Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O ESTADO DO PATRIMÓNIO (a propósito da assinatura do contrato de financiamento para a construção do Centro de Arqueologia e Artes - 17 de abril - e do Dia Internacional de Monumentos e Sítios - 18 de abril).

Relativamente ao primeiro acontecimento, registe-se como positivo o facto de ir ser recuperado um edifício da Praça da República, o que diminui o número de prédios degradados nesse espaço nobre da cidade. Também deve ser realçado o destino dado a esse espaço, a arqueologia e as artes, ou seja, a Cultura, embora não se conheça em concreto qual o programa para áreas significativas a recuperar e a construir. Por outro lado, aguardemos que esse projecto seja complementado com os necessários trabalhos arqueológicos da zona envolvente e, já agora, que se resolva de uma vez por todas a novela "depósito da água". Só assim se justificarão os mais de dois milhões de euros que irão ser investidos na obra referida.
Quanto às iniciativas destinadas a comemorar os "monumentos e sítios", efeméride instituída pela ICOMOS Internacional, organização que fez 50 anos precisamente ontem, dia 18, focaram-se na região de Santa Vitória, através de uma conferência e de uma caminhada, ambas sobre a temática da Idade do Bronze, e de uma pequena exposição sobre as "Arqueologia das Cidades de Beja", com base nos trabalhos realizados junto ao local onde será construído o Centro de Arqueologia e Artes.
Iniciativas simples, mas meritórias, que procuraram, cada uma à sua maneira, realçar a importância da preservação e da divulgação do património.

No entanto, estas mesmas iniciativas deixam no ar duas questões: será que o novo e moderno equipamento (que, no anterior executivo municipal chegou a ser apresentado como um projecto tão avançado que até mereceu o interesse de técnicos da NASA -  http://www.vozdaplanicie.pt/index.php?go=arquivo&id=16488 )  irá coexistir com outros edifícios históricos que estão votados ao quase abandono há vários anos? E, se no passado dia 18, turistas (ou bejenses) quisessem visitar alguns desses edifícios, dos espaços mais emblemáticos da nossa cidade, o que iriam encontrar?
Façamos, então, essa visita.

1. Castelo.
Depois de alguns anos com o acesso ao cimo da torre interditado, eis que, no momento em que se realizavam obras no sentido de alterar essa situação e em que uma nova iluminação é inaugurada, uma parte do varandim cai, provocando ainda alguns danos na muralha e no piso térreo. E logo se levanta um coro de protestos e uma indignação sem limites, como se o ex-libris da cidade estivesse em risco de desmoronar logo a seguir. 
É claro que se tratou de uma situação lamentável, mas que, num monumento com setecentos anos pode perfeitamente acontecer. Basta observar a foto do Arquivo Fotográfico de Beja, em baixo, para ver como estava a torre de menagem há algumas décadas ( recuperada, juntamente com as muralhas e a alcáçova a partir da década de 30 no século passado). 
Isto não invalida que se coloquem algumas questões. Por exemplo, se num artigo do Público, é referido que "Elementos metálicos 'que terão sido introduzidos ou na construção ou em restauros antigos' do balcão saliente que contorna a torre de menagem do castelo de Beja estarão na origem da derrocada parcial da estrutura..." - http://www.publico.pt/local/noticia/corrosao-de-pecas-de-ferro-tera-provocado-a-derrocada-na-torre-de-menagem-do-castelo-de-beja-1677820 -  podemos questionar a influência que poderá ter tido a realização de várias festas no local, nos últimos anos - Beja Wine Night, Festa M80, etc - cuja característica comum era a presença de DJs até altas horas da madrugada com níveis impróprios de decibéis, quer para o descanso dos moradores da zona, quer para a própria torre.
Esta moda recente tem muito a ver com um conceito de "animação" dos centros históricos muito em voga, que confunde frequentemente cultura com entretenimento, onde vale tudo, desde essas festas até às reconstituições históricas - romanas, medievais, renascentistas, republicanas - como se essa amálgama de eventos seja o "ovo de Colombo" para o tão apregoado turismo cultural.
Ao mesmo tempo tomam-se decisões no mínimo discutíveis, como foi o de transformar o posto de turismo em cafetaria, transformando o que podia ser um local digno e com condições para receber os visitantes e ponto de partida para o conhecimento da cidade e da região, em mais um (desnecessário) espaço, igual a tantos outros espalhados por locais bem mais apetecíveis  (Piscina Municipal, Parque da Cidade, etc). Enquanto isso, o acolhimento de turistas é confinado a um acanhado e pouco acolhedor local, que não é bom, nem para os visitantes, nem para quem os recebe.
Esperemos, então, que resolvam os problemas de financiamento e que não demore muito a reconstrução da torre e a fruição de tão rico emblema do nosso património, e que se evitem outro tipo de "atentados" como os atrás referidos.




