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sexta-feira, 23 de março de 2018

A propósito da descentralização : concursos regionais para apoio à Cultura.


 "Defilló", pela Compañía Nacional de Danza Contemporánea del Ministerio de Cultura
FITA 2018 - Pax Julia Teatro Municipal, 13 março 2018 

Agora que a o tema descentralização está na ordem do dia (e não regionalização, como a Constituição indica), recordo uma experiência que, embora efémera, considero ter sido muito positiva e que, no quadro do que agora se anuncia, bem podia ser recuperada.
Falo da única vez em que os concursos para a atribuição de subsídios às estruturas profissionais na área da Cultura, nomeadamente do Teatro e da Dança, tiveram júris regionais e não nacionais, como até aí acontecia e voltou a acontecer, até ao presente. Foi no ano de 2004 e esses concursos visavam os apoios anuais, bianuais e quadrianuais, para 2005 e anos seguintes.
A propósito, e antes de mais, considero que os apoios financeiros à criação, formação e/ou programação por parte dessas estruturas deve fazer parte dos orçamentos, quer dos governos nacionais, quer dos locais, já que é com o seu trabalho que a diversidade cultural existe para além do entretenimento que monopoliza grande parte das programações, não só das televisões e, porque não dizê-lo, também de muitas autarquias. É pois, é minha opinião, abusiva, a designação de “subsidiodependentes” com que, muitas vezes se deprecia o trabalho dessas estruturas, esquecendo-se o seu trabalho no desenvolvimento cultural do País.
Voltando ao tema, em 2004 foram constituídos júris no âmbito das direções regionais da cultura que integravam, além do titular destas, representantes do IPAE (Instituto Português das Artes do Espectáculo), das universidades e das autarquias (caso o entendessem) em que as estruturas trabalhavam. O governo definia o número de companhias a apoiar, por setor, e a respetiva verba a atribuir.
O Município de Beja foi indicado para participar nesses júris por indicação de uma companhia de teatro local e de uma companhia de dança de Évora que mantinha no concelho uma atividade regular. Por delegação de Carreira Marques, então Presidente da Câmara, participei, assim, nos respetivos júris de apreciação.
No dia marcado para o efeito, presidentes de câmara ou vereadores de vários concelhos (Sines, Portalegre, Serpa, entre outros – Évora, estranhamente, não esteve presente), participaram nesse processo, integrando júris em participavam a Diretora Regional da Cultura, dois professores da Universidade de Évora e os indicados pelo IPAE (Gil Mendo, Luísa Taveira e João Ludovice, para as áreas do Teatro, da Dança e da Música, respetivamente).
Na maior parte dos casos, os representantes autárquicos estiveram pouco tempo (dez, quinze minutos) reunidos com os restantes membros do júri, aprovando as propostas apresentadas para as companhias sedeadas nos seus concelhos. No caso de Beja, a reunião demorou cerca de duas horas (para desespero do vereador de Serpa, que foi o último a participar). Se, em relação à CDC de Évora, a decisão foi rápida (até porque era a única estrutura da dança a candidatar-se a apoios), já no caso da Arte Pública a decisão foi demorada, tendo mesmo sido alterada a proposta inicial do relator.
Essa demora teve a ver sobretudo com os esclarecimentos prestados pelo representante da CM de Beja (baseados num dossier que coligia o trabalho dessa estrutura ao longo dos anos) aos restantes membros do júri, cujo conhecimento se baseava sobretudo da candidatura apresentada (que, por sinal, tinha algumas lacunas e debilidades).
No final dessa longa reunião, a proposta inicial foi alterada e, para além do apoio passar a ser bianual e não anual (o plano da candidatura era apenas para um ano), foi reforçado em dez mil euros, passando de noventa para cem mil/ano (2005 e 2006).
Para além desta situação, que revela a importância da participação das autarquias nos júris, enquanto parceiros das estruturas, cujo trabalho conhecem melhor do que um qualquer júri nacional que aprecia propostas no papel, a “regionalização” deste processo teve ainda outras virtudes. Por um lado, a possibilidade de reforçar o número de estruturas do Teatro a apoiar, passando de seis para sete, num montante de quase um milhão de euros e, por outro, a rapidez com que o mesmo decorreu (sendo mesmo a primeira região a concluí-lo), o fez com que as companhias apoiadas mais depressa conhecessem as verbas que iriam receber, para que pudessem iniciar ou continuar o seu trabalho sem sobressaltos.
Parecendo pouco, contrasta com o que ainda hoje acontece, com os júris nacionais, as indefinições e os atrasos que persistem, como há poucos dias se lamentava Jorge Silva Melo, dos Artistas Unidos, em declarações ao jornal Público.
Infelizmente, como escrevia no início, esta experiência dos júris regionais foi efémera, já que em 2006 voltaram os júris nacionais (em 2005 não houve concursos). Curiosa foi a justificação do então Secretário de Estado da Cultura para essa alteração : "Celeridade e menos burocracia" e "… a garantia acrescida de que as avaliações serão devidamente fundamentadas”. Para além de não ter sido devidamente avaliada a experiência, os resultados mostram que, como acontecia antes de 2004 e voltou a acontecer depois de 2006, tais premissas não se confirmaram.
Razões mais que suficientes para que, no quadro da descentralização agora tão apregoada, se equacione a possibilidade de que sejam retomados os júris regionais, no formato de 2004 ou noutro qualquer que se entenda melhor, caso, obviamente, os municípios entendam pertinente a sua participação e o governo assim o entenda.
           23 março 2018





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