Arquivo Fotográfico do Diário do Alentejo

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Confesso que vivi


Não, não vou falar do livro autobiográfico de Neruda, o poeta-mártir, morto pela doença e pelo desgosto, que partiu pouco depois de Allende, o presidente-mártir, que caíu no seu posto em La Moneda, ambos acompanhados por Jara, o cantor-mártir, torturado e assassinado no estádio. Por todos eles, heróis da minha juventude, me emocionei ao ver poucos anos após o golpe traidor, o filme Chove em Santiago ( http://www.imdb.com/title/tt0073149/ ) .
Falarei sim, dos dias, dos meses e dos anos que vivi e que abalaram o meu mundo de tal forma, que os seus sons ainda hoje ecoam na minha vida. Confesso, sim, que vivi uma revolução que me apanhou pouco depois de fazer dezasseis anos e cuja memória não quero, não devo, não ouso apagar e, muito menos, renegar.
Foram dias em que a velocidade dos acontecimentos superou a vontade dos homens, em que a vertigem da mudança ultrapassava qualquer razão. Eram os dias do PREC (processo revolucionário em curso), expressão tão amada e tão odiada, e  mais tarde deturpada, sobretudo por aqueles que a renegaram, trocando os slogans e impulsos revolucionários pelas "zonas de conforto" dos gabinetes do poder.
Ficaram os episódios, desde a primeira hora, como a prisão dos pides ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=1658 ) ou "o regresso do herói" ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=1631 ), até ao encontro com pessoas que me marcaram, como o João ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=5220 ) . Ficou o sonho da vitória próxima ( http://expresso.sapo.pt/16-de-novembro-de-1975-o-terreiro-do-paco-ao-rubro=f615564 ) rapidamente transformado no pesadelo de uma triste madrugada ( http://da.ambaal.pt/noticias/?id=1746 ).
Mas acima de tudo, ficou a vontade de transformar uma realidade que nos rodeava e que a nossa consciência começara a interiorizar : uma guerra injusta que nos devolvia amigos amputados, uma emigração que nos levava os companheiros da rua, uma sociedade desigual que não deixava colegas da escola prosseguir os seus estudos , um regime político castrador da liberdade e da criatividade.
Não éramos ambiciosos como os protagonistas do maio de 68 que exigiam o "impossível", queríamos apenas um outro amanhã, porventura aquele que era cantado em outras latitudes e que nos chegava em livros, em filmes, em canções ( https://www.youtube.com/watch?v=-Nldfb43_Q0 ). E que esteve perto, trazendo consigo a promessa da mudança para novos dias ( http://www.25deabril.lusa.sapo.pt/santa-vitoria-na-vanguarda-da-reforma-agraria-2/ ).
De todos esses sonhos, de todos esses dias, guardo a memória, mas também as palavras, deixadas no papel que inundava as nossas ruas e praças. O "bichinho" da História fez nascer um pequeno arquivo documental, que guardo desde esses dias e que, a partir de hoje irei partilhar aqui diariamente, como forma também de comemorar estes quarenta anos de Liberdade. 
Um dia destes entregarei esse arquivo a quem dele melhor cuide e até para ser utilizado como ferramenta para o estudo e divulgação destas quatro décadas: ao Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra.



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