2. Museu.
Sobre o antigo Convento da Conceição - edifício - e Museu Regional - instituição - pouco mais há a dizer, para além do que tem sido escrito e discutido ao longo dos últimos anos. Beja, a sua história, o seu património e a sua cultura, não merecem o abandono a que tem sido votado esse espaço e quem lá trabalha. Basta atentar nas duas imagens em baixo, uma de 2012 e outra de há poucos dias, para se comprovar essa negligência por parte de quem devia zelar pelo bem público.
Para que se entenda melhor toda esta novela, deixo aqui três artigos publicados na imprensa local :
23 jan 2015 : http://da.ambaal.pt/noticias/?id=7096
17 abr 2014 : http://da.ambaal.pt/noticias/?id=5370
17 fev 2012 : http://www.correioalentejo.com/?opiniao=1017&page_id=56 .
Fica, então, mais uma vez, a pergunta : para quando a resolução definitiva deste problema, que traga a paz aos trabalhadores e que permita o usufruto pleno de tão belo monumento e das colecções que contém?
  
      

3. Igreja da Misericórdia.
Tal como em relação ao museu, as imagens da Igreja da Misericórdia, tiradas ontem, dizem tudo, valendo mais do que muitas palavras. O desleixo é mais que evidente, tornando-a em mais um mau postal turístico e patrimonial da cidade. Nada que tenha a ver com Loggia del Mercato Nuovo, de Florença, igualmente da segunda metade do século XVI, na qual a "loggia" bejense se terá inspirado e que, não obstante alojar um mercado diário, a forma é conservada impede que tenha os problemas que o edifício bejense tem.
Por outro lado, há também questões que não podem deixar de ser colocadas. Porque não encontrar um outro local para alojar a ARABE (uma Loja do Artesão), onde possam ser expostos e vendidos os trabalhos dos nossos artífices (provavelmente em melhores condições), de modo a proporcionar aos visitantes uma melhor visibilidade desse património? E para quando o fim do lançamento de fogo de artifício a partir do telhado que, tal como em relação ao som muito alto no castelo, poderá provocar danos no interior do edifício?

   
   
                                                            Loggia del Mercato Nuovo, Florença

4. Pisões.
Relativamente a Pisões, não dispondo de imagens recentes, fica o testemunho de alguns dos muitos "visitantes/praticantes" de geocaching, já que nesse local se encontra uma "cache":
em 2013 -Pena as ruínas estarem fechadas "temporáriamente" ;
em 2014 - "Chegado ao local fiquei super admirado: aquilo são ruinas? nããã aquilo são templos Maias cobertos com vegetação porque ainda n foram descobertos lol. Cum camano. Ninguém se importa com aquele espaço??? fica a critica.";
em 2015 (janeiro) - "Encontrada em equipa com o meu mugle depois da visita às ruínas romanas de Pisões. A cache está em péssimas condições e o logbook está encharcado... Adorei as ruínas, mas lamento o estado de abandono em que se encontrada, à mercê da chuva e do sol que aos poucos vão destruindo as heranças deixadas há séculos atrás pelos nossos antepassados. A Sr. Conceição foi uma querida por nos ter feito a visita guiada pelo espaço, uma vez que este se encontra fechado..."
Esclarecedoras, sem dúvida, estas (e outras, não reproduzidas) afirmações, sobre o estado em que se encontra outra das "jóias da coroa" do nosso património. Passam os anos, mudam os protagonistas, mas o estado de Pisões não muda, ou melhor, se muda é para pior : encerrado, sem estrada de acesso em condições, sem condições de acolhimento e de visita condignas.
Fica um excerto do artigo atrás citado, que publiquei em fevereiro de 2014, sobre o Museu Regional e em que fazia também um apelo para "salvar" Pisões :
"Têm a palavra, então, a Assembleia Distrital, a Câmara Municipal de Beja, a Direção Regional da Cultura do Alentejo, a Direção Geral do Património Cultural, a Secretaria de Estado da Cultura. Que se sentem à mesa e discutam esta ou outras propostas, em nome da cultura, em nome da justiça, da não discriminação de cidades ou regiões, e da solidariedade nacional [sobre o museu].
Duas notas finais. A primeira é a de que se elabore uma parceria idêntica para “salvar” Pisões, incluindo, por motivos óbvios, a EDIA no lugar da Assembleia Distrital. Para que, também nas estações arqueológicas, essa importante villa romana não continue a ser o parente pobre, ao lado de São Cucufate ou de Miróbriga, já para não falar de Conímbriga, todas elas sob a tutela do poder central."

