.
https://www.youtube.com/watch?v=McRqaiBmIT4 - Adriano Correia de Oliveira - "Trova do vento que passa". (a)
A última edição da revista VISÃOHistória é dedicado à chamada "música de intervenção". Uma edição muito bem elaborada, assim apresentada na sua página do FB: "O novo número da VISÃO História tem os olhos postos nos 50 anos do 25 de Abril, que se comemoram em 2024. Dedicamos esta edição ao papel relevante que os músicos tiveram na consciencialização da opinião pública sobre o que se passava à sua volta..."
Na página 51, é recordado o papel da revista Mundo da Canção, o que me fez voltar à publicação que fiz aqui, há quase 4 anos ( no dia 16 de dezembro de 2019 ):
" Em 1971 (aos 13 anos) os meus dois maiores ídolos da música já tinham partido. Muito cedo, por sinal. Quase no mesmo mês, no ano anterior, Jimi Hendrix e Janis Joplin, ambos com 27 anos, terminavam, assim, uma curta mas intensa carreira, que tivera um ponto alto em Woodstock, em 1969.
Foi em Junho desse ano que comprei, pela primeira vez ( na casa Tó Péqui, do senhor Barrocas), a revista Mundo da Canção. Na capa, Elton John, que seria a grande estrela do festival de Vilar de Mouros, que teria lugar menos de dois meses depois.
Ao longo de alguns anos, sempre no mesmo local, comprei regularmente essa revista. E foi nela que descobri letras de canções de cantores que eu desconhecia e cujas fotografias corajosamente o seu editor iria colocar na capa.
Devo ao Mundo da Canção o conhecimento de um mundo novo, que ia muito para além do que até então conhecia: que havia canções proscritas e os seus autores presos e/ou exilados. Que havia uma música que fazia intervenção. Pela Liberdade. Pela Justiça Social. Pela Cultura.
Mais tarde, já depois da liberdade reconquistada, o Sérgio Godinho cantava o que faltava, para haver "liberdade a sério": a paz, o pão, habitação, saúde, educação, tão atuais ainda, quase 50 anos depois.
Foi no dia 16 de Dezembro de 1969 que foi publicado o nº 1 do MC (com Francisco Fanhais na capa). Ao seu criador e mentor. Avelino Tavares , o meu obrigado e o reconhecimento pelo excelente trabalho realizado ao longo destes 50 anos.
Para conhecer melhor :
(a) " Sabia que Trova do Vento que Passa, a conhecida canção de Adriano Correia de Oliveira, foi escrita por Manuel Alegre depois de ter sido perseguido por pides em Coimbra nos tempos de estudante? Eis uma das histórias que lhe contamos no mais recente número da VISÃO História, dedicado à canção de protesto antes e depois do 25 de Abril. "
Notas Soltas - 7.
António Costa e Beja.
Podia fazer humor sobre a demissão de António Costa, como muitos fazem nas redes sociais, uns sem graça nenhuma, outros com piadas de mau gosto.
Podia comentar essa demissão, mas as televisões, as rádios, os jornais, os "amadores" das redes encarregam-se dessa tarefa.
Podia, mas deixo as piadas e os comentários para outros.
Deixo, apenas, o título e refrão de uma canção de Sérgio Godinho : " É a vida (o que é que se há-de fazer?) "
Vou focar-me num aspeto que, nos últimos 6/7 anos me tem, intrigado: António Costa tem (ou tinha) alguma aversão a Beja, cidade e concelho?
Porquê esta interrogação?
Pela simples constatação de um facto : em oito anos como primeiro -ministro, apenas por duas vezes se deslocou a Beja nessa qualidade, por sinal em visita à OVIBEJA, em 2016 e 2017. Daí para cá, veio para a Cimeira dos “Amigos da Coesão”, que se realizou na Pousada de São Francisco, no dia 1 de fevereiro de 2020 e como secretário-geral do PS em eventos partidários.
E foi precisamente nesta qualidade que esteve num comício, no Jardim de Bacalhau, por ocasião das eleições legislativas de 2019.
De acordo com o título da Rádio Voz da Planície, "António Costa garantiu ontem, num comício que decorreu no largo do Museu em Beja, que relativamente a esta região “vamos fazer o que ainda não foi feito”. ( https://www.vozdaplanicie.pt/ , 16/09/2019).
O problema é que, daí para cá, a conclusão do IC27 não saíu da gaveta, onde passou a ter a companhia da A26 e, no que à ligação ferroviária direta a Lisboa diz respeito, aguardamos estoicamente, como fazemos desde 2010. Ou seja, pouco ou nada foi feito.
Para além de qualquer razão que desconheço há, no entanto, uma outra que tem contribuído para esse ostracismo a que António Costa votou Beja: a pouca importância política que os órgãos e os dirigentes locais e regionais, de Beja-Concelho e Beja-Distrito têm no PS, contrastando com a dupla eborense imbatível Capoulas-Zorrinho, nas várias funções que têm desempenhado, ministro, sec. estado, deputado nacional, deputado europeu.
Repetindo o grande Sérgio : "É a vida" !