  
Fotos de cm-beja.pt

Resta-nos, por fim, o consolo de que, a cada "buraco" que se abre em Beja, mais um vestígio dos nossos antepassados se encontra. Desta vez numa obra da Águas do Alentejo, junto à estrada para o Penedo Gordo, logo a seguir à rotunda. Ficam as fotos e a legenda da empresa que procede ao estudo do local.


   
"A ERA em escavações arqueológicas nos arredores de Beja. Um sítio do período romano com uma extensa ocupação e diversos momentos de construção e ocupação."  -    www.facebook.com/EraumavezaERA


Ao longo dos anos tenho partilhado estas e outras opiniões sobre o nosso património, quer na forma escrita, quer em reuniões, colóquios e debates. Pena que muitas vezes de pouco ou nada têm servido, tal como a de outras pessoas que se interessam por estes temas. É que, tal como a sabedoria do nosso povo bem descreve, "santos de casa não fazem milagres" ou, de uma forma mais assertiva, "vozes de burro não chegam ao céu", pois aí só chegam a dos "génios", autosuficientes na sua sabedoria, que nunca se enganam e raramente têm dúvidas.


   
   

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O João

Estava quente, esse fim de tarde de um dia de junho de 1976. Era um verão quente, mas não tanto como o do ano anterior. Novembro arrefecera sonhos e esfriara as paixões que inundavam as ruas e as praças do nosso país desde “aquela madrugada” que a Sophia e todos nós esperávamos, desde aquele “dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio”.
Aproximavam-se as terceiras eleições da nossa jovem democracia. Depois das constituintes, em 1975, e das legislativas, em 1976 (simbolicamente no dia 25 de Abril), seriam as presidenciais, onde eram quatro os candidatos.
Nessa tarde, em que a política (ainda) era tema de conversa entre as pessoas, no grupo que se encontrava reunido o grande dilema era em quem votar para derrotar aquele general que, naquele dia de novembro, com os seus óculos escuros, prenunciara o princípio do fim da revolução em que tão ardentemente acreditáramos: No candidato do Partido que, marcando o seu território, procurava manter o fiel eleitorado, ou naquele que simbolizava a esperança do regresso desses sonhos interrompidos? Para muitos (e não só para os mais jovens, como nós), era uma opção difícil, uma luta entre a razão (e a lealdade partidária) e o coração.
Estávamos nós nesta difícil encruzilhada, quando ele cruzou a porta do Centro de Trabalho. A sua figura imponente, a sua voz firme e decidida, fez-nos voltar a uma realidade que parecia estar tanto mais afastada quanto maiores eram as dúvidas que as conversas nos traziam.
“O que é que aqueles cartazes fazem ali no chão, em vez de estarem colados nas paredes?”, foi a pergunta que nos fez, para logo de seguida acrescentar: “Toca a pegar nos baldes, nos pincéis e na cola e todos para rua”.
E lá fomos, os que estávamos juntos nessa tarde e ele, 30 ou mais anos mais velho do que a maioria de nós, rendidos à força das suas convicções e ao exemplo da sua vida de resistente e de lutador pela liberdade e por uma sociedade mais justa, afinal, a grande e elevada causa que nos unia.
No outro dia de manhã, Santa Vitória acordou repleta de cartazes de Octávio Pato, o dobro ou o triplo dos que os apoiantes de Otelo (o capitão de Abril que para muitos ainda era o Fidel de que a nossa revolução precisava) tinham afixado.
Ele era o João, que tínhamos conhecido após o 25 de Abril e que, não obstante as diferenças de idade e do respeito e admiração que a sua biografia impunham (nomeadamente os anos passados na prisão e na clandestinidade), nos contagiava com o entusiasmo juvenil com que abraçava os ideais e as causas por que lutava. Entre muitas a que se dedicou, destacam-se a que evitou o fim do “Diário do Alentejo” ou, mais recentemente, a construção do monumento à Mulher Alentejana, concebido por Rogério Ribeiro e que se encontra no Parque da Cidade, em Beja.
Não foi por acaso que, no momento da sua morte, o jornal “Público” o designou como “… o mais carismático dos comunistas alentejanos”, tal como uns anos antes, Miguel Urbano Rodrigues, no prefácio ao seu livro Textos Alentejanos escrevera: “Duas palavras sobem-me logo na memória quando penso em João Honrado: revolucionário e alentejano. Não se pode compreender o homem, a sua vida e o seu combate sem tomar consciência de que nesse filho de Ferreira o alentejano e o revolucionário se fundem tempestuosamente, mas com harmonia”.
Em jeito de homenagem, deixamos aqui um excerto das palavras, escritas em março de 1963, aquando do seu julgamento político (reproduzidas em 1988 num artigo de Paulo Barriga, na revista “Imenso Sul”, que o blogue A Cinco Tons recordou poucos dias após a sua morte): “A cultura é contra os interesses do regime na medida em que esclarece as vastas camadas do nosso povo(…) O ódio do governo à cultura é o ódio do mentor do nazi-fascismo, Goebbels, quando afirmava: “Quando ouço falar em cultura, rapo da pistola”.
Em memória do João, um homem de cultura.
Um abraço solidário e amigo à Alice, sua companheira.
Nota - Estive no passado sábado na Biblioteca José Saramago, na homenagem ao João Honrado, organizada pelo PCP, o seu partido de sempre. Cerimónia simples, mas tocante, como ele gostaria que fosse, rodeado dos seus familiares e dos muitos camaradas e amigos que se deslocaram a esse equipamento cultural.
Há um ano, por altura da sua morte, escrevi este texto que espalha toda a admiração, o respeito e o carinho que nutria por esse grande e bom homem.

28 de março de 2014






  

terça-feira, 7 de abril de 2015

Museu regional : dialogar é preciso.

Afinal, o problema até podia já estar resolvido, pois... "Devia ter havido uma negociação e não houve. Devia ter havido uma conversa no sentido de não radicalizar posições, no sentido de haver uma sensibilização para a questão dos funcionários e também para a estratégia do museu, para que ficasse adequadamente a servir a cidade e a região."
Li há pouco estas palavras do Presidente da Câmara de Mértola, em entrevista publicada na última edição do Diário do Alentejo . Ou seja, em poucas linhas, está explicada a razão do fracasso, do impasse e da incerteza que pairam sobre o museu e os seus trabalhadores: a incapacidade de dialogar, de procurar consensos, de encontrar soluções. E não vale a pena atirar pedras pois, como já afirmei em vários locais e em várias ocasiões, nesta lamentável novela, não há "bons e maus", nem "santos e pecadores", mas apenas políticos locais e regionais que, não dialogando e não consensualizando opiniões, em vez de encontrar a solução, mais não fazem que eternizar o problema.
Afinal, fazer política não é apenas reparar uns quilómetros de estradas, fazer umas festas e feiras, construir umas estátuas ou umas rotundas, é também resolver problemas, por mais complexos que sejam e por algumas cedências que tenham de ser feitas.

Ecce Homo, pintura portuguesa, séc. XV
Núcleo de Pintura do Museu Regional de Beja

domingo, 5 de abril de 2015

Acerca da douta declaração de Sérgio Sousa Pinto.

Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS escreveu na sua página do Facebook um texto sobre a (eventual) candidatura de Sampaio da Nóvoa à Presidência da República. Sobre esse texto, uma atabalhoada mistura de “bocas” sobre militância partidária e pobreza, mujiques e mujica, venezuela e podemos e, finalmente uma confissão, “Essa [sic] não é a minha esquerda”, pouco mais há acrescentar, para além da necessidade que o seu autor tem de se “chegar à frente” e afirmar a todo o mundo que está atento e tem ideias (?????).
Se eu quisesse ir mais longe, até poderia dizer que o (sempre jovem) deputado quer é mostrar serviço ao seu novo líder, com vista às eleições do próximo outono, tal como o fez a todos os líderes anteriores do seu partido. Mas dou-lhe o benefício da dúvida e não vou tão longe. Sobre o texto, fiquemos por aqui.
Gostaria, no entanto, de partilhar dois percursos, duas vidas, ainda que com uma significativa diferença de idades. Depois, quem quiser que tire as suas conclusões.
Sérgio Sousa Pinto, segundo a sua biografia na página da Assembleia da República, fará 43 anos em julho, é licenciado em Direito e tem como profissão jurista. Foi secretário geral da Juventude Socialista entre 1994 (22 anos) e 2000; em 1995 foi eleito deputado à AR pelo círculo do Porto (ele, que nasceu e e reside em Lisboa); em 1999 (27 anos) foi eleito deputado ao Parlamento Europeu, onde fez dois mandatos, 10 anos; em 2009 e 2011 foi eleito deputado pelo círculo de Aveiro.
Como tão riquíssima e profícua atividade profissional  (largamente divulgada na comunicação social e nas redes sociais) não lhe chegava, ainda fez um sucesso mundial no programa da RTP “Corredor do Poder” e, talvez para salvaguardar o seu futuro, quando um dia deixar a política (??????) lá fez o estágio de advocacia em 2012 (42 anos).
Parece ser pouco ambicioso (ou haverá outros motivos?), já que cargos executivos (presidente de câmara ou secretário de estado) não desempenhou, limitando-se à política feita no hemiciclos e respectivos corredores (e sedes partidárias).
Resumindo, Sérgio Sousa Pinto é um exemplo para todos os portugueses, que um dia merecerá, certamente, estátuas e, quem sabe, um lugar no Panteão Nacional, graças ao seu exemplar labor de mais de 21 anos.
Pelo contrário, aquele sobre quem ele jocosamente escreveu “Não lhe basta a sublime virgindade de, em 60 anos, nunca se ter metido com partidos, de que fugiu como do tifo” (como se o “meter-se com partidos” signifique um certificado de trabalho, competência, de seriedade) tem “apenas” o seguinte percurso:
- Doutor em Ciências da Educação (Universidade de Genebra) e em História (Universidade de Paris IV);
- Professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, tendo também leccionado em universidades estrangeiras, como Genebra,Paris V, Wisconsin, Oxford, Columbia (Nova Iorque) e Brasília ;
- autor de mais de 150 publicações (livros e artigos), publicados em 12 países;
- consultor para a Educação da Casa Civil do Presidente da República, Jorge Sampaio, entre 1996 e 1999;
- reitor da Universidade de Lisboa, entre 2006 e 2013;
- reitor honorário da Universidade de Lisboa, desde fevereiro de 2014;
- organizador do Dia de Portugal em 10 de junho de 2012.
Mas que significa este currículo académico e profissional para tão importante personagem que, graças ao seu texto do Facebook, já mereceu a honra de ser citado por um dos mais brilhantes “tudólogos” (e adivinho também, LMM ? Minudências, claro, até porque na biografia do putativo candidato não consta a indispensável profissão de “facilitador de negócios”, tão em voga pelos lados de São Bento e que deve ser do agrado dos jovem turcos da nossa política.

Nota : este texto não significa qualquer adesão da minha parte a uma eventual candidatura de Sampaio da Nóvoa, apenas um desabafo perante a desfaçatez e a falta de vergonha que o texto de SSP contém.

Ainda a propósito deste tema, não resisto a citar este texto, com o título “Um nome, um rosto”, publicado ontem mesmo no blogue Notícias do Bloqueio, de Palouro das Neves :
“Numa espécie de Aleluia, começou-se a falar na candidatura do antigo Reitor da Universidade de Lisboa, Prof. Sampaio da Nóvoa, à Presidência da República.  Dizem uns, que é cedo para falar nisso; dizem outros que é um Académico, um intelectual. Alguns até torcem o nariz à dimensão cultural da sua personalidade. É certo que a burrice cria hábitos e por isso se diz que "contra a estupidez até os deuses lutam em vão!"
Ora estupidez não tem faltado para os lados de Belém. Como muitos portugueses, estou farto destes dez anos de Presidência de Cavaco, do alvará de estupidez que parece ter-se instalado na mais alta magistratura, da falta de cultura, da glorificação da jumentice.
Merecemos outro tempo!”




Ainda (e sempre) o Museu Regional de Beja.

Excerto da intervenção na Assembleia Municipal de 24 de novembro de 2014 :

“O eleito José Filipe Murteira referiu que sendo esta a última sessão da Assembleia Municipal deste ano, e consequentemente a última antes da decisão final sobre o Museu Regional de Beja considera que este deve ser defendido até às últimas consequências em todas as instâncias locais e regionais por quatro motivos: em primeiro lugar em nome dos trabalhadores que de facto têm sofrido e continuam a sofrer relativamente à sua situação, em segundo lugar em nome da preservação do edifício, património único da cidade e região, em terceiro lugar em nome da preservação e conservação das riquíssimas coleções que o museu alberga e em quarto lugar pelo valor importantíssimo a nível nacional e até internacional do mesmo, porque ao longo das várias décadas este tem sido discriminado negativamente uma vez que, se de facto se aplicasse aquilo que está previsto na Constituição da República Portuguesa, uma vez que os distritos têm vindo a ser extintos, os Governos Civis já não existem e a Assembleia Distrital está em vias de extinção, deveriam ter sido criados instrumentos e órgãos políticos regionais, onde, na sua opinião, o Museu deveria estar (…) Assim, seja qual for a solução encontrada para o caso em concreto, apelou à máxima unidade das forças políticas, sociais, culturais, educação, exigindo por parte do Estado que desempenhe o seu papel no sentido de se resolver rapidamente o assunto do Museu Regional de Beja.”