Notas Soltas - 6.
Bafejado pela sorte…
… ou talvez pela vontade de alguém que ousou desafiar a inércia de há décadas. Parabéns, pois, a quem tomou a iniciativa de dignificar a imagem do maior edifício da cidade, destinado a ser o Colégio dos Jesuítas, mas que nunca chegou a desempenhar essa função.
Menos sorte tem o seu “vizinho”, antes sede do Governo Civil e de outros serviços do Estado, onde hoje apenas funcionam estes. As fotos do exterior dizem tudo, parece que no interior há também situações degradantes.
Em frente deste, outro edifício, este municipal, também parece estar ao abandono. A Casa do Lago e o muro contíguo bem mereciam outra sorte (ou vontade política). No caso do muro, o contraste com a parte que pertence à Pousada de São Francisco, pintada há já algum tempo, é bem visível. E nem o parquímetro aí situado escapou ao desleixo, instalado no lugar do anterior, sem a parede posterior estar devidamente reparada.
Um pouco mais acima, outro símbolo do descaso, o edifício do Banco de Portugal, também ele entregue à sua (má) sorte.
Um pouco mais acima, outro edifício municipal, onde esteve instalado o Museu Jorge Vieira, a precisar também de uma intervenção, que lhe dê um aspeto um pouco melhor.
Voltando ao edifício do antigo Governo Civil, não tem sido por falta de chamadas de atenção que a sua degradação exterior continua. Transcrevo excertos de intervenções que fiz, no período reservado ao público das assembleias municipais de junho de 2022 e 2023. Nesta última também chamei a atenção para a situação da Casa do Lago e do muro atrás referido.
“O senhor José Filipe Murteira (…) o edifício público onde nos encontramos é uma vergonha para a cidade e para o concelho de Beja (…) devia de haver uma intervenção forte, quer da Câmara, quer da Assembleia Municipal, no sentido de sensibilizar o Governo (…) e para que digam muito assertivamente que não aceitam na cidade de Beja um edifício nestas condições.”
Ata da Assembleia Municipal de 21 de junho de 2022
“O senhor José Filipe Murteira (…) relativamente a uma questão que foi colocada há uma ano (…) se a Assembleia ou a Câmara Municipal fizeram alguma coisa para sensibilizar o Governo para intervir neste edifício porque, daquilo que viu, está hoje como estava há uma ano ou ainda pior (…) o muro que fica a 50 metros daqui está por pintar, a Casa do Lago também (…) o parquímetro (…) ninguém teve a preocupação de reparar a parede que está por trás do mesmo (…) custa-lhe, como cidadão de Beja, passar ali e ver a parede toda esventrada, ou ver aquele muro, ou ver a Casa do Lago naquelas condições, porque dá a sensação de que não são de ninguém.”
Ata da Assembleia Municipal de 27 de junho de 2023





5. Oportunidade(s) perdida(a).
Há um ano escrevi nesta plataforma o seguinte:
“ (…) Saíram hoje os resultados do primeiro concurso de apoio à programação dos teatros e cineteatros : www.dgartes.gov.pt/pt/noticia/5254 .
39 projetos apoiados, 18 não apoiados. Entre estes últimos, o Pax Julia, cuja candidatura obteve uma das mais baixas pontuações finais (35,10%). Apenas 3 das 57 candidaturas obtiveram pontuações mais baixas. A pontuação mínima para um projeto ser apoiado era 60%.
Se lamento este resultado? Claro que lamento.
Se fiquei surpreendido? Não e sim.
Não, nas pontuações atribuídas à programação e à viabilidade da candidatura (7, num máximo de 20) e aos objetivos (6,2).
Sim, na pontuação atribuída à entidade e equipa (8,2).
Não, no resultado final.
Se aprovado, o Município de Beja receberia cem mil euros por ano, durante quatro anos, para a programação do Pax Julia (…) “
Entretanto, a DGArtes voltou a abrir novo concurso, cujo prazo terminou no dia 17, 3ª feira. Para espanto meu, quando esperava que a câmara municipal voltasse a concorrer, corrigindo as falhas do anterior, eis que o seu presidente anuncia que a autarquia não o vai fazer.
Decidi, então, expressar o meu lamento e a minha discordância por esta decisão, na reunião do executivo municipal na passada 4ª feira dia 18 (no vídeo, entre os períodos 2.02.08 e 2.11.26). Desta intervenção e da resposta do presidente, cada um que tire as suas conclusões. Sobre o mesmo tema, interveio a seguir o António Revez, da companhia Lendias d’Encantar. Como não assisti à primeira hora da reunião, só mais tarde pude ouvir também sobre o assunto os vereadores Vítor Picado (que colocara a questão na reunião anterior, no dia 4) e Nuno Palma Ferro.
Não me querendo alongar sobre o tema, destaco apenas uma constante nas intervenções do presidente Paulo Arsénio: a minimização destes concursos, subvalorizando a importância do eventual financiamento do Estado na programação do Pax Julia. Obviamente que discordo totalmente desta opinião e considero que, tal como no primeiro concurso, trata-se de mais uma oportunidade perdida, o que não aconteceu, logo na primeira fase para os seguintes teatros (e refiro apenas os do Sul do país, por uma razão que não quero aqui e agora indicar):
- Garcia de Resende (Évora), Figuras (Faro) e Louletano – 200 mil euros (o máximo);
- CAEP (Portalegre), Luísa Todi (Setúbal) e Joaquim Benite (Almada) – 150 mil;
- Augusto Cabrita (Barreiro) – 100 mil;
- São João (Palmela) e Lethes (Faro) – 50 mil.
Valores anuais, para o quadriénio 2022/2025.