Publicação no Facebook, em 30 de dezembro de 2014 :


"Cheguei há pouco da Assembleia Distrital que discutiu o futuro do Museu Regional de Beja. Estive com alguns dos seus trabalhadores, que compunham o "público" presente (era, aliás, o único não trabalhador dos "assistentes"), numa atitude solidária para com o longo calvário de incertezas e indefinições por que têm passado. De tudo o que ouvi ao longo das mais de duas horas de reunião não quero, por agora, dizer (escrever) o que penso (talvez daqui a uns dias ou umas semanas). Mas, tal como a noite, também o que lá se ouviu, ainda que por vezes em palavras bem quentes, deixou antever um futuro frio, quase gelado, que o NOSSO Museu pode vir a ter. Espero, sinceramente, que me engane e que, de uma vez por todas, que todos aqueles que foram eleitos para assumir as suas responsabilidades, as assumam de uma vez por todas, deixando-se de meias palavras e rodriguinhos (para não usar uma palavra mais forte, que um dos intervenientes usou - hipocrisia). Porque, a não ser assim, e se "a coisa der para o torto", podem ter a certeza que a História não os absolverá."

As duas velocidades

Na edição do passado dia 31, o jornal “Expresso” publicou dois trabalhos sobre a nossa região: o primeiro, com direito à foto de primeira página e às centrais do primeiro caderno, sobre a “ex-futura autoestrada” A26; e o segundo, no caderno de economia, sobre “Alqueva recordista mundial”. Ou seja, no mesmo dia, um inesperado destaque às “duas velocidades” que marcam, nesta altura, o desenvolvimento da nossa terra.
Comecemos pelo lado positivo. Num trabalho do jornalista Vítor Andrade, complementado por uma elucidativa infografia, fala-se do “milagre” da água, que transforma os terrenos irrigados pela grande barragem do Sul, nos que apresentam uma produtividade média bem acima da verificada a nível mundial. Além deste aspeto, melão, milho, tomate, uva de mesa, entre outros, são produzidos em menos tempo, em maior quantidade e com melhor sabor, fruto da junção de um conjunto de vários fatores naturais e, claro, da abundância de água.
Está, pois, mais que justificada a razão de todos (sobretudo os alentejanos) que, ao longo de décadas se bateram pela construção da barragem, adiada no tempo por indecisões e receios de políticos que, nos governos centrais, tardaram em olhar para o Sul com a vontade política que faltava para avançar. Além da produção de energia elétrica e do turismo, este ainda a uma velocidade menor, espera-se que esta “revolução verde”, que veio mudar a paisagem dos nossos campos, traga o desenvolvimento e, sobretudo, o emprego, tão necessários, desejados e, infelizmente, adiados ao longo de décadas.
Mas, como “não há bela sem senão”, neste artigo são também apontados alguns constrangimentos, entre os quais o preço da água e a distância entre os locais de produção e os grandes centros populacionais produtores, nacionais e europeus.
É neste último aspeto que o artigo sobre o Alqueva entronca no outro, de Paulo Paixão, sobre a obra que “já levou €35 milhões”, cujas fotos ocupam dois terços das centrais do “Expresso”. Porque, neste aspeto, não concordo que “as distâncias” sejam um problema, mas sim a outra parte que falta para complementar o desenvolvimento que Alqueva trouxe: a conclusão da rede de acessibilidades que liguem o Alentejo ao mundo, quer seja por mar (Sines), pelo ar (aeroporto de Beja), por estradas ou por via férrea, que minimizem precisamente essas distâncias.
E, se no caso do porto e do aeroporto, eles aí estão para cumprirem os seus desígnios, já no que respeita às ligações por terra, a falta de vontade política, faz com que, a exemplo do que aconteceu com Alqueva, tenhamos que ver passar os anos, numa espera que esgota a paciência de quem aqui vive e trabalha. Ainda por cima, quando estamos a falar de investimentos que, comparados com outros semelhantes já efetuados ou a efetuar no nosso país, são bastante menores e não menos necessários.
Por exemplo, a eletrificação da linha Beja-Casa Branca, para a ligação ferroviária a Lisboa, atualmente efetuada em condições degradantes, mas cuja conclusão é por demais urgente, se pensarmos em termos de tempo e do conforto dos muitos que ainda resistem em utilizá-la. Os custos desta obra serão uma gota de água, comparados, por exemplo, com o anúncio, há pouco tempo, da ligação entre o porto de Aveiro e a fronteira (com passagem por Viseu), numa obra que ficará por mais de mil milhões de euros (um artigo do jornal “Sol”, no passado dia 21 de janeiro, falava em 10 milhões de euros por quilómetro).
O mesmo se aplica à conclusão da A26 (pelo menos até à ligação com a A2). No artigo do “Expresso” fala-se que irão apenas avançar os 10 quilómetros entre essa ligação e o nó de Santa Margarida, aproveitando, nomeadamente, a ponte sobre o Sado. Numa citação “sem rosto”, da EP – Estradas de Portugal, afirma-se que “não está prevista a retoma da A26, por não haver tráfego que suporte esta autoestrada”. Não sabemos se esta afirmação se baseia em algum estudo ou se é feita a partir de algum gabinete do Pragal, o que é certo é que ela não corresponde minimamente à verdade, se atentarmos na quantidade de veículos que diariamente percorrem os 50 quilómetros entre Beja e a A2. Se quisermos comparar, falemos apenas nas autoestradas fantasmas (A10 e A17, por exemplo) ou até na A13 que, não obstante ter uma importância indesmentível, na ligação norte-sul, é uma via sazonal, já que durante três quartos do ano quase não tem tráfego.
 