4. O gangue do Palma em Beja. / O Jorge e o Vicente na Salvada.
Num tempo em que a Casa da Cultura fazia jus ao seu nome e as suas portas estavam abertas às mais variadas atividades, numa pluralidade saudável.
Foi precisamente nesse tempo e no âmbito da programação regular do Pelouro da Juventude, que o Palma's Gang se apresentou no palco da Casa da Cultura, ainda com o saudoso Zé Pedro.
Após uma primeira parte em que o "gangue" atuou em conjunto, "il capo" Jorge despediu-os e, sózinho ao piano (com uma garrafinha no chão, junto a si), arrancou para uma atuação arrebatadora, como só ele seria capaz, após quase uma hora de espetáculo. Uma energia e um virtuosismo que deixaram de rastos aquelas centenas de apreciadores de boa música que se tinham deslocado à Casa da Cultura.
Alguns anos depois, Jorge Palma, desta vez acompanhado pelo filho Vicente (também ele um virtuoso) veio atuar na Semana Cultural da Salvada (um dos mais antigos e consistentes eventos de descentralização cultural).
Depois de descerem as escadas de acesso ao palco, vindos do camarim, instalado no 1º andar do edifício da junta de freguesia, iniciam o espetáculo. Passado algum tempo, Jorge Palma indignou-se com uma “boca” de um espetador mais atrevido e, se numa primeira fase parecia querer descer do palco para se dirigir a ele, conteve-se e, perante o espanto de todos (incluindo Vicente), abandona o palco e sobe as escadas, de regresso ao camarim.
Passado esse espanto inicial, o povo começa então a gritar, rostos virados para cima: “Jorge-Jorge-Jorge”. E não é que resultou? O músico “desaparecido” aparece na varanda do edifício, levanta os braços, qual herói popular, gozando esse momento de êxtase mútuo, artista/espetadores.
Volta a descer as escadas e, como agradecimento a tão espontânea e verdadeira atitude dos presentes, reinicia o espetáculo, com a energia e a qualidade que já víramos na Casa da Cultura, desta vez acompanhado pelo seu filho, a quem se pode aplicar, sem quaisquer dúvidas, a expressão “filho de peixe sabe nadar”.




3. EUSKADI.
A "nota solta 2", de 30 de setembro, ocorreu-me depois de ter visto esta foto, tirada num bar de Legazpi (província de Gipuskoa, Euskadi/País Basco), publicada na El País, no passado dia 20 de agosto, com esta sugestiva legenda : "Os habitantes da localidade observam com indiferença o momento em que a sua conterrânea ganha a Taça do Mundo".
Quem era esta "conterrânea"? Nada mais, nada menos que Irene Paredes, jogadora de futebol do Barcelona e capitã da seleção de Espanha.
Legazpi é uma cidade relativamente pequena (cerca de 9 mil habitantes) onde, nas eleições de 2023 - autárquicas e legislativas - os dois partidos mais votados foram o EH Bildu e o EAJ-PNV, os partidos nacionalistas, que obtiveram 72% e 60% de cada uma dessas eleições.
Daí que, como escreve o jornalista, entre os presentes na "... taberna Oilarra (...) el entusiamo no es su fuerte." Mesmo sendo sua conterrânea, uma das melhores futebolistas da atualidade estava, afinal, a representar a seleção de Espanha, que eles não consideram como sua.
Fosse numa localidade, mais pequena ou maior, da Andaluzia, por exemplo, e já estamos a adivinhar a festa, com desfile pelas ruas e receção no Ayuntamiento, com condecoração municipal.
Mas, tal como a língua, também a bandeira, proibida igualmente no franquismo, é a sua, a basca, e não a espanhola. A este propósito partilho a publicação do meu colega de faculdade e de profissão António Alfarrobinha, na página que administra, que é uma verdadeira enciclopédia do chamado desporto rei.
“Antes de um jogo entre a Real Sociedad e o Athletic de Bilbao em 5 de Dezembro de 1976, no Atocha, os jogadores das duas equipas combinaram entrar em campo transportando a Ikurriña, a bandeira basca. O generalíssimo Franco tinha morrido no ano anterior, vivia-se o período do governo de transição democrática presidido por Arias Navarro, mas a bandeira basca continuava proibida por lei. Por essa razão, esse gesto teve um extraordinário significado político e social.“