Hoje mesmo, no dia em que escrevo esta crónica – domingo – percorri os 80 quilómetros da A13, sem ver um único carro no sentido norte-sul e muito poucos no sentido contrário, com as duas áreas de serviço desse troço desertas, num cenário desolador. Pelo contrário, nos 50 quilómetros entre Santa Margarida e Beja, foram várias dezenas de viaturas nos dois sentidos, desmentindo, dessa forma, a tal fonte anónima da EP. Cinquenta quilómetros que, em termos financeiros, é uma “gota de água”, se compararmos, por exemplo, com a anunciada conclusão do Túnel do Marão.
Para além deste aspeto, há ainda outro que é aflorado no artigo do “Expresso” e que todos nós constatamos diariamente: o verdadeiro crime estético e ambiental que as obras inacabadas provocaram, que levam a presidente da junta a classificar Figueira de Cavaleiros como uma freguesia “mutilada”. Este verdadeiro “cenário de guerra” (comparado há algum tempo com fotos de pontes bombardeadas na Bósnia), levam a que essas obras (bem como as do IP2, em situação idêntica) tenham de ser concluídas. Nem que, mais uma vez, tenhamos que lutar (e esperar pacientemente, como aconteceu com Alqueva), e que alguém escreva num viaduto inacabado “Acabem-me, porra”, para que os nossos governantes decidam um dia, como fizeram com a barragem.
Até porque, como já se provou em outros contextos, esse abandono pode não ser o “fim da História” e o adiamento agora verificado poderá não significar a não realização das obras. Ao contrário do que algumas aves agoirentas afirmam, estas não serão um “sorvedouro de dinheiro” (expressão usada pelo Infante D. Pedro, no século XV, a propósito da conquista de Ceuta). Porque, como dizia ao “Expresso” o professor Jorge Paulino-Pereira, do Instituto Superior Técnico, “voltar para trás é pior do que ir para a frente”.
13 fevereiro 2015

Museu Regional de Beja: sensibilidade e bom senso


Não, não vou escrever sobre o livro de Jane Austen, mas sim (mais uma vez) sobre a curva apertada (mais uma) por que passam o Museu Regional de Beja (MRB) e os seus trabalhadores. Ironicamente, numa altura em que as coisas até parecem estar “bem encaminhadas” para uma solução duradoura (?).
Só que as coisas podem não correr de feição e, mais uma vez, arriscamo-nos a cair em polémicas e em estéreis acusações político-partidárias, a propósito do conteúdo das propostas apresentadas na Cimbal (e que eu conheço apenas pelo que li na comunicação social local). Mas, nesta história, em que não há “bons e maus”, nem “santos e pecadores”, se daqui a umas semanas se cair num impasse, numa luta que não terá “vencedores”, sairão vencidos os trabalhadores e o próprio MRB, enquanto referência cultural regional e nacional.
 