 


 

2. PARIS / GASTEIZ.

Em dezembro de 1980 participei, através do FAOJ, num programa do governo francês, dedicado a jovens estrangeiros, designado Connaissance de la France. Era um programa temático - entre outros, havia um sobre o vinho e a vinha, em Bordéus - e a única condição era compreender e falar a língua francesa. Paguei a viagem, no lendário Sud-Express, sendo a estadia em Paris - duas semanas com alojamento e alimentação - paga pela organização.
Durante esse tempo assisti a diversas peças, nos muitos teatros da cidade, dos mais modestos (Theatre du Soleil), aos mais sumptuosos ( Theatre de la Ville ou Chaillot, este onde jantámos, antes do espetáculo). Tive o privilégio de ver o trabalho de encenadores, como Augusto Boal, Peter Brook e Dario Fo, este último a interpretar a sua "História do Tigre e outras histórias", que mais tarde veria na versão portuguesa de Filipe Crawford. Destaco, igualmente, Le conte d'hiver, de Shakespeare, trabalho com quase 30 atores em palco, no magnífico palco da Place du Châtelet.
Além dos espetáculos, tínhamos, no dia seguinte, encontros com encenadores, artistas ou técnicos, com uma particularidade: no final , vi alguns deles receberem cheques pela sua sua participação, algo que em Portugal, em 1980, seria considerado algo excêntrico.
O grupo era formado por franceses (10 ou 12), escolhidos de entre dezenas de candidatos e por sete estrangeiros. Eu era o único português, havia depois um rapaz e uma rapariga da Grécia, idem da Holanda e duas raparigas de Espanha. Sobre estas, algo chamou a atenção dos presentes, aquando da apresentação de cada um ao grupo: uma delas identificou-se como espanhola, vinda de Burgos; a outra, ainda que falando também em castelhano, disse que vinha de Gasteiz [Vitoria], cidade de Euskadi [País Basco].
Mais tarde, numa conversa mais restrita, confessaria que o seu grande desgosto era não falar o o euskara [a língua basca, única da Península Ibérica que não possui raiz latina], proibido durante a ditadura franquista, que ouvia a um dos seus avôs, quando era criança.




1.

Estava na caixa de correio hoje de manhã. Teve, por isso uma profusa distribuição.
Trata-se, no entanto, de uma publicação semi-apócrifa. Ainda que atribuída à Câmara Municipal de Beja, a "Programação em Destaque" diz respeito apenas a três equipamentos culturais (por sinal todos integrados na Divisão de Cultura). Faltam, por exemplo, atividades da Divisão de Turismo e Património, como as realizadas pela Bedeteca ou no Centro de Arqueologia e Artes (no site da CMB designado por "Arqueologia de Artes"), como é o caso da exposição dedicada a Mariana Alcoforado, inaugurada no passado dia 16,
Alguns aspetos se destacam nesta publicação :
- insistir na realização de espetáculos musicais no Centro Unesco, "vizinho" do Pax Julia, onde há vários espaços vocacionados para esse fim (Monks na Meia Praia / Fernando Barroso);
- divulgar espetáculos de forma incompleta - "Beja dá-te palco", com que artista/grupo?;
- divulgar eventos de forma redutora - "Festival das Marias", de 17 a 21 (quando terá lugar, em Beja, de 4 a 28).
Para além deste amadorismo confrangedor, registo para este pormenor (ou pormaior?): "Dia 21 ... momento músical (sic) com ..."
E, se há responsabilidades políticas (que, obviamente, não me cabe questionar), há uma questão que fica no ar : qual o papel da Chefe de Divisão de Cultura (tão bem cotada aquando da realização dos "famosos" concursos), na elaboração deste documento (uma vez que é exclusivo dessa estrutura orgânica da CMB)?
26 de setembro de 2023