A este propósito, refira-se, porque é justo fazê-lo, o papel de Santiago Macias, enquanto presidente da Assembleia Distrital, no sentido de procurar ultrapassar constrangimentos e de resolver, dentro dos prazos, a situação do museu e dos funcionários da instituição a que preside.
Tal como já escrevi anteriormente, a resolução dos problemas do MRB passa por alguns pressupostos:
1. A solução ideal seria a gestão desse equipamento cultural (e de outros idênticos) por um governo regional, no quadro da regionalização do País (sempre adiada e, como agora, de vez em quando relembrada), a exemplo do que acontece aqui ao lado, em Espanha;
2. É uma ilusão e um erro pensar-se, como fazem ainda alguns responsáveis políticos, que o MRB devia ser “entregue” ao poder central, sobretudo num momento em que a política governamental vai no sentido oposto;
3. Qualquer solução para o MRB devia incluir (pelo menos numa fase transitória) o apoio financeiro estatal, numa discriminação positiva, repondo injustiças de muitos anos nesta área.
Para além destes aspetos, importa referir ainda outros. Em 2017, alguns dos atuais presidentes das 13 câmaras não poderão concorrer (nos seus concelhos) devido à limitação de mandatos, outros poderão não ser candidatos mesmo estando habilitados, outros poderão candidatar-se mas perder as eleições. Ou seja, em 2017, o quadro político-partidário regional e os protagonistas poderão ser outros. Por outro lado, das Legislativas deste ano poderá resultar uma nova maioria e um novo governo e, consequentemente, um novo quadro legal e até novas instituições e mapas, no que respeita à organização político-administrativa do território. Será que em 2017 ainda haverá comunidades intermunicipais, por exemplo?
Há ainda uma outra questão que interessa colocar. Sendo legítimas, são escassas (e efémeras) as maiorias nos órgãos da Cimbal que irão decidir o futuro do MRB: no Conselho, a CDU tem oito câmaras em cinco, na Assembleia o PS tem 17 representantes em 32. Mais uma razão para, em vez de votação, ter prevalecido a negociação, em vez de maiorias de votos, ser necessário o consenso entre as partes.
Posto isto, as ideias que irei apresentar, não sendo uma proposta formal, poderão contribuir para desbloquear uma situação que já devia estar encerrada no final de 2014 (situação idêntica com o Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal foi resolvida com a integração na Associação de Municípios dessa região, no dia 24 de outubro):
1. Entre 2015 e 2018 o MRB estaria integrado na Cimbal, assumindo os 13 municípios os mesmos compromissos financeiros que têm atualmente na Assembleia Distrital.
2. No primeiro semestre de 2018, os autarcas saídos das eleições de 2017, decidiriam sobre o futuro do MRB, sendo a primeira hipótese em cima da mesa a integração na Câmara Municipal de Beja no início de 2019, não excluindo, é claro, as duas outras hipóteses previstas na Lei nº 36/2014, de 26 de junho.
3. Caso se concretizasse a integração do MRB na autarquia bejense, os restantes municípios transfeririam para ela, em 2019 e 2020, 50 por cento dos valores pagos anualmente à Cimbal para o funcionamento do museu.
4. Entre 2015 e 2018 o município de Beja acertaria com a Cimbal, através de um plano a definir entre as duas entidades, o pagamento dos valores em atraso, relativos ao mandato 2009/2013, ficando sem efeito o processo judicial interposto pela Assembleia Distrital contra a autarquia bejense.
Estas são apenas algumas ideias, haverá certamente outras que poderão contribuir para resolver um eventual impasse anunciado, encontrando uma solução de compromisso para um problema cuja resolução não pode ser precipitada, dado que uma má decisão, no curto prazo, poderá levar a uma sofrível no médio e a uma má no longo. E, neste caso, poderá inviabilizar qualquer solução razoável para este problema cultural, social e humano, dado que, caso se verifique a última hipótese prevista na lei atrás referida – transferência da universalidade para o Estado – os trabalhadores irão para a “requalificação” (despedimento a médio prazo) definida na Lei nº 80/2013, de 28 de novembro.
Por isso, termino como comecei, sensibilidade e bom senso exige-se a todos os protagonistas nesta história. Como escrevi neste mesmo jornal em 17 de abril de 2014, também a propósito do Museu Regional de Beja: vamos a isto? 

23 janeiro 2015